As
viagens no tempo têm sido, ao longo dos anos, um vasto campo de expansão do
nosso imaginário, resultando de tal facto a aspiração teórica de uma mesma
pessoa poder transpor o respectivo estado físico entre épocas distintas, mais
ou menos próximas.
Não
sendo, até prova em contrário, demonstrável fisicamente a viabilidade de tal
transposição corpórea, este tema tem, sobretudo, feito as delícias do mundo da
literatura, nomeadamente na denominada ficção científica.
É
precisamente neste contexto que as linhas que se seguirão deambularão entre as
dimensões temporais conhecidas – passado, presente e futuro – seguindo dessa
forma uma mesma personagem, na circunstância do Professor Cavaco Silva,
iniciando-se precisamente no tempo presente.
Ora neste
tempo o Professor Cavaco Silva entendeu dirigir-se aos portugueses, após uma
panóplia de conversas bilaterais com os partidos políticos, organizações
patronais e centrais sindicais para, de um modo capaz de surpreender tudo e
todos, anunciar o seu próprio plano para o país, a que repetidamente denominou
de “salvação nacional”.
Em si
mesmo, tal expressão deveria ser o “leit motiv” necessário para se perceber que
algo que necessita de ser salvo será porque – por definição – estará em perigo.
Ora, se
algo se encontra nessa situação estranha-se que, durante os fastidiosos minutos
de uma espécie de “oração de sapiência”, não tenha sido referida qualquer nota
de registo critico para o governo actualmente em funções que, apesar de dispor
de uma base parlamentar que lhe confere uma maioria absoluta, entrou em rotura
consigo próprio, originando aquilo que se convencionou chamar de “crise
politica”.
A
referida “salvação nacional” passaria, nesse caso, por um apelo a uma coligação
dos denominados partidos do “arco da governação” que, no caso concreto, são os
precisamente os mesmos que assinaram o memorando de entendimento com a troika.
Esta
coligação teria, contudo, um prazo de validade coincidente com o final do plano
de assistência, lá para Junho de 2014, momento a partir do qual, o país
entraria em período eleitoral, fruto – presume-se – da demissão do Governo, não
ficando claro se por sua iniciativa ou por via parlamentar.
Torna-se,
pois, necessário efectuar a primeira viagem no tempo e recuar ao mês de Março
de 2011 quando, ao tomar posse para um segundo mandato, Cavaco Silva resolveu
desferir um “ataque” velado ao Governo minoritário que dirigia então os
destinos do país, assinando de forma indelével uma espécie de “sentença de
morte” a esse mesmo Governo.
Independentemente
das motivações para tal, a verdade é que quem assim falou não podia ignorar que
a consequência de uma tal posição publicamente assumida seria, naquela mesma
circunstância, o arrastar o país para eleições mas, sobretudo e tal como veio a
suceder, determinar a necessidade de um pedido de “assistência financeira” a
Portugal, do qual resultou o tristemente célebre “memorando de entendimento”.
Não terá,
nessa ocasião, ocorrido ao renovado Presidente da República, aspirar com as
suas palavras a um amplo entendimento entre os referidos partidos ou, no
mínimo, dos dois principais, nem que tal seria necessário justamente pelo mesmo
critério da “salvação nacional”.
Contudo,
tal momento seria precisamente aquele em que, provavelmente, melhor estariam
reunidas as condições para que esse mesmo entendimento pudesse ter lugar pois
coincide precisamente com a única circunstância em que os “tais” partidos
partiam de uma base comum de entendimento, isto é, sobre o conteúdo
programático do memorando, restando “apenas” que se entendessem relativamente
às medidas necessárias à sua implementação.
Não foi
este o desígnio de Cavaco Silva e o que se seguiu foi também aqui uma espécie
de viagem temporal para o futuro até ao tempo presente.
Ora,
neste particular domínio resta-nos efectuar a “viagem” para um tempo que se
situa além do actual ao qual o comum dos mortais apenas chegará quando os dias,
meses e anos se tiverem sucedido mas que, no caso vertente, não será necessário
uma vez que uma espécie de “cone do tempo” levar-nos-á em seguida a esse mesmo
futuro.
Mais
precisamente situar-nos-emos em Junho de 2014 altura em que, de acordo com um
calendário pré-definido, Portugal deixará de “beneficiar” de assistência
externa da troika, regressando autonomamente aos “famosos” mercados.
Porém,
nessa mesma ocasião, se perceberá que Portugal não terá condições de o fazer
pagando pelas suas necessidades de financiamento juros muito acima da sua
capacidade de os suportar em termos futuros, ainda que sob uma espécie de
protecção do BCE.
Como tal
e porque a politica do “custe o que custar” levada a cabo no passado originou
uma “espiral recessiva” do qual resultou uma incapacidade de crescimento do
PIB, do emprego ou mesmo da dívida pública, Portugal terá novamente necessidade
de recorrer a um novo plano de assistência, ainda que o mesmo possa airosamente
deixar de se chamar de “resgate” passando a adoptar uma qualquer outra
nomenclatura, porque nestas coisas dos nomes, não há passagem do tempo que
altere o seu verdadeiro significado.
A “salvação
nacional” não se cumprirá porque o “chamamento” do PS por parte de Cavaco Silva
para a “fotografia final” não tem quaisquer condições de viabilidade na medida
em que, tal apelo, teria como pressuposto a adesão “voluntária” às decisões
políticas tomados pelos outros dois partidos, nas quais não foi parte em
momento algum, não o sendo portanto igualmente nas respectivas consequências.
A
tentativa de Cavaco Silva criar um governo de iniciativa presidencial
coincidente temporalmente com o final da presença da troika em território
português, colide frontalmente com a realidade portuguesa, nomeadamente as
naturais aspirações da coligação em terminar o respectivo mandato no seu final
e da oposição derrubar esse mesmo governo antes de tal data.
Por isso
mesmo, não há como efectuar uma ultima “deslocação” na dimensão espaço-tempo e
regressar ao tempo presente para desse modo concluir que as circunstâncias
actuais determinam algo que Cavaco Silva parece querer ignorar – embora
certamente não o ignore – é que aqueles que têm sido os maiores prejudicados
com a actual situação são aqueles que mais aspiram à mudança célere das
politicas que nos “conduziram” a essa mesma situação.
A
generalidade da sociedade portuguesa deixou simplesmente de acreditar no
sistema político e de se rever na respectiva classe politica à luz do
pressuposto que esta já não respeita ou sequer representa essa mesma Sociedade.
E é
precisamente por aqui que é possível afirmar que jamais poderá haver
verdadeiramente alguma “salvação nacional” que não respeite as premissas
básicas enunciadas por Lincoln no distante ano de 1863, isto é, que a mesmo não
assente nos princípios da democracia
representativa. Seja no passado, no presente ou no futuro. Assim vão as cousas.
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