Nos próximos tempos será certamente muito interessante acompanhar os desenvolvimentos do denominado “Caso Strauss-Khan”, nomeadamente para que lado penderá a justiça quando o martelo do julgador se fizer sentir em definitivo.
O especial interesse deste processo não está, contudo e a meu ver, relacionado com o teor mediático do acto em si, mas na forma como serão esgrimidos os argumentos entre duas partes que se situam em pólos opostos no que toca à sua visibilidade e poder económico.
A justiça americana representa demasiadas vezes o paradigma de uma justiça que não cumpre fielmente os seus próprios princípios fundadores.
Tal resulta da mais do evidente clivagem entre aqueles que a eles têm acesso e aqueles que, pelo contrário, ficam à margem da mesma.
Nos Estados-Unidos (embora não exclusivamente) essa clivagem afere-se em função da maior ou menor capacidade de dispor de um competente patrocínio judiciário.
Ora no caso vertente verificam-se sinais evidentes de que tal poderá vir a suceder tais são as campanhas de descredibilização pública da presuntiva vítima e que levaram já o juiz do processo a decretar a libertação do até então ilustre presidiário.
Ao mesmo tempo que essa campanha recolhia os seus frutos a opinião pública era informada da aparente confirmação de uma situação real de violação ocorrida no quarto de um luxuoso hotel de Nova Iorque.
Perante estes factos qualquer cidadão questionar-se-á imediatamente sobre qual será efectivamente a verdade dos factos e onde residirá a justiça daquela que venha a ser a decisão final do juiz.
Não podendo, a título pessoal e em consciência, efectuar qualquer julgamento sobre a culpabilidade ou inocência de qualquer das partes é, ainda assim, meu entendimento que esta dificuldade estará igualmente presente nas mentes do júri que vier a ser escolhido.
Contudo, os meus “receios” são bastante reais quando a linha de argumentação seguida pelos advogados do Sr. Strauss-Khan que deslocalizaram a essência da procura da verdade material dos factos para as questões de carácter.
Há não muitos anos atrás a opinião pública pode acompanhar de forma intensa o julgamento do “Caso O.J. Simpson” que redundou ao fim de muitos meses numa absolvição do próprio criando o embaraço de um crime sem castigo por impossibilidade de determinação do criminoso.
O factor de semelhança entre este caso e aqueles que parecem começar a desenhar-se no caso do Sr. Strauss-Kahn parece cada vez mais evidentes ainda que a natureza do crime de que são (ou eram) acusados seja substancialmente diferente.
Aquilo que é efectivamente comum é a capacidade financeira de ambos em se representarem por firmas de advogados que, em ambos os casos, iniciam uma espécie de luta “David contra Golias” de características nada bíblicas e em que a probabilidade da parte mais fraca do processo vir efectivamente a perder face à evidente desproporção de meios de defesa à disposição de cada um deles.
E quando assim é constata-se que o objectivo fundamental de qualquer julgamento começa a ser colocado em causa, e esse objectivo não pode deixar de ser o de apurar a verdade dos factos sendo certo que a impossibilidade de apuramento da verdade implica quase sempre a inversão da noção de justiça.
No meio disto tudo o povo americano certamente conformar-se-á invariavelmente (tal como sucedeu no “Caso O.J. Simpson”) com aquela que venha a ser a decisão final de um tribunal de júri, cujos elementos supostamente os representam e que apesar de escolhidos “a dedo” não deixarão eles próprios de estar por esta altura influenciados pela informação (e contra-informação) pública sobre este caso.
Se a qualidade de qualquer democracia também se avalia pela qualidade da sua justiça é então cada vez mais verdade afirmar-se que nem a justiça será totalmente cega nem os pratos da balança que a sua mão segura estarão justamente nivelados. Assim vão as cousas.
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