domingo, 30 de junho de 2013

Tudo bons rapazes

Temas há que, seja tarde ou seja cedo o momento em que sobre eles nos debruçamos, mantêm a respectiva actualidade em virtude do facto de nos “acompanharem” de forma quase inalterada ao longo dos anos, mas igualmente pela convicção de que assim se manterão nos tempos mais próximos, inclusive numa perspectiva mais optimista.

Entre os referidos temas permito-me destacar o denominado “Processo BPN” relativamente ao qual não escondo a minha percepção, rotulando a presente dissertação com o título de um famoso filme de gangsters/mafiosos, por ser esse e não outro o sentimento que detenho sobre este outro “filme” de gosto manifestamente duvidoso.

De facto, o já longo “Processo BPN” é o somatório de uma panóplia de manifestas e reiteradas acções e omissões de um conjunto significativo de pessoas em que, até ao momento, aqueles que mais têm sido prejudicados são precisamente aqueles que se esperava menos o fossem.

Refiro-me em concreto a todos aqueles que confiaram as suas poupanças a um banco e que, de um momento para o outro, passaram a integrar o conceito de “lixo tóxico”, nome pomposo para uma catástrofe que não carece de radiações para causar vitimas.

Mas refiro-me igualmente ao conjunto de Contribuintes que se tornaram accionistas involuntários de um bem sem valor, do qual não só não retiram quaisquer dividendos como, pelo contrário, terão de suportar pela via dos impostos durante largos anos.

Tudo começa, como em qualquer história feliz, por uma “família” cuja prosperidade invejava a qualquer um, ao ponto de associar a respectiva imagem a uma Selecção Nacional que, tal como esta família, espalhava o seu brilhantismo na “Europa do futebol”.

Os membros de uma tal equipa de sucesso bancário eram, curiosamente ou talvez não (dependendo do grau de cada um em acreditar mais ou menos em coincidências), oriundos de uma outra “família”, desta vez de natureza política, unindo personalidades que, tendo tido no passado funções governativas ou, no mínimo, parlamentares, gozavam agora nas suas vidas privadas dos benefícios de tamanho “sacrifício” passado em favor da causa pública.

Sucede, porém, que como diz o ditado “nem tudo é o que parece” e de um momento para o outro o “belo edifício” começou a ruir tamanha era a fragilidade das suas paredes mas, sobretudo, das suas traves mestras, incapazes de resistir a uma tão grande incapacidade de gestão, algo que aparentemente ninguém – nem mesmo quem tinha por função faze-lo – parecia conhecer.

Surge nessa altura o então Ministro das Finanças que, invocando os superiores interesses da nação, resolve fazer uso de um mecanismo caído quase em desuso desde os momentos subsequentes ao 25 de Abril de 74 no contexto do então “Processo Revolucionário em Curso” ditando a nacionalização do banco.

Entendeu igualmente por bem entregar a gestão dos activos e dos supracitados lixos a Administração do banco público, concorrente directo do banco agora nacionalizado, algo que, sabe-se agora, terá gerado um forte conflito de interesses que “ajudou” a cavar um buraco que, progressivamente, mais do se alargar ia afundando.

Constatada a irreversibilidade de dar nova vida a um “nado-morto” o novo Governo que entretanto havia assumido funções determinou a alienação do que restava do banco e, num gesto semelhante a quem separa a carne dos ossos, vendeu apenas a parte “comestível” guardando para si a parte que apenas o cães costumam comer, certamente porque não lhe dão a restante.

Contudo, talvez porque a dita carne já seria suficiente para alimentar outra família, a referida venda foi efectuada a preços que vulgarmente podemos encontrar em algumas épocas do ano, nomeadamente no comércio a retalho, a que se convencionou chamar de saldos.

Curiosamente, o “chefe” do novo dono do banco era ele próprio oriundo da mesma “família” politica que havia levado o BPN a toda esta situação, deixando também aqui a cada um dos leitores a decisão de avaliar o maior ou menor grau de coincidência de toda esta situação.

Pelo meio de tudo isto o canal privilegiado de supervisão parece ter andado alheado das suas funções, porventura convicto que as informações que lhe faziam chegar eram de tal forma correctas que não careceriam de verificação ou, para os amantes das teorias da conspiração, simplesmente “fechou os olhos” ao que se passava por mera conveniência.

O resultado desta omissão foi a politização progressiva de um processo pelo facto do titular da cadeira do Banco de Portugal nessa altura “pertencer” a uma personalidade proveniente de outro partido que não o daqueles que haviam gerido o banco de forma ruinosa, fazendo crer que seria possível que num “assalto a um banco” (literalmente) o assaltante e o segurança incompetente poderiam ser colocados no mesmo plano ou eventualmente em que a maior dose de responsabilidade fosse, apesar de tudo, do próprio segurança.

Embora de forma tardia, mas não tarde de mais, veio a público uma reportagem de verdadeiro jornalismo de investigação que “colocou a nu” a dimensão da fraude e, de certa forma, colocou um “ponto final” na dúvida – se existente – de quem foi/foram de facto os verdadeiros responsáveis pelo “Processo BPN” sem esquecer, contudo, todos aqueles que tiveram de forma sucessiva responsabilidades no agravamento das consequências deste mesmo processo.

Uma sociedade justa e democrática necessita de esclarecimento que este tipo de investigação pode proporcionar, na medida inversa em que certamente dispensa um certo jornalismo que, mais do que investigar, se limita a juntar um conjunto de peças soltas dando-lhe uma forma final que, ao invés de procurar esclarecer cria a distorção de uma realidade já de si complexa.


E para complexidade já basta sabermos agora que este mesmo processo que se iniciou há já vários anos nos tribunais só terminará para além da própria memória do mesmo, isto é, se tal chegar, de facto, a suceder. Assim vão as cousas.

Sem comentários:

Enviar um comentário