Entre as medidas que de forma quase avulsa têm vindo a ser anunciadas pelo actual Governo relativamente à sua política de redução da despesa do Estado foi anunciado recentemente pelo Dr. Miguel Relvas a intenção de reformar a organização administrativa do Estado.
Essa reforma passaria pela redução do número de freguesias e a junção "voluntária" de Concelhos.
Devo dizer que concordo - e nem sequer é de agora - em absoluto com esta iniciativa.
Contudo a sua exequibilidade irá depender em grande parte da forma como a mesma venha a ser implementada e a avaliar pela forma como foi anunciada parece desde logo "condenada" a um fracasso precoce.
Esta temática não tem nada de novo na medida em que já anteriormente outros governos o haviam anunciado sem que tenham sido implementadas quaisquer iniciativas de natureza prática que de forma incisiva contribuíssem para uma alteração do actual modelo de organização do Estado.
Não só tal não aconteceu como em bom rigor se assistiu ao movimento contrário, isto é, o da criação da novas freguesias e concelhos, de forma a corresponder a supostas aspirações das populações que "reclamavam" a mudança de estatuto para as regiões em que se inserem.
Ora o problema é precisamente este, a forma como o poder político não tem sabido corresponder à necessidade que o próprio se havia imposto de redução do número de freguesias e concelhos.
Essa falta de correspondência deve-se em primeiro lugar à convicção que ao fazê-lo estará a "jogar" contra si próprio na medida em que terá muito provavelmente de enfrentar nas eleições seguintes com a rejeição da população "despromovida" ou com um eventual boicote às eleições, essa forma tão aparentemente inútil de expressar um sentimento de indignação.
A verdade é que o país encontra-se hoje divido num sem número de freguesias e concelhos que parecem próprios de um Estado com uma dimensão infinitamente superior ao nosso.
Se a gestão autárquica é um factor de extrema importância na gestão corrente dos assuntos de cada população não é menos verdade que ao longo dos anos e após o 25 de Abril criaram-se inúmeras situações de verdadeiro feudo de alguns autarcas que passaram a ser "Reis e Senhores" das "suas" regiões, à custa de um sistema que até à bem pouco tempo não previa qualquer limitação dos seus mandatos.
Surgiram então um pouco por todo o lado aquilo a que se convencionou chamar de "dinossauros" autárquicos.
O problema de qualquer poder exercido durante muito tempo é a facilidade com que se corrompe e a facilidade com que o interesse público começa a confundir-se com o interesse privado, surgindo verdadeiros exemplos de caciquismo na gestão da coisa pública o que na prática leva normalmente à perpetuação no poder.
O maior exemplo desta convicção é a forma como é efectuada a gestão dos respectivos orçamentos e nesse aspecto muitas autarquias são o espelho daquilo que é o actual problema do país, isto é, a incapacidade em saber gerir um orçamento, criando mais despesa do que a sua própria receita.
Por outras palavras, passou a viver-se em déficit permanente sem que ninguém parecesse preocupar-se com tal.
Compreende-se, pois, o "problema" que resultou para as finanças locais e regionais quando alguém pretendeu mudar as regras, impedindo o sobre-endividamento quer das autarquias quer das regiões autónomas.
O "drama" emergente desta alteração das regras foi a necessidade destes poderes locais passarem a saber gerir de forma eficaz e controlada na vertente da despesa, facto para o qual manifestamente muitos pareciam não estar preparados.
O passo seguinte para uma gestão eficiente passa pela extinção de muitas freguesias e concelhos, alguns deles de dimensão geográfica e demográfica incompatíveis com esse estatuto.
O sucesso desta nova abordagem dependerá grandemente da convicção com que venha a ser implementada, sem "olhar" às mais do que prováveis reacções negativas das populações normalmente encabeçados pelos seus próprios lideres autárquicos, ou seja, precisamente aqueles que terão mais a perder com a reforma administrativa.
Espera-se também que esta reforma não seja apenas uma operação cirúrgica em função da cor das freguesias e concelhos a extinguir, de forma a garantir uma vitória nas próximas eleições autárquicas em virtude da alteração do mapa eleitoral.
A forma como ao longo dos tempos se foi alargando a divisão administrativa do território é a pálida imagem de uma certa vaidade bacoca de um país incapaz de pensar no interesse comum e de um poder político que sempre terá entendido que é dividindo que melhor se reina. Assim vão as cousas.