domingo, 17 de junho de 2012

Curva perigosa

Durante largos anos “contestei” o princípio filosófico de Nietzsche da “teoria do eterno retorno” por entender que o ser humano dificilmente cometerá contra si próprio os mesmos erros do passado, na perspectiva de que teria necessariamente aprendido a respectiva “lição” com esses mesmos erros.
Confesso, agora, a minha ingenuidade depois de analisar os resultados eleitorais em França e na Grécia.
Estes dois Estados para além de pertencerem ambos ao velho Continente, fazerem parte da União Europeia, partilharem a mesma moeda e, estarem ambos metidos “até ao pescoço” no profundo abismo no qual a Europa parece estar a cair vertiginosamente, tiveram no momento das respectivas eleições gerais – num caso para a Presidência e no outro para a escolha do Governo – um outro factor que os “aproximou”.
Esse factor foi a deriva dos respectivos eleitorados para os sectores da extrema-esquerda e da extrema-direita.
Este efeito, cujos fundamentos são facilmente percetíveis e já anteriormente por mim referidos em dissertações passadas, derivam da insatisfação quase generalizada com as políticas seguidas pelos respectivos titulares do poder, sentimento agravado de forma exponencial com os efeitos da crise, nomeadamente a sua repercussão ao nível do desemprego, carga fiscal e redução dos direitos sociais.
Ora esta deriva poderia ser entendida como “natural” – se é que o apoio a correntes extremistas pode alguma ver beneficiar de tal epíteto – face aos antecedentes históricos de algumas latitudes geográficas que noutros tempos e noutros contextos não haviam hesitado em elevar ao poder regimes suportados por partidos políticos de extrema-direita ou extrema-esquerda, rapidamente transformados em regimes ditatoriais com as consequências – para os próprios e para grande parte do Mundo - que são por demais conhecidas e que não justificam novos comentários.
A questão é esta “lógica” está longe de poder ser alguma vez aplicável a países como a França ou a Grécia e, no entanto, em ambos os casos verificou-se um acentuado crescimento dos votos mais à direita e mais à esquerda.
A razão de ser desta “desconformidade” prende-se com a própria história de ambos os Estados que deveria permitir – pelos vistos em abstracto – pensar que em caso algum esta deriva radical pudesse vir a verificar-se.
Vejamos o caso da França que sofreu uma ocupação por parte da Alemanha nazi, após uma rendição no mínimo controversa, subjugando o país ao despotismo de um regime de matriz anti-semita e abertamente contra tudo aquilo que ficasse à margem do seu conceito de raça ou que se opusesse ao avanço cavalar por toda a Europa, deixando para trás um rasto de milhões de mortos.
É esta mesma França que agora distribui 20% dos seus votos a um partido de extrema-direita que traz para a linha da frente da discussão politica a lógica anti-emigração e o discurso antieuropeísta, num país que é o paradigma da assimilação – nem sempre no melhor sentido – de uma sociedade multicultural e multirreligiosa com raízes quase integralmente centradas na diáspora africana.
O “caso” grego sendo semelhante em termos da tendência que se verifica para a radicalização é, ainda assim, distinto relativamente às suas motivações.
Na situação grega o que se verificou foi uma espécie de escape dos eleitores, as verdadeiras “vítimas” da austeridade que os empurra a passos largos para um limbo entre a falência e marginalização relativamente aos seus parceiros europeus, que funcionou como um verdadeiro voto de protesto contra os partidos tradicionais de poder, sem uma verdadeira consciência das eventuais consequências práticas de uma eventual vitória por parte de um partido extremista poderia ter no futuro do seu país não sendo, contudo, difícil de antecipar que rapidamente o tal limbo ficaria definitivamente esclarecido.
O curioso disto tudo é que a Grécia é, e para a posteridade sempre será, o chamado “berço” da Democracia, isto é e para que se perceba o significado prático, foi o sistema politico ateniense que serviu de modelo à construção do formato da maioria dos governos democráticos actuais, tal como os conhecemos.
Por outro lado a Grécia esteve também ela subjugada por um regime ditatorial até bem recentemente que, por coincidência, haveria igualmente de cair num dia 25 de Abril.
O “caldo” está, pois, entornado e parece querer estender-se a outras geografias, cada um com as suas motivações mas com um denominador comum assente na crise económica e social europeia.
É este entendimento que é deveras preocupante e que parece cada vez mais ir ao encontro da teoria filosófica que dá o mote à presente dissertação, ou seja, o desaparecimento progressivo das pessoas que funcionavam como testemunhos vivos de uma determinada época – quais guardiões da memória colectiva – dá lugar de forma progressiva a novas gerações que aderem com aparente facilidade ao discurso radical de alguns sectores da sua própria Sociedade.
Se em tempos idos se pedia aos navegadores para ignorar o “canto das sereias” que os haveriam de levar para o fundo do mar, agora proclama-se a via da rotura com o sistema político em alternativa à mudança pura e simples da mentalidade dominante desse mesmo sistema.
Ignoram, contudo, que eliminado o sistema vigente, outro surgirá no seu lugar o qual por sua vez haverá de criar condições para que aqueles que levaram a cabo a tal rotura não o possam voltar a fazer no futuro através da supressão de direitos, liberdades e garantias fundamentais ou, dito de outra forma, pela imposição de uma ditadura. Assim vão as cousas.

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