Em tempos como o
presente não é justo afirmar, para além de qualquer dúvida, que os efeitos da
crise tocam de maneira equivalente todos os cidadãos facto que, podendo ser
considerado um lugar-comum, não deixa ainda assim de menos verdade por causa
disso.
Não se pense, contudo,
que as linhas seguintes irão estender o referido lugar-comum ao ponto onde,
normalmente, nestas ocasiões o foco central das atenções se dirige, qual
azimute, nomeadamente os “grandes grupos económicos”, expressão generalista
onde caberá uma verdadeira imensidão de interesses, normalmente encimados pelos
bancos e respectivos banqueiros.
De facto, registo pelo
menos uma actividade onde a empregabilidade cresceu a “olhos vistos” com o
efeito da crise com a particularidade do trabalho desempenhado no exercício de
tal cargo ser precisamente… a crise.
Não sendo meu propósito
iniciar nesta altura uma “carreira” no domínio do suspense, esclareço, de forma
imediata, que me refiro à profissão de comentador televisivo.
Ora, também aqui como em
quase todas as actividades, se verifica uma tendência para a especialização
ainda que, num sentido mais lato do termo, o tronco comum das suas intervenções
seja precisamente o mesmo.
Por isso mesmo, esta
“especialização” não é imediatamente perceptível tendo em conta que, não raras
vezes, se assiste a um exercício "esforçado" para se perceber aquilo
que fundamentalmente distingue a opinião de dois ou mais comentadores quando,
precisamente, aquilo que se lhes pedia era precisamente a existência de uma
certa forma de contraditório.
Desta forma, creio ser
possível agrupar as plêiades de comentadores do nosso espectro televisivo em
três linhas distintas: os comentadores-políticos, os políticos-comentadores e
os nem-uma-coisa-nem-outra, mas que a tradição costuma designar de “opinion
makers”, tradição essa que não ousarei contestar.
A primeira “classe” é,
porventura, aquela que existirá há mais tempo e que é “chamada” de forma
reiterada, normalmente em grupo (o tal suposto contraditório de opiniões “ livres
e independentes”) e de forma indistinta entre canais de televisão, embora com
alguma tendência para uma certa cristalização.
Em bom rigor a sua
tarefa acaba por encontrar-se relativamente facilitada porque não resulta das
suas opiniões qualquer compromisso futuro nem o escrutínio sobre as mesmas será
tão incisivo que, num dado momento, possam ser confrontados com mais ou menos
evidentes contradições de discurso.
É, portanto, uma forma
de opinar que se esgota no preciso momento em que é formulada, não resultando
da mesma qualquer utilidade prática, excepção feita – o que até nem é pouco – o
de “ajudar” aqueles que os ouvem a formular as suas próprias opiniões ou
consolidarem aquelas que já teriam, presumindo-se que difícil mesmo será mudar
de opinião.
O segundo grupo de
comentadores são os políticos-comentadores, figura bem mais recente no nosso
espectro do comentário televisivo e aquela que mais cresceu neste período.
São essencialmente
ex-governantes ou políticos em período de “travessia de deserto” que não
podendo exercer cargo publico ou partidário mas não querendo, ainda assim,
deixar de ter alguma visibilidade, surgem agora a comentar factos políticos,
ainda que alguns deles remetam para momentos que, de forma mais ou menos
directa, se relacionem precisamente com o período em que eram eles próprios o
objecto principal dos comentários políticos.
A sua forma de actuação
é, consequência a meu ver do que atrás é referido, feita quase sempre
isoladamente, isto é, sem “direito” a contraditório, uma vez que tal está
normalmente reservado ao plano do debate político o qual não é, por natureza, susceptível de ser confundido com a não menos nobre arte do comentário.
Precisamente por causa
desta “característica” os comentadores-políticos tendem a não simpatizar com os
políticos-comentadores, não forçosamente por constituírem uma forma de
concorrência acrescida a si próprios, mas porque a mesma sendo livre é
conscientemente tendenciosa.
O último grupo que
entendi dever referenciar inicialmente ao qual associei a nomenclatura de
“opinion makers” (à falta de melhor termo), remete para aquelas personalidades
da vida pública portuguesa que mesmo dedicando parte substancial dos seus
comentários sobre as questões da politica e da economia abordam, de igual modo
e convicção, quase todos os temas da nossa Sociedade, entendendo-se neste
conceito não apenas a Sociedade portuguesa mas quase tudo o que seja notícia um
pouco pelo globo.
O resultado é, quase
sempre, uma certa forma de “short opinion” sobre tudo e todos que, de forma
curiosa, acaba por ter um efeito mais directo em quem os ouve ou escuta,
sentidos que ainda que assim possa parecer não têm significado comum.
A explicação para este
“sucesso” televisivo é quase de curiosidade colectiva, a partir do qual se
“alimenta” a ideia de querer saber o que é que fulano ou sicrano pensam sobre
determinado assunto e, de preferência, em poucas palavras e que qualquer um
perceba.
Esta espécie de “fast
food” do mundo dos comentários é, por isso mesmo, aquela que parece mais
adequada aos tempos em que vivemos pois, pela sua ligeireza e ausência de
qualquer denominador de compromisso, pois facilita o “trabalho” de uma
Sociedade que parecendo cada vez menos interessada em pensar e decidir pela sua
própria cabeça “entrega” a outros a tarefa de pensar e decidir por eles. Assim
vão as cousas.