domingo, 9 de junho de 2013

Sinal dos tempos


Quando, em Setembro do ano transacto, tive ocasião de efectuar a apresentação pública do 2ª Livro de Crónicas, iniciei a minha breve palestra recordando um trecho literário extraído de um célebre livro de Charles Dickens, “A Tale of Two Cities”, escrito em meados do século XIX.

Desde logo foi meu entendimento que a frase que então proferi poderia, em si mesmo, proporcionar uma dissertação autónoma, tendo por base cada um dos “momentos” que compõem a totalidade da frase com que o livro se inicia, o qual remete para os primórdios da Revolução Francesa e há-de terminar naquilo que se convencionou chamar de período Jacobino.

Não se tratará, fica desta forma feito o aviso, de uma análise histórica de tal período, mas sim, tal como naquele dia 22 de Setembro, de procurar efectuar uma extrapolação de cariz pessoal de cada uma das referidas frases, face ao contexto histórico e contemporâneo de Portugal e do resto da Europa.

It was the best of times; it was the worst of times!

O século XX “assistiu” ao surgimento de um número considerável de regimes de natureza ditatorial na Europa, que assentavam numa figura normalmente suficientemente carismática para conseguir num primeiro momento “convencer” a população dos respectivos méritos, para progressivamente deles se afastar – dos méritos e das pessoas – tornado o seu poder quase absoluto e inquestionável, eliminando todos aqueles que a ele se opunham.

Este condicionamento forçado é, sempre ou quase sempre, o veículo necessário para o surgimento de movimentos contrários ao regime, levando a que um certo numero de pessoas, com sacrifício das suas próprias vidas, lute em nome dos demais por alcançar essa aspiração suprema de liberdade.

Esta mesma Europa do século XXI não se confronta com regimes desta natureza, mas com uma forte ameaça aos princípios fundamentais da protecção social que os Estados devem assegurar aqueles que se normalmente se designam por mais necessitados.

Fala-se agora de uma ditadura do poder económico sobre os direitos sociais, e uma vez mais se erguem os movimentos de pessoas que se manifestam a favor da salvaguarda desses mesmos direitos.

É novamente o tempo dos IDEAIS.

It was the age of wisdom; it was the age of foolishness!

Em Maio de 1968 surge na França um movimento grevista, cujo significado e alcance ainda hoje é objecto de estudo aprofundado, por configurar na sua génese uma forma de insurreição popular de base estudantil, nomeadamente universitária, rapidamente estendida a milhões de outras pessoas (cerca de 2/3 dos trabalhadores franceses), provenientes das mais diversas classes.

Aos valores de uma esquerda radical e de um conceito de anarquia juntaram-se as noções de rotura com os valores da sociedade de então, ao nível da educação ou da liberdade sexual.

O carácter fugaz do fervor revolucionário de então tem, nos dias de hoje, algum paralelo com os movimentos espontâneos e de natureza sectorial que surgem um pouco por todo o lado, normalmente fruto de uma capacidade mobilizadora das denominadas redes sociais.

Contudo, esses mesmos movimentos tendem a desagregar-se tão rapidamente como se formaram, fruto de uma evidente incapacidade em dar continuidade e expressão prática dos respectivos fundamentos, porventura pelo próprio “risco” de, por essa via, se tornarem indistintos daqueles contra quem se manifestam.

Este é o momento da expressão da CIDADANIA.

It was the epoch of belief; it was the Epoch of incredulity!

Durante largos anos – demasiados anos – os Portugueses e diversos dos seus parceiros europeus “conviveram” lado-a-lado com situações de pobreza, fome e desemprego.

Eram os tempos de transformação de sociedades essencialmente rurais e de auto-subsistência em sociedades industriais, de matriz individualista, sem uma verdadeira consciência social.

O resultado foi o progressivo afastamento entre as pessoas, o fim do conceito de vizinhança e da própria vivência familiar, cuja consequência “visível” é a ausência de um acompanhamento adequado na fase de infância que não é possivel dissociar do abandono e solidão de cada vez mais idosos.

Esta “lógica” do cada um por si ou, por outras palavras, de um acentuado egoísmo colectivo determina quase sempre a imediata separação entre “fortes” e “fracos”, tendo como consequência prática o crescimento das desigualdades.

Os elevados índices actuais de desemprego e as mais do que evidentes situações de extrema pobreza e de fome, retomam nos dias de hoje a necessidade do fortalecimento dos laços de SOLIDARIEDADE

It was the season of light; it was the season of darkness.

Os sentimentos de xenofobia e racismo (e outras formas de descriminação) na Europa tiveram o seu “ponto alto” com a associação de tais sentimentos a movimentos de natureza politica que “conduziram” essa mesma Europa a uma guerra mundial e a uma estatística de mortes sem paralelo na sua história.

A divisão política na Europa que se seguiu ao Holocausto, originou novas formas de perseguição a Leste em paralelo com a progressiva recuperação económica e democratização da Europa Ocidental.

Hoje em dia é fácil constatar a existência de novas formas de intolerância numa Europa sem barreiras físicas, nomeadamente perante o fluxo de emigração proveniente de países árabes ou pela progressiva proliferação da cultura islâmica um pouco por todo o Continente Europeu.

Assiste-se hoje a uma estranha (mesmo bizarra) confluência entre movimentos de extrema-direita e aqueles que estes mesmos movimentos haviam perseguido no passado.

Teme-se pela formação da “Eurábia” e, conscientes dos perigos emergentes do acentuar dos extremismos, volta a falar-se de TOLERÂNCIA.

Por tudo isto sou “forçado” a concluir que os ideais da Revolução francesa são hoje, como nessa época, totalmente válidos, na medida em que ditaram um novo paradigma – que se estendeu a outros continentes – assente em princípios do humanismo.

Infelizmente, o que parece igualmente claro é que a fronteira que nos separa entre a defesa de tais princípios e aquilo que então se designou de “Reino do Terror” é, e continuará a ser, incompreensivelmente ténue. Assim vão as cousas.

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