No filme “Strange Days” da realizadora Kathryn Bigelow a cidade de Los Angeles surge como uma cidade sitiada em que deixou de haver autoridade, lei e ordem.
O leitmotiv é o final do milénio e o presuntivo final do Mundo tal como o conhecemos.
Quem tenha assistido ao terrível espectáculo vivido em terras de Sua Majestade, a que se convencionou apelidar de “Motins de Londres”, certamente poderá encontrar algum paralelismo entre a cena descrita no inicio desta dissertação e o que se passou um pouco por toda a Inglaterra.
Tendo por rastilho uma mal explicada morte de um cidadão os ingleses assistiram à queda da tradicional fleuma britânica rapidamente substituída pela anarquia, ou seja, como se não houvesse o “dia seguinte”.
Quem conhecer minimamente a cidade de Londres certamente reconhecerá tratar-se de uma cidade que no que toca ao cosmopolitismo apenas terá paralelo na cidade de Nova York e pouco mais.
Em tempos idos durante o “reinado” da Dama de Ferro os ingleses tinham basicamente duas classes: os muitos ricos e os muito pobres, tal era a clivagem social que se verificava e que foi bastante bem caracterizada por alguns realizadores de cinema realistas que souberam filmar com mestria esses tempos.
Já nessa ocasião os sintomas de tensão social eram latentes e prontos a explodir com mais ou menos intensidade.
Os anos seguintes permitiram uma diminuição destas clivagens e, como grande potência económica que é, os ingleses conseguiram diminuir significativamente aquele que é, a meu ver, o grande problema das sociedades modernas, isto é, o desemprego.
Qualquer sociedade que possa orgulhar-se de ter um modelo de pleno emprego poderá certamente contar com uma menor conflitualidade social e tudo aquilo que lhe está inerente.
Quanto mais não seja tal decorre do facto das pessoas estarem ocupadas nos seus locais de trabalho ao invés de vaguearem sem destino pelas ruas normalmente sem objectivos de vida.
É certo e sabido que os últimos anos levaram ao crescimento acentuado do número de desempregados um pouco por toda a parte, situação à qual os ingleses não puderem escapar.
O problema é que qualquer situação emergente de desemprego afecta em primeiro lugar aqueles que mais dele dependem, por mais pequeno que seja o salário, na medida em que constitui literalmente a sua forma de subsistência.
Em Inglaterra como em qualquer outro lugar os principais afectados são os jovens, as classes mais desfavorecidas e os emigrantes, precisamente tudo aquilo que não falta nas ilhas britânicas, nomeadamente em Londres.
Ou seja, o “argumento” do filme que se passou a seguir à primeira morte era conhecido e, provavelmente expectável tal como em anos não muito distantes havia sucedido nos arredores de Paris precisamente tendo por base o mesmo factor gerador dos distúrbios.
O que ninguém – nem as próprias autoridades policiais - certamente poderia prever foi o aproveitamento por parte de um conjunto significativo de pessoas das circunstâncias, para instalar o terror e anarquia, nem tão pouco que muitos dos seus intérpretes fossem menores de idade.
É aqui que reside a meu ver o grande drama de toda esta questão.
O motivo que está por detrás dos comportamentos destes jovens não pode ser explicado pelos mesmos argumentos que poderiam explicar uma situação extrema de conflitualidade social associada, por exemplo, ao desemprego.
Por detrás destes comportamentos está toda uma Sociedade que perdeu há muito os seus principais valores e que é hoje incapaz de os transmitir às novas gerações e tal foi bem perceptível quando se ouviam algumas pessoas a clamar pela responsabilidade dos pais em chamar os seus filhos à razão ou obriga-los a ficar em casa.
É fácil verificar pelo que se constatou que tais exigências já não são possíveis em sociedades como a inglesa e, desconfio bem, em diversas outras.
Os “Motins de Londres” poderão ter sido um vislumbre daquilo que estará para vir e se assim for então será mesmo melhor que o Mundo acabe de facto no dia seguinte. Assim vão as cousas.