domingo, 14 de julho de 2013

Universo paralelo

As viagens no tempo têm sido, ao longo dos anos, um vasto campo de expansão do nosso imaginário, resultando de tal facto a aspiração teórica de uma mesma pessoa poder transpor o respectivo estado físico entre épocas distintas, mais ou menos próximas.

Não sendo, até prova em contrário, demonstrável fisicamente a viabilidade de tal transposição corpórea, este tema tem, sobretudo, feito as delícias do mundo da literatura, nomeadamente na denominada ficção científica.

É precisamente neste contexto que as linhas que se seguirão deambularão entre as dimensões temporais conhecidas – passado, presente e futuro – seguindo dessa forma uma mesma personagem, na circunstância do Professor Cavaco Silva, iniciando-se precisamente no tempo presente.

Ora neste tempo o Professor Cavaco Silva entendeu dirigir-se aos portugueses, após uma panóplia de conversas bilaterais com os partidos políticos, organizações patronais e centrais sindicais para, de um modo capaz de surpreender tudo e todos, anunciar o seu próprio plano para o país, a que repetidamente denominou de “salvação nacional”.

Em si mesmo, tal expressão deveria ser o “leit motiv” necessário para se perceber que algo que necessita de ser salvo será porque – por definição – estará em perigo.

Ora, se algo se encontra nessa situação estranha-se que, durante os fastidiosos minutos de uma espécie de “oração de sapiência”, não tenha sido referida qualquer nota de registo critico para o governo actualmente em funções que, apesar de dispor de uma base parlamentar que lhe confere uma maioria absoluta, entrou em rotura consigo próprio, originando aquilo que se convencionou chamar de “crise politica”.

A referida “salvação nacional” passaria, nesse caso, por um apelo a uma coligação dos denominados partidos do “arco da governação” que, no caso concreto, são os precisamente os mesmos que assinaram o memorando de entendimento com a troika.

Esta coligação teria, contudo, um prazo de validade coincidente com o final do plano de assistência, lá para Junho de 2014, momento a partir do qual, o país entraria em período eleitoral, fruto – presume-se – da demissão do Governo, não ficando claro se por sua iniciativa ou por via parlamentar.

Torna-se, pois, necessário efectuar a primeira viagem no tempo e recuar ao mês de Março de 2011 quando, ao tomar posse para um segundo mandato, Cavaco Silva resolveu desferir um “ataque” velado ao Governo minoritário que dirigia então os destinos do país, assinando de forma indelével uma espécie de “sentença de morte” a esse mesmo Governo.

Independentemente das motivações para tal, a verdade é que quem assim falou não podia ignorar que a consequência de uma tal posição publicamente assumida seria, naquela mesma circunstância, o arrastar o país para eleições mas, sobretudo e tal como veio a suceder, determinar a necessidade de um pedido de “assistência financeira” a Portugal, do qual resultou o tristemente célebre “memorando de entendimento”.

Não terá, nessa ocasião, ocorrido ao renovado Presidente da República, aspirar com as suas palavras a um amplo entendimento entre os referidos partidos ou, no mínimo, dos dois principais, nem que tal seria necessário justamente pelo mesmo critério da “salvação nacional”.

Contudo, tal momento seria precisamente aquele em que, provavelmente, melhor estariam reunidas as condições para que esse mesmo entendimento pudesse ter lugar pois coincide precisamente com a única circunstância em que os “tais” partidos partiam de uma base comum de entendimento, isto é, sobre o conteúdo programático do memorando, restando “apenas” que se entendessem relativamente às medidas necessárias à sua implementação.

Não foi este o desígnio de Cavaco Silva e o que se seguiu foi também aqui uma espécie de viagem temporal para o futuro até ao tempo presente.

Ora, neste particular domínio resta-nos efectuar a “viagem” para um tempo que se situa além do actual ao qual o comum dos mortais apenas chegará quando os dias, meses e anos se tiverem sucedido mas que, no caso vertente, não será necessário uma vez que uma espécie de “cone do tempo” levar-nos-á em seguida a esse mesmo futuro.

Mais precisamente situar-nos-emos em Junho de 2014 altura em que, de acordo com um calendário pré-definido, Portugal deixará de “beneficiar” de assistência externa da troika, regressando autonomamente aos “famosos” mercados.

Porém, nessa mesma ocasião, se perceberá que Portugal não terá condições de o fazer pagando pelas suas necessidades de financiamento juros muito acima da sua capacidade de os suportar em termos futuros, ainda que sob uma espécie de protecção do BCE.

Como tal e porque a politica do “custe o que custar” levada a cabo no passado originou uma “espiral recessiva” do qual resultou uma incapacidade de crescimento do PIB, do emprego ou mesmo da dívida pública, Portugal terá novamente necessidade de recorrer a um novo plano de assistência, ainda que o mesmo possa airosamente deixar de se chamar de “resgate” passando a adoptar uma qualquer outra nomenclatura, porque nestas coisas dos nomes, não há passagem do tempo que altere o seu verdadeiro significado.

A “salvação nacional” não se cumprirá porque o “chamamento” do PS por parte de Cavaco Silva para a “fotografia final” não tem quaisquer condições de viabilidade na medida em que, tal apelo, teria como pressuposto a adesão “voluntária” às decisões políticas tomados pelos outros dois partidos, nas quais não foi parte em momento algum, não o sendo portanto igualmente nas respectivas consequências.

A tentativa de Cavaco Silva criar um governo de iniciativa presidencial coincidente temporalmente com o final da presença da troika em território português, colide frontalmente com a realidade portuguesa, nomeadamente as naturais aspirações da coligação em terminar o respectivo mandato no seu final e da oposição derrubar esse mesmo governo antes de tal data.

Por isso mesmo, não há como efectuar uma ultima “deslocação” na dimensão espaço-tempo e regressar ao tempo presente para desse modo concluir que as circunstâncias actuais determinam algo que Cavaco Silva parece querer ignorar – embora certamente não o ignore – é que aqueles que têm sido os maiores prejudicados com a actual situação são aqueles que mais aspiram à mudança célere das politicas que nos “conduziram” a essa mesma situação.

A generalidade da sociedade portuguesa deixou simplesmente de acreditar no sistema político e de se rever na respectiva classe politica à luz do pressuposto que esta já não respeita ou sequer representa essa mesma Sociedade.

E é precisamente por aqui que é possível afirmar que jamais poderá haver verdadeiramente alguma “salvação nacional” que não respeite as premissas básicas enunciadas por Lincoln no distante ano de 1863, isto é, que a mesmo não assente nos princípios da democracia representativa. Seja no passado, no presente ou no futuro. Assim vão as cousas.

Sem comentários:

Enviar um comentário