Durante largos anos “contestei” o princípio
filosófico de Nietzsche da “teoria do eterno retorno” por entender que o ser
humano dificilmente cometerá contra si próprio os mesmos erros do passado, na
perspectiva de que teria
necessariamente aprendido a respectiva “lição” com esses mesmos erros.
Confesso, agora, a minha ingenuidade depois de
analisar os resultados eleitorais em França e na Grécia.
Estes dois Estados para além de pertencerem
ambos ao velho Continente, fazerem parte da União Europeia, partilharem a mesma
moeda e, estarem ambos metidos “até ao pescoço” no profundo abismo no qual a
Europa parece estar a cair vertiginosamente, tiveram no momento das respectivas
eleições gerais – num caso para a Presidência e no outro para a escolha do
Governo – um outro factor que os “aproximou”.
Esse factor foi a deriva dos respectivos
eleitorados para os sectores da extrema-esquerda e da extrema-direita.
Este efeito, cujos fundamentos são facilmente
percetíveis e já anteriormente por mim referidos em dissertações passadas,
derivam da insatisfação quase generalizada com as políticas seguidas pelos
respectivos titulares do poder, sentimento agravado de forma exponencial com os
efeitos da crise, nomeadamente a sua repercussão ao nível do desemprego, carga
fiscal e redução dos direitos sociais.
Ora esta deriva poderia ser entendida como
“natural” – se é que o apoio a correntes extremistas pode alguma ver beneficiar
de tal epíteto – face aos antecedentes históricos de algumas latitudes
geográficas que noutros tempos e noutros contextos não haviam hesitado em
elevar ao poder regimes suportados por partidos políticos de extrema-direita ou
extrema-esquerda, rapidamente transformados em regimes ditatoriais com as
consequências – para os próprios e para grande parte do Mundo - que são por
demais conhecidas e que não justificam novos comentários.
A questão é esta “lógica” está longe de poder
ser alguma vez aplicável a países como a França ou a Grécia e, no entanto, em
ambos os casos verificou-se um acentuado crescimento dos votos mais à direita e
mais à esquerda.
A razão de ser desta “desconformidade”
prende-se com a própria história de ambos os Estados que deveria
permitir – pelos vistos em abstracto – pensar que em caso algum esta deriva
radical pudesse vir a verificar-se.
Vejamos o caso da França que sofreu uma ocupação
por parte da Alemanha nazi, após uma rendição no mínimo controversa, subjugando
o país ao despotismo de um regime de matriz anti-semita e abertamente contra
tudo aquilo que ficasse à margem do seu conceito de raça ou que se opusesse ao avanço
cavalar por toda a Europa, deixando para trás um rasto de milhões de mortos.
É esta mesma França que agora distribui 20% dos
seus votos a um partido de extrema-direita que traz para a linha da frente da
discussão politica a lógica anti-emigração e o discurso antieuropeísta, num
país que é o paradigma da assimilação – nem sempre no melhor sentido – de uma
sociedade multicultural e multirreligiosa com raízes quase integralmente
centradas na diáspora africana.
O “caso” grego sendo semelhante em termos da
tendência que se verifica para a radicalização é, ainda assim, distinto
relativamente às suas motivações.
Na situação grega o que se verificou foi uma
espécie de escape dos eleitores, as verdadeiras “vítimas” da austeridade que os
empurra a passos largos para um limbo entre a falência e marginalização
relativamente aos seus parceiros europeus, que funcionou como um verdadeiro
voto de protesto contra os partidos tradicionais de poder, sem uma verdadeira
consciência das eventuais consequências práticas de uma eventual vitória por
parte de um partido extremista poderia ter no futuro do seu país não sendo,
contudo, difícil de antecipar que rapidamente o tal limbo ficaria
definitivamente esclarecido.
O curioso disto tudo é que a Grécia é, e para a
posteridade sempre será, o chamado “berço” da Democracia, isto é e para que se
perceba o significado prático, foi o sistema politico ateniense que serviu de
modelo à construção do formato da maioria dos governos democráticos actuais,
tal como os conhecemos.
Por outro lado a Grécia esteve também ela
subjugada por um regime ditatorial até bem recentemente que, por coincidência,
haveria igualmente de cair num dia 25 de Abril.
O “caldo” está, pois, entornado e parece querer
estender-se a outras geografias, cada um com as suas motivações mas com um
denominador comum assente na crise económica e social europeia.
É este entendimento que é deveras preocupante e
que parece cada vez mais ir ao encontro da teoria filosófica que dá o mote à
presente dissertação, ou seja, o desaparecimento progressivo das pessoas que
funcionavam como testemunhos vivos de uma determinada época – quais guardiões
da memória colectiva – dá lugar de forma progressiva a novas gerações que
aderem com aparente facilidade ao discurso radical de alguns sectores da sua
própria Sociedade.
Se em tempos idos se pedia aos navegadores para
ignorar o “canto das sereias” que os haveriam de levar para o fundo do mar, agora
proclama-se a via da rotura com o sistema político em alternativa à mudança
pura e simples da mentalidade dominante desse mesmo sistema.
Ignoram, contudo, que eliminado o sistema vigente,
outro surgirá no seu lugar o qual por sua vez haverá de criar condições para
que aqueles que levaram a cabo a tal rotura não o possam voltar a fazer no
futuro através da supressão de direitos, liberdades e garantias fundamentais ou,
dito de outra forma, pela imposição de uma ditadura. Assim vão as cousas.
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