Em dia de qualquer greve surge sempre aos olhos dos portugueses uma perspectiva dupla do alcance e resultados da referida greve.
De um modo geral - para não dizer sempre - as análises variam entre a muito fraca adesão na perspectiva do Governo e numa elevada taxa de adesão de acordo com a percepção dos partidos da oposição e muito particularmente dos sindicados que promovem a referida greve.
No caso de uma greve geral este acentuar da divergência interpretativa dos índices de adesão são ainda mais notórios, pelo que não terá sido de estranhar que a síntese da terceira greve geral ocorrida em Portugal após o 25 de Abril tenha oscilado entre os poucos mais de 3% de acordo com os dados do Governo e a convicção de se ter tratado da maior participação de sempre numa greve geral na perspectiva dos sindicatos.
No entanto, a leitura que julgo continua e, creio bem , continuará por fazer é analisar até que ponto continuará a fazer sentido falar em geral geral e quais são efectivamente as consequências reais do "day-after" de qualquer greve, mas em particular de uma greve geral.
A expressão "Greve Geral" surge num contexto em que a generalidade do aparelho produtivo era essencialmente público e no qual grande parte das pessoas vivia ainda embutido de um espírito pós-revolucionário em que havia a clara convicção que a força individual resultava da união colectiva.
Na prática qualquer greve - geral ou sectorial - tinha de facto não apenas um efeito aglutinador de uma determinada classe mas uma consequência de natureza prática, isto é, contribuía decisivamente para a concretização de um objectivo concreto, precisamente aquele que havia motivado a convocação da da greve.
Após a entrada na UE e a progressiva alteração do modelo organizacional do Estado, o sector público foi sendo significativamente reduzido a participações minoritárias nas empresas anteriormente detidas pelo próprio Estado ou por e simplesmente este deixou de ter qualquer papel na organização das referidas empresas.
Assim sendo, a noção de Estado passou a reconduzir-se a uma estrutura - imensa, diga-se - de funcionários administrativos da Administração Central, Local e Regional e ao conjunto dos profissionais dos sectores públicos da educação, saúde e transportes.
Tudo o mais passou a reger-se essencialmente pelas regras próprias do mercado de trabalho, nomeadamente ao nível do modelo de contratação e regulação das condições de trabalho, sem prejuízo da submissão aos principais ditames da legislação laboral e da própria Constituição.
Contudo, esta alteração implicou uma alteração significativa na forma de adesão das pessoas aos movimentos grevistas ainda que, no essencial, continue a haver uma ampla concordância com as respectivas motivações.
No essencial, qualquer greve passou a ser vista como uma luta dos funcionários públicos contra a sua entidade patronal - o Estado - e, acima de tudo, como um verdadeiro transtorno às suas próprias vidas, por influir directamente com serviços de que as pessoas normalmente necessitam, seja na saúde, escolas ou transportes.
Assim sendo, não creio ser possível falar hoje em dia em verdadeiras greves "gerais", mas sim em greves quase exclusivamente do sector Estado.
Mas a mais importante análise a qualquer greve e aquele que nos remete para os efeitos práticos da mesma, ou seja, aquilo que é possível extrair hoje em dia de um evento do qual resultou no imediato a perda de remuneração de quem aderiu à greve (ou se viu impossibilitado de trabalhar por via da mesma) e as complicações para o dia-a-dia das pessoas que não querendo ou não podendo, não aderiram a essa mesma greve.
O meu entendimento é que o efeito prático é extremamente reduzido para não dizer nulo.
Por um lado é impossível desligar qualquer greve do movimento corporativo sindical que lhe está subjacente e que se encontra integralmente conectado com a oposição ao Governo e muito particularmente a um determinado sector da denominada extrema-esquerda.
Por outro é por demais evidente que a receptividade do próprio Estado em efectuar qualquer cedência à generalidade (ou totalidade) das reivindicações sindicais e dos trabalhadores que estes representam é manifestamente reduzida.
Se tal sensibilidade se verificava já de forma marcadamente acentuada ao longo da última década, a verdade é que o actual momento de crise e as medidas que (supostamente) são necessárias tomar para a ultrapassar não apenas tornam inviável a tentação de cedência eventualmente a troco de algumas simpatias, ou dizendo de outra forma, a troco de alguns votos, como parece ser cada vez mais claro que existe um largo espectro da nossa Sociedade que não vêm com "bons olhos" a perspectiva de acentuar ainda mais as dificuldades em virtude dos efeitos negativos de qualquer greve para a economia.
Esta realidade, que eu considero indesmentível, está muito para além da disputa entre os dados de maior ou menor adesão a qualquer greve.
Por isso mesmo, é cada vez mais forte a minha convicção que não podendo nem devendo questionar-se a legitimidade de alguém poder manifestar a sua discordância através do uso da prerrogativa constitucionalmente garantida de exercício do direito à greve, os movimentos sindicais teriam certamente muito mais a ganhar adoptando uma atitude firme e construtiva em sede de concertação social, sempre numa perspectiva que é melhor um mau acordo que acordo nenhum.
É que no primeiro dos casos sempre será possível obter algo de positivo para ambas as partes, nomeadamente para aquela que carece - pelo menos à partida - de menor força negocial, sendo que no segundo caso essa mesma parte ficará sempre, e provavelmente cada vez mais, à mercê daquelas que sejam as decisões futuras do Governo.
O problema é que para aí chegar é preciso que entre uns e os outros houvesse uma verdadeira vontade de alcançar um acordo, demonstrando capacidade de cedência no pior dos contextos, ficando no entanto a percepção que tal não acontece porque no essencial existe quase sempre as principais decisões já estão previamente tomadas, incluindo a decisão de fazer greve. Assim vão as cousas.