Quando, em Setembro do ano transacto,
tive ocasião de efectuar a apresentação pública do 2ª Livro de Crónicas,
iniciei a minha breve palestra recordando um trecho literário extraído de um
célebre livro de Charles Dickens, “A Tale of Two Cities”, escrito em meados do
século XIX.
Desde logo foi meu entendimento que a
frase que então proferi poderia, em
si mesmo, proporcionar uma dissertação autónoma,
tendo por base cada um dos “momentos” que compõem a totalidade da frase com que o livro se inicia, o qual remete para os primórdios da Revolução
Francesa e há-de terminar naquilo que se convencionou chamar de período
Jacobino.
Não se tratará, fica desta forma feito o
aviso, de uma análise histórica de tal período, mas sim, tal como naquele dia
22 de Setembro, de procurar
efectuar uma extrapolação de cariz pessoal de cada uma das referidas frases, face ao contexto histórico e
contemporâneo de Portugal e do resto da Europa.
It was the best
of times; it was the worst of times!
O século XX “assistiu” ao surgimento de
um número considerável de regimes de natureza ditatorial na Europa, que
assentavam numa figura normalmente suficientemente carismática para conseguir
num primeiro momento “convencer” a população dos respectivos méritos, para
progressivamente deles se afastar – dos méritos e das pessoas – tornado o seu
poder quase absoluto e inquestionável, eliminando todos aqueles que a ele se
opunham.
Este condicionamento forçado é, sempre ou
quase sempre, o veículo necessário para o surgimento de movimentos contrários
ao regime, levando a que um certo numero de pessoas, com sacrifício das suas
próprias vidas, lute em nome dos demais por alcançar essa aspiração suprema de
liberdade.
Esta mesma Europa do século XXI não se
confronta com regimes desta natureza, mas com uma forte ameaça aos princípios
fundamentais da protecção social que os Estados devem assegurar aqueles que se
normalmente se designam por mais necessitados.
Fala-se agora de uma ditadura do poder
económico sobre os direitos sociais, e uma vez mais se erguem os movimentos de pessoas que
se manifestam a favor da salvaguarda desses mesmos direitos.
É novamente o tempo dos IDEAIS.
It was
the age of wisdom; it was the age of foolishness!
Em Maio de 1968 surge na França um
movimento grevista, cujo significado e alcance ainda hoje é objecto de estudo
aprofundado, por configurar na sua génese uma forma de insurreição popular de
base estudantil, nomeadamente universitária, rapidamente estendida a milhões de
outras pessoas (cerca de 2/3 dos trabalhadores franceses), provenientes das
mais diversas classes.
Aos valores de uma esquerda radical e de
um conceito de anarquia juntaram-se as noções de rotura com os valores da
sociedade de então, ao nível da educação ou da liberdade sexual.
O carácter fugaz do fervor
revolucionário de então tem, nos
dias de hoje, algum paralelo com os movimentos espontâneos e de natureza
sectorial que surgem um pouco por todo o lado, normalmente fruto de uma
capacidade mobilizadora das denominadas redes sociais.
Contudo, esses mesmos movimentos tendem a
desagregar-se tão rapidamente como se formaram, fruto de uma evidente
incapacidade em dar continuidade e expressão prática dos respectivos
fundamentos, porventura pelo próprio “risco” de, por essa via, se tornarem indistintos
daqueles contra quem se manifestam.
Este é o momento da expressão da
CIDADANIA.
It was the epoch
of belief; it was the Epoch of incredulity!
Durante largos anos – demasiados anos –
os Portugueses e diversos dos seus parceiros europeus “conviveram” lado-a-lado
com situações de pobreza, fome e desemprego.
Eram os tempos de transformação de
sociedades essencialmente rurais e de auto-subsistência em sociedades
industriais, de matriz individualista, sem uma verdadeira consciência social.
O resultado foi o progressivo afastamento
entre as pessoas, o fim do conceito de vizinhança e da própria vivência
familiar, cuja consequência “visível” é a ausência de um acompanhamento
adequado na fase de infância que não é
possivel dissociar do abandono e solidão de cada vez mais
idosos.
Esta “lógica” do cada um por si ou, por
outras palavras, de um acentuado egoísmo colectivo determina quase sempre a
imediata separação entre “fortes” e “fracos”, tendo como consequência prática o
crescimento das desigualdades.
Os elevados índices actuais de desemprego
e as mais do que evidentes situações de extrema pobreza e de fome, retomam nos
dias de hoje a necessidade do fortalecimento dos laços de SOLIDARIEDADE
It was the season
of light; it was the season of darkness.
Os sentimentos de xenofobia e racismo (e
outras formas de descriminação) na Europa tiveram o seu “ponto alto” com a
associação de tais sentimentos a movimentos de natureza politica que
“conduziram” essa mesma Europa a uma guerra mundial e a uma estatística de
mortes sem paralelo na sua história.
A divisão política na Europa que se seguiu ao Holocausto, originou novas formas de perseguição a
Leste em paralelo com a progressiva
recuperação económica e democratização da Europa Ocidental.
Hoje em dia é fácil constatar a existência de novas formas de
intolerância numa Europa sem barreiras físicas, nomeadamente perante o fluxo de
emigração proveniente de países árabes ou pela progressiva proliferação da
cultura islâmica um pouco por todo o Continente Europeu.
Assiste-se hoje a uma estranha (mesmo
bizarra) confluência entre movimentos de extrema-direita e aqueles que estes
mesmos movimentos haviam perseguido no passado.
Teme-se pela formação da “Eurábia” e,
conscientes dos perigos emergentes do acentuar dos extremismos, volta a
falar-se de TOLERÂNCIA.
Por tudo isto sou “forçado” a concluir
que os ideais da Revolução francesa são hoje, como nessa época, totalmente
válidos, na medida em que ditaram um novo paradigma – que se estendeu a outros
continentes – assente em princípios do humanismo.
Infelizmente, o que parece igualmente
claro é que a fronteira que nos separa entre a defesa de tais princípios e
aquilo que então se designou de “Reino do Terror” é, e continuará a ser,
incompreensivelmente ténue. Assim vão as cousas.
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