Devo confessar que poucos são os temas sobre os quais a minha vontade
pessoal em me debruçar sobre eles é mínima ou mesmo nula.
E um desses temas é o futebol.
Tal entendimento não deriva de uma menor gosto por esta modalidade mas, tão-somente, por entender que sobre o mesmo são já tantos que falam e escrevem que, creio, pouco ou nada restará para dissertar adequadamente sobre
esta matéria.
Contudo, nos dias que correm, é quase incontornável abordar esta temática,
fruto, claro está, do evento do Campeonato Europeu.
Com a auto-restrição que me impus relativamente à abordagem aos assuntos do
futebol, a minha visão só poderá centrar-se na forma como os portugueses lidam
com a perspectiva de sucesso ou insucesso que naturalmente decorre de qualquer
competição.
A primeira constatação é a que resulta de uma espécie de exacerbamento
patriótico de parte significativa da população traduzido no arvorar da bandeira
nacional e no recorrente trautear do hino, simbolicamente de mão no peito.
Nada me move contra este movimento com tão forte carga simbólica embora, e
esta é a perspectiva que me interessa abordar, entenda que tamanha manifestação
de “carinho” pelos símbolos da nação não pode nem deve cingir-se a eventos que
ocorrem de dois em dois anos, no curto espaço de um mês (ou menos, consoante a
prestação da equipa nacional) e, ser quase exclusiva de quem seja aficionado do
chamado “desporto-rei”.
Bem pelo contrário, este espírito deveria ser transversal a todos os
portugueses e em qualquer circunstância, isto é, não ser temporalmente circunscrita
e não se resumir ao desempenho da Selecção Nacional nesse mesmo período.
Deveria, antes de mais, ser um sentimento que nos deveria acompanhar em
todos momentos, numa perspectiva de superação pessoal e colectiva, tanto mais
relevante em períodos de crise como os que atravessamos.
Dessa forma, a valorização da nossa cultura milenar, a preservação dos espaços
públicos, do respeito pelos símbolos e instituições, exercício de uma cidadania activa e de cívismo, entre muito outros
aspectos simbólicos, ganharia uma nova força, porventura menos mediática mas
certamente não menos importante.
Infelizmente “percebe-se” que assim não seja.
O futebol é, há largos anos, uma espécie de escape de um sentimento colectivo,
nele se congregando simultaneamente todas as ambições mas igualmente o seu
oposto, ou seja, também as frustrações.
Tal é particularmente “visível” na forma extrema como lidamos nesses
momentos concretos com as vitórias ou com as derrotas, a partir dos quais “flutuamos”
quase sempre entre a euforia extrema e a desilusão profunda.
De igual modo é mais do que evidente que o “desviar” da atenção mediática
para este tipo de eventos tem um efeito de descompressão relativamente àqueles
sobre os quais incidem normalmente os “holofotes”, isto é, o Governo e
respectivos membros, independentemente da cor política de ocasião.
Esta circunstância traz-me à minha memória a letra da canção “Meu Caro
Amigo” de Chico Buarque que dizia assim:
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Enquanto boa parte dos cidadãos estiver “entretido” com este tipo de
eventos desportivos ou mega concertos, a acção governativa estará certamente
menos exposta à opinião pública e, diria mesmo, da própria atenção das
oposições.
Por isso mesmo o refrão da referida canção acabava invariavelmente por
dizer que:
Mas o que eu quero é lhe dizer que
a coisa aqui tá preta
A síntese de tudo isto é que o sentimento de uma verdadeira nacionalidade
não se deve por um lado resumir à adesão em massa a eventos de natureza fugaz
nem levar-nos a pensar que nesse mesmo período os problemas que a todos nos
afectam deixaram de existir ou sequer se encontram suspensos temporalmente.
Ontem, ao cruzar uma rua deparei-me com um conjunto de crianças que não
teria mais de 3 anos e que gritavam em coro por Portugal e esta imagem e som
recordou-me - com alguma emoção, diga-se – que o sentimento expresso por essas
crianças era puro, por ser simultaneamente incondicional mas igualmente
inocente e absolutamente sincero.
Não consigo imaginar melhor lição para todos nós. Assim vão as cousas.
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