domingo, 25 de setembro de 2011

A galinha da vizinha

Entre as medidas que de forma quase avulsa têm vindo a ser anunciadas pelo actual Governo relativamente à sua política de redução da despesa do Estado foi anunciado recentemente pelo Dr. Miguel Relvas a intenção de reformar a organização administrativa do Estado.

Essa reforma passaria pela redução do número de freguesias e a junção "voluntária" de Concelhos.

Devo dizer que concordo - e nem sequer é de agora - em absoluto com esta iniciativa.

Contudo a sua exequibilidade irá depender em grande parte da forma como a mesma venha a ser implementada e a avaliar pela forma como foi anunciada parece desde logo "condenada" a um fracasso precoce.

Esta temática não tem nada de novo na medida em que já anteriormente outros governos o haviam anunciado sem que tenham sido implementadas quaisquer iniciativas de natureza prática que de forma incisiva contribuíssem para uma alteração do actual modelo de organização do Estado.

Não só tal não aconteceu como em bom rigor se assistiu ao movimento contrário, isto é, o da criação da novas freguesias e concelhos, de forma a corresponder a supostas aspirações das populações que "reclamavam" a mudança de estatuto para as regiões em que se inserem.

Ora o problema é precisamente este, a forma como o poder político não tem sabido corresponder à necessidade que o próprio se havia imposto de redução do número de freguesias e concelhos.

Essa falta de correspondência deve-se em primeiro lugar à convicção que ao fazê-lo estará a "jogar" contra si próprio na medida em que terá muito provavelmente de enfrentar nas eleições seguintes com a rejeição da população "despromovida" ou com um eventual boicote às eleições, essa forma tão aparentemente inútil de expressar um sentimento de indignação.

A verdade é que o país encontra-se hoje divido num sem número de freguesias e concelhos que parecem próprios de um Estado com uma dimensão infinitamente superior ao nosso.

Se a gestão autárquica é um factor de extrema importância na gestão corrente dos assuntos de cada população não é menos verdade que ao longo dos anos e após o 25 de Abril criaram-se inúmeras situações de verdadeiro feudo de alguns autarcas que passaram a ser "Reis e Senhores" das "suas" regiões, à custa de um sistema que até à bem pouco tempo não previa qualquer limitação dos seus mandatos.

Surgiram então um pouco por todo o lado aquilo a que se convencionou chamar de "dinossauros" autárquicos.

O problema de qualquer poder exercido durante muito tempo é a facilidade com que se corrompe e a facilidade com que o interesse público começa a confundir-se com o interesse privado, surgindo verdadeiros exemplos de caciquismo na gestão da coisa pública o que na prática leva normalmente à perpetuação no poder.

O maior exemplo desta convicção é a forma como é efectuada a gestão dos respectivos orçamentos e nesse aspecto muitas autarquias são o espelho daquilo que é o actual problema do país, isto é, a incapacidade em saber gerir um orçamento, criando mais despesa do que a sua própria receita.

Por outras palavras, passou a viver-se em déficit permanente sem que ninguém parecesse preocupar-se com tal.

Compreende-se, pois, o "problema" que resultou para as finanças locais e regionais quando alguém pretendeu mudar as regras, impedindo o sobre-endividamento quer das autarquias quer das regiões autónomas.

O "drama" emergente desta alteração das regras foi a necessidade destes poderes locais passarem a saber gerir de forma eficaz e controlada na vertente da despesa, facto para o qual manifestamente muitos pareciam não estar preparados.

O passo seguinte para uma gestão eficiente passa pela extinção de muitas freguesias e concelhos, alguns deles de dimensão geográfica e demográfica incompatíveis com esse estatuto.

O sucesso desta nova abordagem dependerá grandemente da convicção com que venha a ser implementada, sem "olhar" às mais do que prováveis reacções negativas das populações normalmente encabeçados pelos seus próprios lideres autárquicos, ou seja, precisamente aqueles que terão mais a perder com a reforma administrativa.

Espera-se também que esta reforma não seja apenas uma operação cirúrgica em função da cor das freguesias e concelhos a extinguir, de forma a garantir uma vitória nas próximas eleições autárquicas em virtude da alteração do mapa eleitoral.

A forma como ao longo dos tempos se foi alargando a divisão administrativa do território é a pálida imagem de uma certa vaidade bacoca de um país incapaz de pensar no interesse comum e de um poder político que sempre terá entendido que é dividindo que melhor se reina. Assim vão as cousas.

domingo, 18 de setembro de 2011

Regresso (só) para alguns

O fim do denominado “período estival” coincide normalmente com o regresso ao trabalho de parte significativa da população activa.

Infelizmente tal deixou de ser verdade para uma parte cada vez mais significativa dessa mesma população.

Subjacente a este facto encontra-se, claro está, o desemprego que parece não abrandar no seu percurso ascendente.

Numa dissertação anterior procurei dar nota do meu entendimento sobre os motivos subjacentes para este drama social.

Nessa ocasião tive oportunidade de referir que boa parte do actual desemprego se verifica em função do “abandono” de certas actividades por parte dos portugueses, com a restauração, a construção civil e a agricultura à cabeça.

Essas mesmas profissões foram entretanto “ocupadas” por mão-de-obra proveniente de outras paragens, cujo principal objectivo é fundamentalmente o de dispor de uma ocupação que lhes permita criar meios de subsistência de para si próprios e para as respectivas famílias.

Outro motivo não menos importante corresponde a uma difusão de um certo comodismo resultante da “bondade” do Estado que entre o subsídio de desemprego e outras formas de rendimento gerou uma espécie de convicção de que seria possível ganhar sem trabalhar aquilo que se ganhava trabalhando.

Não concordo, contudo, com a tentativa de generalização que se tentou passar para a opinião pública de que esta forma de parasitismo era um elemento comum a (quase) todas as pessoas em situação de desemprego ou a beneficiar de outras formas de rendimento social.

Por outro lado é para mim mais do que evidente o aproveitamento do contexto de crise por parte de alguns sectores que mais do que procurar a reestruturação das respectivas empresas, modernizando-as e adaptando-as às novas circunstâncias locais mas fundamentalmente globais, optaram simplesmente pela medida que se encontrava “ mais à mão”.

Ou seja, optaram pela via dos despedimentos como se fora a opção única de ultrapassar os problemas de natureza conjuntural quando, em boa parte dos casos, a origem dos mesmos tinha a sua razão de ser na própria estrutura e organização das empresas.

A todos estes factores junta-se um que é, sem sombra de dúvida, o factor determinante para o estado em que nos encontramos.

Refiro-me, naturalmente, à inacção do sector público e do sector privado.

Alarmados por uma crise cuja dimensão global ainda não é conhecida e sem perspectivas minimamente optimistas de termo, o Estado e os privados optaram por e simplesmente por “travar a fundo”, criando uma verdadeira e prolongada situação de recessão económica.

Ora a recessão económica deve-se, entre muitos outros factores, à regressão do consumo o qual, por seu turno, se verifica fundamentalmente pela redução da actividade produtiva do país.

Essa redução prende-se basicamente com a ausência de investimento, nomeadamente o investimento nos denominados “bens transaccionáveis”, que são em bom rigor aqueles que definem uma cadeia de mais-valias entre todos aqueles que participam no respectivo processo produtivo.

A questão é que, tendo por base a necessidade de redução do défice do Estado e a dificuldade de financiamento das empresas mas também da República, deixou de se distinguir entre o “bom investimento” e o “mau investimento”.

Sem investimento não só não é possível criar emprego como dificilmente se conseguem manter níveis razoáveis de empregabilidade, e é exactamente isto que se passa actualmente.

Por outras palavras, o país parou.

A capacidade de diferenciação de uma empresa prende-se em bom rigor com três vectores distintos: capacidade de inovar, disponibilidade financeira e noção de risco.

Aquilo que parece claro nos dias de hoje é que (quase) ninguém parece querer alinhar nestes vectores, desde logo o próprio Estado que parece cada vez mais colocar-se à margem de todo o processo económico (e, infelizmente, também do social) contribuindo decisivamente para “imagem” de inacção que actualmente se vive.

A verdade é que aquilo que se conclui é que, exceptuando um conjunto de empresas que em devido tempo se internacionalizou e faz das exportações a sua base de crescimento, existe um núcleo demasiado vasto de agentes económicos que se “colou” ao Estado e que perderam a sua orientação quando este deixou de lhes valer.

Uma coisa podemos ter por certa, é que não haverá crescimento económico se não houver emprego, do mesmo modo que não haverá mais emprego se não houver crescimento da economia. Este é o “nó górdio” que tem de ser desatado.

No meio de tudo isto e enquanto o Estado e as empresas não mudarem de atitude, haverá certamente “lições” importantes a retirar por parte das próprias pessoas, sendo a primeira delas a necessidade de valorizar a importância de se ter aquilo se chama um trabalho e dispor de um vencimento no final de cada mês, deixando de lado o sentimento por vezes desenfreado de reclamar por algo mais do que é possível razoavelmente dispor.

Nessa ocasião lembremo-nos de quem querendo deixou de trabalhar ou o faz a troco de um salário que alguém um dia definiu como mínimo. Assim vão as cousas.

domingo, 11 de setembro de 2011

O teorema e a proposição

Nos próximos tempos será certamente muito interessante acompanhar os desenvolvimentos do denominado “Caso Strauss-Khan”, nomeadamente para que lado penderá a justiça quando o martelo do julgador se fizer sentir em definitivo.

O especial interesse deste processo não está, contudo e a meu ver, relacionado com o teor mediático do acto em si, mas na forma como serão esgrimidos os argumentos entre duas partes que se situam em pólos opostos no que toca à sua visibilidade e poder económico.

A justiça americana representa demasiadas vezes o paradigma de uma justiça que não cumpre fielmente os seus próprios princípios fundadores.

Tal resulta da mais do evidente clivagem entre aqueles que a eles têm acesso e aqueles que, pelo contrário, ficam à margem da mesma.

Nos Estados-Unidos (embora não exclusivamente) essa clivagem afere-se em função da maior ou menor capacidade de dispor de um competente patrocínio judiciário.

Ora no caso vertente verificam-se sinais evidentes de que tal poderá vir a suceder tais são as campanhas de descredibilização pública da presuntiva vítima e que levaram já o juiz do processo a decretar a libertação do até então ilustre presidiário.

Ao mesmo tempo que essa campanha recolhia os seus frutos a opinião pública era informada da aparente confirmação de uma situação real de violação ocorrida no quarto de um luxuoso hotel de Nova Iorque.

Perante estes factos qualquer cidadão questionar-se-á imediatamente sobre qual será efectivamente a verdade dos factos e onde residirá a justiça daquela que venha a ser a decisão final do juiz.

Não podendo, a título pessoal e em consciência, efectuar qualquer julgamento sobre a culpabilidade ou inocência de qualquer das partes é, ainda assim, meu entendimento que esta dificuldade estará igualmente presente nas mentes do júri que vier a ser escolhido.

Contudo, os meus “receios” são bastante reais quando a linha de argumentação seguida pelos advogados do Sr. Strauss-Khan que deslocalizaram a essência da procura da verdade material dos factos para as questões de carácter.

Há não muitos anos atrás a opinião pública pode acompanhar de forma intensa o julgamento do “Caso O.J. Simpson” que redundou ao fim de muitos meses numa absolvição do próprio criando o embaraço de um crime sem castigo por impossibilidade de determinação do criminoso.

O factor de semelhança entre este caso e aqueles que parecem começar a desenhar-se no caso do Sr. Strauss-Kahn parece cada vez mais evidentes ainda que a natureza do crime de que são (ou eram) acusados seja substancialmente diferente.

Aquilo que é efectivamente comum é a capacidade financeira de ambos em se representarem por firmas de advogados que, em ambos os casos, iniciam uma espécie de luta “David contra Golias” de características nada bíblicas e em que a probabilidade da parte mais fraca do processo vir efectivamente a perder face à evidente desproporção de meios de defesa à disposição de cada um deles.

E quando assim é constata-se que o objectivo fundamental de qualquer julgamento começa a ser colocado em causa, e esse objectivo não pode deixar de ser o de apurar a verdade dos factos sendo certo que a impossibilidade de apuramento da verdade implica quase sempre a inversão da noção de justiça.

No meio disto tudo o povo americano certamente conformar-se-á invariavelmente (tal como sucedeu no “Caso O.J. Simpson”) com aquela que venha a ser a decisão final de um tribunal de júri, cujos elementos supostamente os representam e que apesar de escolhidos “a dedo” não deixarão eles próprios de estar por esta altura influenciados pela informação (e contra-informação) pública sobre este caso.

Se a qualidade de qualquer democracia também se avalia pela qualidade da sua justiça é então cada vez mais verdade afirmar-se que nem a justiça será totalmente cega nem os pratos da balança que a sua mão segura estarão justamente nivelados. Assim vão as cousas.

domingo, 4 de setembro de 2011

Case Study

Não deixa de ser curioso que de forma coincidente temporalmente tenham vindo a público os confrangedores resultados dos exames nacionais do 9º e 12º ano ao mesmo tempo que se reacendeu o tema da avaliação dos professores.

É também interessante perceber que pela forma como os assuntos surgem desgarrados entre si sejamos levados a pensar que se tratam de matérias que não se cruzam em momento algum.

A questão da avaliação dos professores é, atrevo-me a dize-lo, uma controvérsia em que basicamente o interesse corporativo de uma classe profissional entende não dever ser objecto de qualquer forma de avaliação ou condescendendo que tal seja inevitável deverá garantir que na prática não resulte qualquer consequência desfavorável para o avaliado.

Em resultado de uma crescente contestação social o anterior Governo acabou por ceder às principais exigências dos sindicatos representativos da classe simplificando aquele que parecia ser um modelo inadequado aos fins a que se destinava.

Pressupõem-se que nessa ocasião os sindicatos tenham concordado com o novo modelo de avaliação na medida em que deram a sua anuência ao mesmo.

O problema é que a paz social não rima com luta sindical e por isso mesmo logo que o governo caíu e não sem que antes o actual partido do Governo tenha tentado suspender o modelo em vigor - ainda que à revelia da Constituição - voltassem a surgir após as eleições novas exigências da referida suspenção.

Acontece que o ano escolar tem uma época bem definida e por isso mesmo a "lógica" temporal dos sindicatos faria todo o sentido na medida em que a suspensão pura e simples da avaliação sem a sua substituição por um outro que carecerá necessáriamente de negociação prévia possibilitaria na prática um ano lectivo sem regras de avaliação.

Felizmente que nessa ocasião o populismo pré-eleitoral do Governo não teve seguimento após as eleições, o que não deixando de se estranhar por manifesta incoerencia, é ainda a medida mais razoável.

Mas porque afinal têm os professores tanta aversão aos processos de avaliação sejam eles quais forem?

Não deveria ser tranquilizante para um professor consciente da sua competência poder ver confirmada em seu próprio beneficio e pelos seus próprios pares essa mesma capacidade para ensinar?

Aparentemente não. Contudo, o problema é manifestamente outro e reside na partidarização das suas reinvidicações por parte de uma estrutura sindical deliberadamente ligada aos partidos com assento mais à esquerda no Parlamento que "viu" na insatisfação dos professores um veículo adequado à transmissão das suas mensagens habituais contra o Governo, seja ele qual for.

No meio disto tudo está uma "classe" aparentemente menor que são os alunos.

Sobre os mesmos recai sempre que são divulgados os resultados dos exames nacionais ou das provas de aferição o ónus do facilitimo das provas quando os resultados são melhores do que o esperado ou, pelo contrário, uma menor capacidade de entendimento das questões colocadas e por arrastamento a incapacidade de a elas responder.

Outros argumentos são também normalmente introduzidos nestas ocasiões, sejam o número excessivo de alunos por sala de aula, o alargamento das actividades extra-curriculares em prejuizo das cadeiras primordiais de ensino, o contexto social das escolas, etc. etc..

Tudo isto será necessáriamente o contributo geral para uma realidade concreta mas, ninguém se poderá igualmente questionar se na base de tão fraco desempenho estará igualmente uma menor capacidade de ensinar?

Olhando, conforme referi inicialmente, a forma como tudo é passado para a opinião pública parece de facto que não existe nenhuma relação directa.

Parece-me, contudo, que é por demais evidente que não é possível separar do problema, por mera conveniência politica ou corporativa, uma parte essencial do mesmo, isto é, o contributo dos professores.

Se durante muitos anos ser professor era uma questão de vocação ao longo dos anos transformou-se numa questão de oportunidade de emprego para recém formados que não dispunham de outras saídas nas suas áreas de especialização.

E é tambérm nesta "viragem" que o ensino, nomeadamente o ensino público, começa a deteriorar-se com todas as consequências que daí emergem e que estão à vista de todos.

Não creio, infelizmente, que os tempos mais próximos venham a alterar de forma significativa esta realidade em prejuizo dos próprios professores mas fundamentalmente em prejuizo dos alunos.

Qualquer profissional tem perfeita noção que é sujeito a uma avaliação diária das suas funções e desempenho e essa avaliação é feita na maior parte das vezes tendo por base critérios subjectivos, ou seja, não definidos formalmente pelas empresas.

A falta de razoabilidade de quem não quer ser avaliado ou que pretenda uma avaliação que valide a incompetência é em si mesmo uma explicação para o estado em que nos encontramos. Se assim não for então como justificar que precisamente quem tem por função avaliar não possa também ele próprio ser avaliado? Assim vão as cousas.