domingo, 13 de novembro de 2011

Seguro de vida

A discussão recente sobre a acumulação de pensões de políticos e ex-políticos bem como sobre a natureza de alguns dos respectivos benefícios complementares aos respectivos salários é, em si mesmo, ilustrativo desta espécie de “silly season” em que vivemos.

Desde logo porque esta temática está eivada de uma dose significativa de demagogia.

E porquê? Porque parecem fazer-nos crer que esta questão é um facto novo na nossa Sociedade e que ninguém teria aparentemente conhecimento da extensão da mesma.

Ora bem, a verdade é que este é um verdadeiro segredo de Pirro, na medida em que só aqueles que há muito colocaram de parte o interesse por estas e outras questões ou alguém fundamentalmente muito distraído poderia ignorar que o sistema político havia criado para si próprio mecanismos de “compensação” pela dedicação à causa pública que são no mínimo discutíveis e sobretudo altamente questionáveis em momentos de crise como os actuais (se é que é possível afirmar que em algum momento não estivemos em crise).

Ainda que admitindo que tal possa ter ocorrido teria sido precisamente nesse período, o tal das “vacas gordas”, em que poderia e deveria ser questionado um sistema que no essencial se beneficia a ele próprio.

A perversão desta temática é, no essencial, esta mesma, ou seja, a constatação que na base da construção de todo um sistema de pensões e de subsídios estão precisamente aqueles que poderiam e vieram a beneficiar das regras que os próprios criaram.

Uma espécie de julgadores em causa própria ou, adaptando esta imagem à realidade concreta foram legisladores em proveito próprio.

A segunda vertente perversa desta questão é a que nos remete para a noção de causa pública.

Em bom rigor o que se passa é precisamente o inverso do que seria expectável, ou seja, pela lógica dos princípios o trabalho a favor da referida causa pública, seja na qualidade de deputado, ministro, secretário de estado, etc., etc. – já para não falar dos mais altos cargos da nação - deveria ser considerado por quem desempenha tais cargos como um privilégio concedido a quem é empossado numa determinada função que se destina, na pureza dos princípios, a zelar pelo interesse público e bem-estar dos cidadãos.

Acontece que esta pureza nunca – ou com honrosas excepções – foi entendido como tal, mas sim como uma forma de auto-promoção ou como uma suspensão de uma qualquer outra actividade e que por isso mesmo deverá ser devidamente compensada.

Uma espécie de “fardo” que cada um terá de “carregar” durante a sua permanência num qualquer cargo público.

A verdade é que essa compensação efectivamente acaba por surgir seja na forma de subvenções vitalícias ou através de subsídios normalmente inexistentes em qualquer profissão.

O problema é que os portugueses parecem ter “acordado” para uma realidade que já existe desde 1974 do qual resulta que para se beneficiar de tal subvenção vitalícia não é necessário uma dedicação à causa pública durante toda uma carreira contributiva, mas apenas o exercício durante 8 anos – sucessivos ou intercalados – das funções de governante ou deputado e mesmo quem não reúna essas condições terá ainda assim o direito a um subsídio de reintegração, partindo de um pressuposto que quem ocupa algum desses cargos sairá desfavorecido para a sua restante vida profissional o que, convenhamos, não se afigura como provável.

Por outro lado, ao tal “despertar” para a realidade permitiu perceber que grande parte dos beneficiários da referida subvenção vitalícia continuou a exercer uma actividade profissional, normalmente bem remunerada, que acumula com os proveitos resultantes da respectiva condição de reformados precoces.

Igualmente digno de registo foi constatar a existência de outro tipo de benefícios, por exemplo o subsídio de alojamento, para cidadãos que sendo naturais de regiões de Portugal fora de Lisboa, tiveram de imigrar para a capital, ainda que em alguns casos tenham aí adquirido aquilo a que de forma bastante oportuna se convencionou chamar de “segundas residências”.

A reacção de alguns – muito pouco, diga-se – dos beneficiários deste modelo foi aquele que seria de esperar num contexto de profunda demagogia, abdicando publicamente – espera-se que o tenham feito na prática - de tais benefícios, não sem antes aludir ao facto de que estariam a abdicar de um direito adquirido.

Nada mais verdade. Contudo, quem tal afirma deveria ser consequente com essa convicção não abdicando de um proveito que lhe é conferido por via de lei.

Ora, precisamente em tempos como as actuais em que as pessoas são despojadas a um ritmo alucinante de boa parte de um conjunto dos tais direitos adquiridos que apenas lhes foi conferido com o advento da democracia, dificilmente se compreende o discurso sobre estes mesmos “direitos adquiridos” por parte de quem beneficia em concreto de um verdadeiro regime de excepção.

Estaremos, porventura, a olhar o problema por um ângulo que não será o mais correcto e que presumo que dificilmente alguém se atreverá a focalizar.

É que a questão dos benefícios atribuídos aos titulares dos cargos públicos não se deve colocar no plano dos direitos mas no plano da ética e se assim tivesse sempre sido não estaríamos hoje a “discutir” este assunto, simplesmente porque ele não existiria. Assim vão as cousas.

Sem comentários:

Enviar um comentário