Já deixei escrito em dissertação anterior que o nosso dia-a-dia está repleto de pormenores que, no final de contas, se revelam de “pormaiores” se me é permitida a liberdade parafrásica de assim os caracterizar.
Tal acontece porque tais momentos partindo de uma base singela são em si mesmo reveladores de uma realidade mais vasta para quem, como eu próprio, continua a achar que tal como ponta do dedo é o início do braço e não o fim do mesmo, também as nossas pequenas “rotinas” são por vezes o reflexo e o sintoma de um mal geral.
Vem tal a propósito de recentemente ter solicitado a marcação da revisão periódica da minha viatura cujo agendamento se verificou por motivos alheios à minha vontade para lá da quilometragem contratualmente definida impondo da minha parte o alijamento de responsabilidade de eventuais problemas de natureza mecânica derivados precisamente da falta de manutenção não imputável a qualquer omissão da minha parte.
Ultrapassado aspecto burocrático atrás referido, assim me desloquei à oficina convencionada para aí deixar a viatura e, simultaneamente “levantar” uma viatura de cortesia que fora disponibilizada para o período do arranjo, o qual, pela experiência passada deveria concluir-se no próprio dia.
O primeiro revés surgiu quando procurando saber do evoluir da dita revisão fui informado pela oficina que não haviam obtido a necessária anuência – leia-se resposta - por parte do locatário da viatura ao inicio da reparação, pelo que apenas no dia útil seguinte tal sucederia, o que não deixava de ser um constrangimento por este diálogo ter lugar precisamente numa 6ª feira.
Assim sendo dispus-me a entregar a viatura de cortesia e utilizar a minha viatura durante esse fim-de-semana, com o reagendamento para a 2ª feira seguinte, com o óbice de não dispor de confirmação da disponibilidade de poder utilizar novamente a viatura de cortesia por impossibilidade de confirmação do aluguer por parte do locatário.
Fiel aos meus compromissos, dirigi-me na 2ª feira seguinte à oficina à hora da respectiva abertura e tendo aí deixado o carro, regressei ao meu local de trabalho de táxi convicto que nesse mesmo dia a revisão estaria, por fim, concluída.
Puro engano, afinal uma das peças que tinha sido encomendada não era adequada para a viatura em causa pelo que mais uma vez haveria que aguardar pelo dia seguinte, com a agravante que, desta feita, a viatura não poderia circular por se encontrar desprovido da dita peça.
Não me restou outra alternativa que requisitar novamente a viatura de cortesia que fui “levantar” nesse mesmo dia.
A minha expectativa para o dia seguinte era carregada de optimismo, que depressa desvaneceu quando novamente da oficina me informam que a viatura não estaria pronta até ao final do dia, por um motivo que nem me recordo.
Acontece que o aluguer da viatura de cortesia era efectuado ao dia e não obstante o “conselho” que tive nessa ocasião de reter a mesma em minha posse até ao arranjo completo da viatura, entendi que tal não poderia deixar de ser visto como uma violação dos deveres emergentes do contrato de aluguer e por isso mesmo dirigi-me ao “rent-a-car” para alertar para a necessidade de dispor da viatura pelo menos por mais 24 horas, o que foi confirmado não sem antes ter de esperar mais de uma hora por essa mesma autorização.
Finalmente, no dia seguinte (4ª feira), a revisão foi dada por concluída e a viatura de cortesia entregue no local acordado.
Este caso, aparentemente banal é, de acordo como o meu entendimento, sintomático de alguns males de que enferma este nosso rectângulo à beira mar plantado.
O primeiro dos males identificados é a incapacidade de entender um compromisso como tal e respeitá-lo, tendo-nos habituado a aceitar como pressuposto adquirido que tal é aceite com mais ou menos reservas mas invariavelmente aceite sem consequências relevantes para o incumpridor.
O problema é que deste incumprimento resulta uma óbvia quebra de competitividade do próprio incumpridor que ao invés de efectuar um serviço destinado a ser prestado numa manhã acaba por faze-lo em quatro dias, descontando o fim-de-semana pelo meio.
Associado a este facto está o facto psicológico da falta de credibilidade aos olhos de um cliente que ali se encontrando de forma involuntária poderia de forma voluntária, numa outra circunstância, optar por este mesmo prestador em função da satisfação pessoal pelo serviço prestado.
Numa sociedade competitiva tão importante como a captação de novos Clientes é a manutenção dos actuais, facto que parece escapar a grande parte dos empresários.
Para além do primeiro dos males atrás referidos haverá que reconhecer o custo acrescido que resultou deste incumprimento não apenas pela necessidade dos sucessivos alugueres da viatura de cortesia mas igualmente o nada despiciente custo emergente da ausência de produtividade pessoal em função da necessidade involuntária de me fazer deslocar ao “local do crime” mais do que as duas vezes que seriam supostamente necessárias caso tudo tivesse corrido como esperado e sobretudo desejado.
A conclusão de tudo isto é, julgo, bastante simples.
Bem poderão algumas empresas entender que a respectiva reestruturação e aumento da competitividade e produtividade passam pela redução dos respectivos quadros de pessoal e eventualmente pela igual redução respectivos custos associados.
No entanto, se não houver a consciencialização geral de que só o trabalho de excelência é susceptível de gerar a fidelização dos Clientes e o aumento dessa mesma carteira, o que passa invariavelmente pela aposta da formação dos Colaboradores e melhoria das respectivas condições de trabalho mas igualmente e em simultâneo com o correspondente aumento do nível de exigência e responsabilização individual.
Parece, no entanto, não faltar que assim não o entenda, convictos que para sermos competitivos teremos de nos situar em modelos laborais mais próximos de países do 3º mundo (pelo menos neste domínio) do que dos nossos principais parceiros europeus.
E esta sim parece-me a “lógica” mais terceiro-mundista que poderíamos imaginar. Assim vão as cousas.