Com o distanciamento
temporal que gosto de colocar relativamente aos temos analisados semanalmente,
algo que outro objectivo não tem que não seja o de criar as condições de
distanciamento relativamente ao momento em que os factos se verificaram,
entendo ser agora oportuno analisar os resultados práticos da acção do
autodenominado movimento “Que se lixe a troika”, nomeadamente a acção de
protesto que teve lugar em 2 de Março último.
Deixando de lado a
discussão pífia que se seguiu relativamente ao número de participantes nessa
mesma acção, sobretudo ao nível das redes sociais, é inegável que a adesão foi
extremamente significativa e, de igual modo, que a mesma revela uma acentuada politização
da sociedade portuguesa.
Chamo-lhe politização e
não partidarização na medida em que aquilo que mais se viu e ouviu foram sinais
evidentes de descontentamento com a situação politica e social de Portugal ao
invés de um manifesto apoio a qualquer estrutura partidária, independentemente
da participação de elementos da oposição entre os manifestantes e uma ou outra
bandeira a “recordar” a sua presença.
Basicamente, o
“discurso” mudou e o sinal evidente disso mesmo é a crítica transversal aos
diversos órgãos de soberania, incluindo a figura do Presidente da República,
cada vez mais transformado numa figura “sem voz” seja entre os cidadãos seja
entre o próprio Governo.
Por outro lado, o
recurso sistemático a “símbolos” de um passado não tão distante como isso,
nomeadamente o entoar da canção que a revolução de Abril, haveria de eternizar
ou chavões que nos “lembram” que o “povo é que mais ordena” remetem antes de
mais para uma concepção de direitos e liberdades cívicas do que propriamente
para o habitual discurso partidário.
Ora, tal como tive
ocasião de referir noutras ocasiões, o “problema” deste tipo de acções não é
certamente o da sua capacidade de mobilização, a qual é cada vez mais
facilmente demonstrável, mas para o respectivo “day after”, ou seja, a
materialização prática dentro do sistema político de uma mais do que evidente
oposição às denominadas “políticas de austeridade”.
A consequência lógica
deveria ser o surgimento de um movimento dentro da sociedade que fizesse a
rotura e ao mesmo tempo a síntese entre as estruturas partidárias convencionais
que, em virtude de um movimento de rotatividade politica ou de permanente
posicionamento de “anti-poder”, deixaram de ser as referências naturais dos
cidadãos, nomeadamente aqueles que, como eu, “insistem” em manter o ritual de
cumprir o dever cívico de votar.
Consciente que
dificilmente, nos tempos mais próximos, surgirá um tal movimento catalisador
das vontades e insatisfações colectivas manteremos, com elevado grau de
certeza, uma perspectiva da rotatividade forçada das duas principais forças
políticas, não em função do maior ou menor grau de confiança nos mesmos mas
sobretudo com uma motivação associada à reprovação do executivo anterior.
O “problema” é que, tal
como se tem vindo a notar, de forma absolutamente preocupante, nalguns países
europeus – não necessariamente os mais pobres ou endividados – é uma deriva
para o anti-sistema, isto é, para estruturas partidárias que nada tendo a
oferecer aos seus eleitores em termos de modelo de política económica ou
financeira, optam por um discurso extremista e isolacionista em que o “inimigo”
passa tanto por ser a própria classe política mas também os “alvos”
tradicionais destes movimentos, nomeadamente os estrangeiros.
Recordemo-nos, para quem
ainda não o saiba, que foi precisamente este o contexto que no final dos anos
vinte, após o tristemente célebre ano de 1929, que começou a surgir na Alemanha
um movimento politico “nacional-socialista” que haveria de levar ao poder um
dos mais carismáticos líderes da história da humanidade responsável pela morte
– de acordo com os dados mais recentes – de 20 milhões de seres humanos.
Assim sendo, a “solução”
para esta encruzilhada só poderá passar, de acordo com o meu entendimento, pelo
surgimento de uma estrutura partidária que faça uma espécie de síntese de uma
certa social-democracia de esquerda cuja matriz é possível de encontrar nos
países nórdicos, algo que, convenhamos, não parece muito provável mesmo a médio
prazo.
A não ser assim, então
terá forçosamente de passar um crescimento do nível de exigência por parte dos
cidadãos, seja no aumento da participação cívica eleitoral seja na contestação
pública sempre que necessária, mas sobretudo na criação de uma consciência de
que os programas de Governo devem assentar em bases programáticas reais e não
em falsas premissas que visam cativar os votos mas que são rapidamente
“esquecidas” após a realização do acto eleitoral.
Se legitimidade
democrática resulta do voto popular não é menos verdade que o incumprimento do
programa eleitoral por um qualquer governo cria uma evidente situação de
ilegitimidade para governar, e esta é precisamente a natureza do “divórcio”
consumado entre governantes e governados em Portugal. Assim vão as cousas.
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