domingo, 24 de junho de 2012

A genealogia de um povo - Parte I

Devo confessar que poucos são os temas sobre os quais a minha vontade pessoal em me debruçar sobre eles é mínima ou mesmo nula.

E um desses temas é o futebol.

Tal entendimento não deriva de uma menor gosto por esta modalidade mas, tão-somente, por entender que sobre o mesmo são já tantos que falam e escrevem que, creio, pouco ou nada restará para dissertar adequadamente sobre esta matéria.

Contudo, nos dias que correm, é quase incontornável abordar esta temática, fruto, claro está, do evento do Campeonato Europeu.

Com a auto-restrição que me impus relativamente à abordagem aos assuntos do futebol, a minha visão só poderá centrar-se na forma como os portugueses lidam com a perspectiva de sucesso ou insucesso que naturalmente decorre de qualquer competição.

A primeira constatação é a que resulta de uma espécie de exacerbamento patriótico de parte significativa da população traduzido no arvorar da bandeira nacional e no recorrente trautear do hino, simbolicamente de mão no peito.

Nada me move contra este movimento com tão forte carga simbólica embora, e esta é a perspectiva que me interessa abordar, entenda que tamanha manifestação de “carinho” pelos símbolos da nação não pode nem deve cingir-se a eventos que ocorrem de dois em dois anos, no curto espaço de um mês (ou menos, consoante a prestação da equipa nacional) e, ser quase exclusiva de quem seja aficionado do chamado “desporto-rei”.

Bem pelo contrário, este espírito deveria ser transversal a todos os portugueses e em qualquer circunstância, isto é, não ser temporalmente circunscrita e não se resumir ao desempenho da Selecção Nacional nesse mesmo período.

Deveria, antes de mais, ser um sentimento que nos deveria acompanhar em todos momentos, numa perspectiva de superação pessoal e colectiva, tanto mais relevante em períodos de crise como os que atravessamos.

Dessa forma, a valorização da nossa cultura milenar, a preservação dos espaços públicos, do respeito pelos símbolos e instituições, exercício de uma cidadania activa e de cívismo, entre muito outros aspectos simbólicos, ganharia uma nova força, porventura menos mediática mas certamente não menos importante.

Infelizmente “percebe-se” que assim não seja.

O futebol é, há largos anos, uma espécie de escape de um sentimento colectivo, nele se congregando simultaneamente todas as ambições mas igualmente o seu oposto, ou seja, também as frustrações.
Tal é particularmente “visível” na forma extrema como lidamos nesses momentos concretos com as vitórias ou com as derrotas, a partir dos quais “flutuamos” quase sempre entre a euforia extrema e a desilusão profunda.

De igual modo é mais do que evidente que o “desviar” da atenção mediática para este tipo de eventos tem um efeito de descompressão relativamente àqueles sobre os quais incidem normalmente os “holofotes”, isto é, o Governo e respectivos membros, independentemente da cor política de ocasião.

Esta circunstância traz-me à minha memória a letra da canção “Meu Caro Amigo” de Chico Buarque que dizia assim:

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol

Enquanto boa parte dos cidadãos estiver “entretido” com este tipo de eventos desportivos ou mega concertos, a acção governativa estará certamente menos exposta à opinião pública e, diria mesmo, da própria atenção das oposições.

Por isso mesmo o refrão da referida canção acabava invariavelmente por dizer que:

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A síntese de tudo isto é que o sentimento de uma verdadeira nacionalidade não se deve por um lado resumir à adesão em massa a eventos de natureza fugaz nem levar-nos a pensar que nesse mesmo período os problemas que a todos nos afectam deixaram de existir ou sequer se encontram suspensos temporalmente. 

Ontem, ao cruzar uma rua deparei-me com um conjunto de crianças que não teria mais de 3 anos e que gritavam em coro por Portugal e esta imagem e som recordou-me - com alguma emoção, diga-se – que o sentimento expresso por essas crianças era puro, por ser simultaneamente incondicional mas igualmente inocente e absolutamente sincero.

Não consigo imaginar melhor lição para todos nós. Assim vão as cousas.

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