O recente atentado terrorista na Noruega colocou na ordem do dia a capacidade de (aparentemente) um só indivíduo colocar em causa num mesmo acto toda a estrutura de um Estado que era – e deverá continuar a ser – um exemplo de tolerância.
Sobre as consequências deste acto bárbaro já muito se disse e se escreveu mas, creio, não houve lugar a uma reflexão sobre a natureza na “filosofia” sobre a qual assenta o carácter do sujeito – ou muito provavelmente dos sujeitos – que estão por detrás do referido acto.
Foi referido, porventura de uma forma demasiado leve, as ligações do autor dos atentados a movimentos de extrema-direita e a círculos de fanatismo anti-islâmico e anti-emigração.
Ora, precisamente esta questão deve ser levada muito a sério e devidamente analisada no contexto da Europa comunitária.
Os períodos de crise como os que vivemos actualmente são o terreno fértil para o surgimento e o crescimento de tendências de carácter radical que procuram explicar a todos aqueles que precisamente se encontram mais expostos a essa crise que o problema da mesma reside no centro do sistema.
Contudo, se os partidários da extrema-esquerda “explicam” os fundamentos da crise com a natureza ideológica do sistema, isto é, da sobreposição do Capital sobre o Estado Social, os seguidores dos movimentos de extrema-direita tendem a canalizar as suas atenções para o islamismo e para os fluxos de emigração que de uma forma geral são transversais a toda a Europa.
Ou seja, por um lado temos o radicalismo ideológico e por outro a radicalismo sociológico.
A grande diferença decorre – pelo menos nos dias de hoje – na forma como cada um dessas formas de radicalismo coloca em prática as respectivas “políticas”.
Se por um a extrema-esquerda europeia participa de uma forma mais ou menos geral no jogo político das sociedades democráticas através do combate ideológico a verdade é que a sua antítese “alinhando” nesse mesmo jogo socorre-se de uma lógica bem mais perigosa.
Essa lógica é a lógica do medo.
É a lógica de quem pretende explicar aos outros que aquilo de mal lhes sucede tem uma religião e tem uma nacionalidade diferente da sua.
A grande verdade é que tem sido verificável que esta mensagem parece passar com relativa facilidade em momentos de crise, e a actualidade está ai para o demonstrar uma vez mais.
No entanto, o problema maior reside na forma como cada um se propõe resolver um problema aparentemente comum mas com uma natureza totalmente oposta.
A História demonstrou sempre ao longo dos séculos que não é possível afastar aqueles que são considerados indesejáveis sem o recurso à força, isto é, pela via da supremacia militar.
E é precisamente por este facto que alguns dos movimentos de extrema-direita que começam a ganhar um espaço cada vais mais amplo nas principais democracias ocidentais pode e deve ser motivo de preocupação para todos aqueles que se consideram apoiantes da liberdade e do regime democrático.
Não tenhamos ilusões, essa liberdade e democracia estão ameaçados e se duvidas houver existirá sempre um Anders Breivik para nos demonstrar que esta é uma realidade infelizmente premente.
Alguns ordenamentos jurídicos (como por exemplo o português) têm – e a meu ver bem – disposições constitucionais que expressamente inibem a constituição de partidos de natureza militar, militarizadas ou paramilitares ou mesmo organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.
Fazem-no por uma razão muito simples e que reside no facto de tais movimentos colidirem com os principais fundamentos da Constituição que são precisamente o de garantir direitos fundamentais.
Certamente que nem todos os Estados têm mecanismos equivalentes de natureza constitucional que os proteja deste tipo de ameaças e por isso mesmo alguns partidos de extrema-direita têm vindo a ganhar um crescente protagonismo, nomeadamente nos denominados “países mais ricos” da Europa.
A principal subversão de qualquer sistema democrático reside precisamente na possibilidade de alguém que despreza o Estado democrático poder ascender ao poder exactamente pela (irónica) via da democracia com o objectivo último de a suspender, substituindo-a por um regime autocrático e ditatorial.
Não tenho a certeza que os líderes europeus estejam devidamente atentos para este problema e, atrevo-me mesmo a dizer, que não fará parte das suas preocupações imediatas por colidir com questões de soberania individual dos Estados-membros.
Nada mais errado porque tudo se reconduz a um problema de memória colectiva de toda a Europa.
A verdade é só uma, na última vez que a Europa esteve “desatenta” relativamente a este fenómeno deu por si quase totalmente ocupada por um regime de natureza fascista que pugnava precisamente pelos mesmos ideais do terrorista de Oslo, com as consequências que se conhecem.
Esperemos que esta última página de radicalismo possa criar nas mentes das pessoas um efeito contrário ao que lhe está subjacente e que pelo menos nesse aspecto, por uma vez que seja, o sofrimento de tantos inocentes não tenha sido totalmente em vão. Assim vão as cousas.
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