O escândalo das escutas das caixas de correio levadas a cabo pelo jornal inglês “News of the World” apenas poderá ter causado alguma surpresa por um simples motivo.
Esse motivo é o do próprio jornal em causa se o próprio alvo da notícia.
De resto julgo que só por mera distracção tudo o resto poderá constituir uma verdadeira surpresa.
A verdade por detrás de todo este “esquema” montado pelo jornal é que neste caso se levou ao extremo a questão da fronteira entre a liberdade de imprensa e os direitos individuais dos cidadãos.
Esta fronteira que existe e existirá sempre em qualquer regime que se preze de salvaguardar os princípios básicos da liberdade de informação tem sido sucessivamente ultrapassada precisamente por aqueles que têm os meios para o fazer.
E esses são os órgãos de comunicação social.
Os sinais já eram demasiado evidentes e resultam fundamentalmente da extrema competitividade entre os diferentes operadores e demanda pelos respectivos “shares” de audiência ou de leitores, consoante os casos.
Por detrás desses “shares” estão os lucros das empresas, seja pela compra do jornal ou pela aquisição do serviço, seja naturalmente pelo crescimento da publicidade paga.
A lógica que preside a esta “guerra” é a aquela de quem “chega” primeiro à notícia e quem primeiro a divulga.
Mas não só. Passou também a ser determinante a forma como se obtém e como se divulga a notícia.
E é por aqui que o problema principal passou a residir.
Na ânsia de dominar a informação há talvez hoje mais do que nunca a consciência de que passou a valer tudo para se obter essa mesma informação.
Normalmente a obtenção da informação passava pelas “famosas” fontes próximas do processo mas não identificadas precisamente tendo por base um presuntivo direito à protecção das fontes.
Neste “caldeirão” das fontes de informação todos cabem: a vítima, o ladrão, o corrupto, o traficante, o violador, o assassino, etc., ignorando o facto que o referido direito que estas mesmas pessoas terão em não verem reveladas as suas identidades colide na maior parte das vezes com outros direitos, esses sim de natureza inalienável.
Obtida a notícia, importa divulga-la adequadamente.
Também nesta fase a noção de divulgação adequada perdeu parte do seu significado prático ao longo dos tempos.
Por isso mesmo passou a ser mais relevante o impacto imediato que a notícia possa causar no potencial leitor ou espectador do que o conteúdo da mesma, e para isso nada melhor do que uma parangona jornalística de capa inteira.
A consciência do impacto que uma determinada notícia terá se transmitida de uma forma que cause impacto imediato é uma “ferramenta” muito utilizada pela generalidade dos órgãos de comunicação social mas que já é muito familiar aos denominados jornais sensacionalistas.
O “News of the World” limitou-se, por assim dizer, a ir ainda um pouco mais longe na forma como obtinha as suas informações e montou um esquema de corrupção e espionagem de que agora se conhecem – julgo eu – apenas alguns dos seus contornos.
O jornalismo livre e independente é uma das mais evidentes formas de expressão de qualquer sociedade democrática.
A relevância desta presunção deve-se ao precisamente ao facto de que quanto mais livre e independente a informação mais livre e igualmente independente será a Sociedade cada vez mais ávida dessa mesma informação.
Justamente pelo contrário a subversão deste pressuposto, tal como actualmente acontece, condiciona e limita as pessoas e a percepção que elas têm sobre o mundo que as rodeia e, como consequência incontornável, a sua capacidade de julgamento.
O paradigma que daqui resulta é que uma liberdade de impressa sem regras tem como resultado uma Sociedade menos livre.
Desconheço e permito-me mesmo presumir que este ciclo não possa ser invertido independentemente de casos como o “News of the World”.
Se tal puder de facto acontecer só poderá ser devido ao aumento das regras de supervisão por parte das entidades que têm a seu cargo essa função mas sobretudo pela via da exigência de isenção e respeito pela legalidade por parte do próprio receptor da notícia e que, no fundo, somos todos nós. Assim vão as cousas.
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