domingo, 30 de setembro de 2012

O génio da lâmpada


Quando em 2008 “rebentou” a actual crise financeira internacional diversas foram as instituições financeiras, sobretudo norte-americanas, que surgiram na “frente do pelotão” como sendo as principais responsáveis por essa mesma crise.

Entre as referidas instituições figurava o nome da Goldman Sachs Internacional (GSI) que, entre outros “pecados“, é acusada de aconselhar os seus clientes a apostar no colapso financeiro da Europa, através de um mecanismo – aparentemente infalível – levar os investidores a crerem que um determinado país se encontra em situação de insolvência, levando-o à necessidade de contrair sucessivos empréstimos a taxas próximas do conceito de agiotagem, cuja consequência para os nacionais desses mesmos Estados tem sido, nada mais, nada menos, do que a famosa “receita” da austeridade, com as consequências que são hoje conhecidas e reconhecidas.

Durante um período que terminou de forma estranhamente coincidente com o referido ano em que a “bolha” rebentou, um português, o Sr. B. (a minha singela homenagem às personagens kafkianas) desempenhou as funções de Vice-Presidente do Concelho de Administração no GSI.

Dois anos mais tarde haveria o mesmo Sr. B. de ser nomeado Director do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI), ou seja, precisamente aqueles que haveriam de estar na dianteira dos maiores empréstimos na história desta instituição - supervisionados precisamente pelo Sr. B. - consequência lógica de um processo que, levando os Estados a uma quase impossibilidade de financiamento nos “famosos” mercados, os “empurrava” para um inevitável pedido de “auxílio” externo.

Contudo, esta “estadia” do Sr. B. no FMI haveria de durar apenas cerca de um ano, tendo cessado em condições pouco esclarecidas, havendo mesmo que refira que por detrás das sempre oportunas “razões pessoais” estaria a sua ligação anterior ao GSI, nomeadamente ao papel determinante que este banco teve na “engenharia” financeira levada a cabo durante anos pelos gregos através da qual se “encenava” aos olhos do Mundo (e em particular à Europa) um cenário de “comédia” onde afinal se escondia uma "tragédia", ou mais adequadamente, uma farsa.

Nada, no entanto, que impeça o Sr. B. de fazer uma rápida transição para o outro lado da “barricada” e, para isso, depois de fazer parte dos resgatadores o passo “lógico” seria o de integrar a equipa dos resgatados.

Dito de outra forma, num dado momento define as políticas de privatizações e de renegociações das denominadas parcerias público-privadas e no momento seguinte lidera a equipa do Governo que há-de implementar essas mesmas políticas.

Os mais bem-intencionados dirão que tal se deve ao conhecimento dos processos, outros, porventura dotados de outro conceito de avaliação dos factos, dirão que é por conhecer bem demais os processos, passando dessa forma a deter um poder nada despiciendo de “encontrar” os parceiros “adequados” no sector privado para largos milhares de milhões de activos do Estado.

Pelo meio de tudo isto a palavra “crise” parece ser algo que não parece afectar o Sr. B. que do alto do seu salário com 6 dígitos, surge com uma preocupante frequência a fazer uso da sua cátedra, salientando a necessidade de fazer reduzir os salários dos trabalhadores portugueses, dando a essa medida um verdadeiro significado de emergência nacional.

Na “retina” ficam igualmente algumas dissertações públicas do Sr. B. sobre determinadas matérias que – julgávamos nós – seriam da competência exclusiva do Governo mas que, à falta de um ministro competente, parecem ter sido delegadas para alguém que à pergunta se haverá despedimentos no processo de concessão da RTP, responde com uma confrangedora indiferença: “se tiver que ser”, certamente à luz do seu entendimento do despedimento com uma “oportunidade” o que, bem vistas as coisas, não deixa de ser coerente com o seu próprio percurso.

A dúvida, contudo, que persiste é a de saber de quem assim pensa o que é que - razoavelmente – o Sr. B. “produz” ou, dito de outra forma, qual a riqueza para o interesse geral que advém das funções que exerce, seja na Administração da GSI ou como consultor do Governo para as privatizações.

Entendo que, até para o próprio, será sempre uma tarefa difícil responder a esta questão, na medida em que o interesse público é um ambiente que lhe é manifestamente estranho, tão vasto é o seu currículo ao serviço de interesses privados, repleto de estranhas coincidências que sistematicamente o colocaram na “linha da frente” contra a causa pública e o interesse dos cidadãos de um país que, creio não me enganar, é também o seu. Assim vão as cousas.

domingo, 23 de setembro de 2012

Um certo Sábado

Ao contrário do que uma parte significativa dos analistas políticos têm vindo a afirmar, entendo que as manifestações do passado dia 15 não trouxe qualquer acentuar de uma certa nebulosidade do "clima" político em Portugal mas, bem pelo contrário, veio trazer uma porventura inesperada clareza ao actual contexto da vida política portuguesa.

Tal convicção deve-se, antes de mais, pela verificação que afinal de contas existe uma clara consciência colectiva - porventura adormecida - que, enfim, "despertou" de forma massiva, tendo sabido exprimir-se de forma espontânea, organizada e, na maioria dos casos, ordeiramente. 

A primeira clarificação que daqui resulta é a certeza que este movimento não tem na sua base a habitual organização de natureza sindical, facto que não pode deixar de ser considerado como especialmente relevante face à necessária comparação entre a adesão a este evento e aquela que se tem vindo a verificar nos últimos tempos, no contexto das anteriores manifestações convocadas pelas duas centrais sindicais.

Associado a este facto é igualmente interessante verificar a ausência bastante notada das figuras políticas que habitualmente surgem na primeira fila (certamente a mais "visível") deste tipo de eventos, tornando o protesto  num movimento apartidário, o que representará tanto um afastamento das pessoas em relação às bases partidárias mas também um certo esgotamento dos modelos de contestação social, pouco dados à renovação das respectivas bases.

A segunda nota de clarificação é aquela que resulta da reacção do "parceiro" de coligação que, demonstrou de forma inequívoca que, no primeiro momento em que a coesão dessa mesma coligação for colocada à prova, os instintos de necessidade de protagonismo do Dr. Paulo Portas prevalecerão sobre a solidariedade que, presume-se, estará subjacente à relação entre dois partidos que entenderam unir-se após as eleições formando uma maioria parlamentar que deveria, em bom rigor, assegurar a estabilidade governativa.

No entanto, aquilo que o Dr. Paulo Portas veio anunciar foi em si mesmo uma profunda contradição, na medida em que ao mesmo tempo que anunciava o seu desacordo sobre a mais recente medida de austeridade, referia que não contribuiria para uma crise política o que, a meu ver e contrariamente ao que alguns defenderam na ocasião, torna o CDS-PP refém do PSD e não o seu contrário, uma vez que a possibilidade de não concordar com uma qualquer medida e ao mesmo tempo querer evitar a queda do Governo poderá colocar-se em qualquer momento futuro.

Um terceiro momento que resultou claro no passado dia 15 e ganhou ainda mais clareza nos dias imediatamente seguintes é a incapacidade do "inquilino" do Palácio de Belém em servir como árbitro, mediador ou modelo consequente das suas próprias intervenções, em situações de acentuada contestação social, arrastando a sua própria pessoa para o centro dessa mesma contestação, como parte integrante do actual momento.

É bom lembrar que foi este mesmo Presidente que em tempos entendeu dirigir-se ao país, numa mensagem pouco inteligível quando, a propósito do Estatuto Politico dos Açores, considerou que o mesmo representava (entre outras coisas) uma diminuição dos seus próprios poderes.

De igual modo, importa fazer um apelo à nossa memória recente, quando o Prof. Cavaco Silva apelidou, no prefácio de um livro, o comportamento do anterior Primeiro-Ministro de desleal por este não o ter previamente informado das medidas constantes do "famoso" PEC IV.

No entanto, perante a notícia da subida da TSU, referia no próprio dia ser necessário aguardar pela comunicação do Dr. Pedro Passos Coelho para poder formular uma opinião, assumindo dessa forma - creio ser legitimo concluir - que o não teria conhecimento do que estaria para ser transmitido ao País, seguindo-se um comprometedor silêncio, provavelmente resguardado pela convocação do Conselho de Estado que, por seu turno, uma vez mais redundou numa tremenda ausência de conclusões, mas tão-somente num breve comunicado, omisso de qualquer espécie de relevância prática.

A última clarificação que entendo resultar da actual situação política é que o actual Governo não governa com base no programa politico que apresentou aos portugueses e que foi por estes sufragado em Junho de 2011, sendo fácil de concluir que se fossem previamente conhecidas as medidas que têm vindo a ser sucessivamente anunciadas a predisposição para a sua eleição seria suficientemente menor para sequer poder governar em coligação.

Ora, se a politica seguida por qualquer Governo não corresponde à opção que os cidadãos eleitores escolheram, então é possível concluir que esses mesmos cidadãos foram enganados por parte de quem haviam depositado a sua confiança (e o seu voto), o que apenas poderá ter como consequência a necessidade da sua substituição ou, no mínimo, a validação, pelo voto, do "verdadeiro" programa de Governo.

É que esta permanente "facilidade" em ludibriar a expectativa das pessoas após a chegada ao poder, é precisamente o elemento que determina a existência de um conceito de crise política e não aquele que o Dr. Paulo Portas julga evitar ao manter-se na coligação, ou seja, o progressivo e irremediável afastamento das pessoas em relação à política e aos políticos, cujo resultado é o crescimento de uma contestação pública que, creio (mas não desejo), tenderá a agravar-se nos próximos tempos. Assim vão as cousas.


domingo, 16 de setembro de 2012

A vida é assim

Um estudo recente veio dissociar a ideia de felicidade nas crianças à riqueza material do dinheiro.

Independentemente de concordar ou não com os resultados de tal estudo, cujos fundamentos teóricos e práticos não domino, e por isso mesmo não ouso contestar, parece-me sobretudo interessante fazer a “ponte” com a situação vivida precisamente no seu extremo oposto, isto é, a velhice.

A motivação para o referido salto temporal não se prende, portanto, com qualquer conceito de “segunda infância” mas, tão-somente, o de concluir que provavelmente este mesmo estudo, efectuado nesta fase da vida, apresentaria certamente conclusões bastante diferenciadas no que se refere à associação do dinheiro à noção de felicidade.

Não se trata de negligenciar a importância da saúde e do suporte familiar, mas sim o de dar relevância à necessidade de poder fazer face a essas necessidades através do rendimento extraído da forma de remuneração por excelência destes presumíveis antigos trabalhadores, a que se convencionou chamar de reforma.

Ora, neste capítulo específico, Portugal tem claramente duas categorias de reformados, sendo a primeira delas aquela que corresponde a uma franja da população que tendo trabalhado arduamente grande parte das suas vidas não faziam quaisquer descontos para a Segurança Social simplesmente porque ela não existia tal como a conhecemos hoje.

Este grupo de cidadãos cuja expectativa de vida normalmente se confinava ao trabalho agrícola ou nas grandes indústrias ficou “condenado” por essa via a receber um valor correspondente à reforma que se situa, em muitos casos, no limite do valor mínimo de sobrevivência e muito claramente dentro de parâmetros normalmente associados a situações de pobreza.

A incapacidade do Estado, enquanto “entidade patronal” desta camada da população, em promover uma justa compensação por décadas inteiras de sacrifício – normalmente associado ao abandono escolar precoce – esbarrou sempre na equivalente incapacidade financeira em disponibilizar recursos para que tal pudesse suceder, normalmente canalizados para projectos socialmente menos relevantes mas certamente mais “visíveis”.

A segunda categoria de reformados remete para aqueles indivíduos que, tendo uma carreira contributiva completa, isto é, em que em cada mês e ano de trabalho uma parcela do respectivo rendimento revertia para os cofres do Estado, na expectativa que tal contribuição pudesse no futuro assegurar para os próprios uma subsistência tranquila após o final da carreira.

De acordo com este princípio, um qualquer cidadão terá direito a uma reforma que corresponderá a um valor próximo daquele que auferia no dia imediatamente anterior ao da sua passagem à condição de reformado.

Tal pareceu ser sempre mais ou menos consensual na nossa Sociedade, não obstante os sucessivos alertar para o desequilíbrio das contas da Segurança Social, sobretudo devidos à eventual incapacidade de adaptação do modelo existente à constante mutação da realidade social, tendo “à cabeça” o aumento da esperança de vida com o consequente alargamento do número de anos aos quais o Estado tem de dar resposta.

Acontece que, mais do que promover essa mesma adaptação, os sucessivos Governos foram, ao invés, criando mecanismos de limitação progressiva dos mecanismos de cálculo do valor das reformas incluindo a limitação dos respectivos limites máximos.

Tal situação não pode deixar de configurar aos olhos de quem descontou uma parcela – por vezes significativa – das suas remunerações para a data da reforma como uma alteração das regras “do jogo” a meio do próprio “jogo”.

Acresce a este facto que, ao contrário de qualquer cidadão em actividade de funções, um reformado não tem aquilo a que se poderia designar de um “plano B”, como seja o de iniciar um plano de poupança paralelo ou simplesmente adaptar a sua actividade de forma a tentar aumentar os respectivos rendimentos.

No limite, poderá ocorrer-lhe o pior dos cenários admissíveis que é o de regressar à vida activa com a certeza, porém, que a capacidade de reabsorção no mercado laboral é-lhe praticamente vedada.

É fácil, portanto, concluir que qualquer medida que afecte esta expectativa, incluindo a recente cativação dos subsídios de férias e de Natal é profundamente imoral e inaceitável num Estado de Direito.

Trata-se de uma manifestação prática do Estado, enquanto entidade tutelar, em cumprir com a sua quota-parte de responsabilidade em assegurar na infância como na velhice o cumprimento de uma das suas tarefas fundamentais constitucionalmente previstas.

Estaremos, porventura, a afastar-nos cada vez mais de dois princípios emergentes da Revolução Francesa – a Igualdade e a Fraternidade – nos quais assenta a Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão e da nossa própria Constituição, e ao persistir por essa via estaremos também muito próximos de limitar (ou mesmo eliminar) o seu terceiro sustentáculo, a Liberdade. Assim vão as cousas.

domingo, 9 de setembro de 2012

Regras simples

Que os tempos são de crise é frase infelizmente já “gasta” de tão reiteradamente ser “recordada” a todos aqueles que infelizmente com ela sofrem, ainda que, naturalmente, tal sacrifício não seja reconhecidamente proporcionalmente distribuída, ao ponto do seu significado poder representar para uns o agravamento da respectiva situação financeira e para outros uma oportunidade para dela beneficiar.

Não faltam, por isso mesmo, aqueles que aproveitam este delicado momento para facultar ensinamentos sobre gestão financeira pessoal, confirmando desta forma que também a crise poderá representar para alguns a alavanca necessária para a criação de novas oportunidades de negócio.

Assim sendo. é evidente que o centro das atenções tem necessariamente de recair sobre os primeiros, isto é, todos aqueles que vêem hoje as suas perspectivas de melhoria de condições de vida como um objectivo porventura inalcançável.

De acordo com o meu entendimento, a gestão das finanças pessoais deve (ou deveria) seguir os mesmos princípios de gestão das finanças públicas, isto é, não se deve por princípio gastar mais do que aquilo que se ganha.

Ora se na gestão dos dinheiros públicos o interesse geral – nomeadamente aquele a que se convencionou chamar de Estado-Social - poderá, em determinadas circunstâncias, implicar a necessidade de contrariar o referido principio, tal já não parece suceder quando este raciocínio se desloca para a esfera privada.

Desta forma, a base primordial de análise deverá partir de duas grandes “famílias”, ou seja, a “família” dos proveitos (ganhos) e o seu “parente” próximo das despesas, sendo que normalmente é relativamente simples perceber-se qual é o valor dos primeiros e bastante difícil conhecer-se a real extensão das segundas... e o problema começa precisamente aqui.

No entanto, sem o conhecimento prévio do impacto real de ambas, não é possível aferir da forma de resolver o possível imbróglio que daí resulta, pelo que a melhor maneira de se começar é analisar a totalidade do último ano completo conhecido (normalmente o anterior).

Da referida análise resultam normalmente a seguinte tipologia de receitas e despesas:

Receitas Fixas  - Despesas Fixas

Gastos Intermédios

Receitas Extraordinárias - Despesas Extraordinárias

Resulta desta simples divisão que, desde logo, existe uma desproporcionalidade para o lado das despesas.

No lado das receitas fixas enquadram-se os vencimentos auferidos a título de salários, sendo que aquelas que podemos rotular de extraordinárias remetem para eventuais abonos, reembolsos de impostos ou outros, e mesmo possíveis remunerações extra por parte da respectiva entidade patronal, vulgo bónus.

Relativamente a estas últimas o preferível será sempre... não contar com elas, de forma a não criar qualquer expectativa de ganho que possa não se confirmar o que, normalmente, é potenciador de dificuldades acrescidas relativamente a eventuais despesas que se tenham assumido a contar precisamente com tais receitas.

Se as mesmas se confirmarem então deverão, preferencialmente e caso haja “margem” para tal ser canalizadas para a poupança, utilizando como referência alguns depósitos bancários – à ordem ou a prazo – que actualmente remuneram tais aplicações de forma interessante face ao que se verificou em anos anteriores mantendo, contudo, a possibilidade de movimentação dos fundos a qualquer momento, em caso de necessidade extrema.

O princípio é de que se o dinheiro é para estar “parado” mais vale estar a render.

Do lado das despesas temos, quase inevitavelmente, aqueles que apelido de fixas, porque dê por onde der, têm necessariamente de existir e correspondem normalmente às despesas com bens e serviços de primeira necessidade, escolas, etc. O “segredo” para a gestão adequada destas despesas é procurar optimizar o respectivo custo, seja pela redução de gastos com energia, água ou gás, ou renegociando favoravelmente os respectivos contratos junto dos operadores, como é o caso da televisão, telefone, entre outros.

Os gastos intermédios são todos aqueles que sabemos existirem e serem necessários mas não é possível quantificar ab initio o respectivo valor ao longo do ano, como sejam as compras de supermercados, que, de uma forma ou de outra, não são passíveis de serem eliminadas, o que não significa que não possam ser bem geridas, optimizando o seu impacto nas escolhas que são feitas no momento da compra, optando por produtos de menor custo mas de qualidade idêntica.

Restam, pois, as despesas ditas extraordinárias e é precisamente nestas mais do que em quaisquer outras que reside a capacidade de resistir aos tempos de aperto, ou por outras palavras, viver com a “corda na garganta” ou ter simplesmente a noção que essa “corda” é suficientemente larga para caber em qualquer pescoço.

As palavras-chave para estas despesas resumem-se a duas: saber escolher ou, com alguma imaginação, a apenas uma: abdicar, o que se traduz precisamente no mesmo, ou seja, eliminar todas as despesas que não constituam uma primeira necessidade, aquelas que porventura era possível suportar anteriormente mas que devem estar agora na linha da frente na definição do auto-conceito de acessório.

A grande dificuldade das pessoas – como do próprio Estado – tem sido saber fazer esta escolha, porque, no essencial, é sempre difícil abdicar de um certo estilo de vida que nos traz numa primeira fase um certo conforto e até mesmo qualidade de vida, mas que ao primeiro revés se vira precisamente contra nós próprios.

O que fica suficientemente claro como “moral” da situação actual – se é que existe alguma moral na mesma – é que mais tarde ou mais cedo alguém virá junto de nós dizer-nos que não é possível manter em termos futuros a “lógica” passada, e nessa ocasião existem – sabemo-lo agora – duas vias alternativas: por nossa própria iniciativa corrigir os desequilíbrios ou serem os outros a faze-lo por nós. Custe o que custar. Assim vão as cousas.

domingo, 2 de setembro de 2012

Menos que zero


A “agressão” a que actualmente qualquer pessoa se encontra exposta pelo simples hábito de se manter minimamente actualizado relativamente aos assuntos do país em particular e do Mundo em geral é absolutamente devastadora.

Este sintoma, que presumo não possa caracterizar como um resultado de uma especial característica pessoal, resulta do facto de parte significativa do espaço noticioso corresponder ao discorrer de uma numerologia mórbida de vítimas mortais – não naturais, entenda-se - que diariamente ocorrem um pouco por todo o lado.

Seja em “teatros” de guerra ou em latitudes geográficas oficialmente em paz mas a viver as denominadas situações “conturbadas”, a verdade é que a fileira de números sucede-se e soma-se dia após dia, num ritmo frenético, que não tem em momento algum uma espécie da sua própria antítese, ou seja, a constatação de uma tendência de redução.

A questão é que por detrás destes números estão seres humanos, independentemente de se tratar de homens, mulheres ou crianças, cuja condição parece reduzir-se a uma mera aritmética indistinta de género ou classe.

Esta é uma espécie de sina que estamos infelizmente “condenados” a testemunhar de forma quase indiferente, perante uma realidade que acompanhamos quase sempre “à distância” e relativamente à qual a presunção de um sentimento de incapacidade para a ela reagir ou mesmo modificar é, creio, esmagadora.

Portugal, esse país “famoso” – entre outras coisas – pelos seus autodesignados “brandos costumes” parece querer contrariar essa espécie de carga positiva que funcionou ao longo dos anos como uma espécie de “convite” ao visitante estrangeiro ao gozo de uma estadia sem sobressaltos, mas igualmente como um “passaporte” para um comportamento marcadamente negligente pela via da ausência de um verdadeiro sentimento de ameaça, seja ela externa ou interna.

Como quase sempre acontece nestes casos, a percepção da inversão desta paradigma pela constatação de uma cada vez mais recorrente criminalidade violenta tem, a meu ver, levado a um crescimento de um sentimento de insegurança mas igualmente de desconfiança.

Ora, é precisamente este que não pode deixar de ser, porventura, aquele que constitui actualmente o maior perigo, isto é, o acender de uma convicção de que o “inimigo” espreita a qualquer porta, em especial se esse “inimigo” for de outra nacionalidade, cor ou religião menos “aceite” pela Sociedade.

Ou seja, passamos de uma visão de “porta aberta” para um estado psicológico em que essa mesma porta se fecha a “sete chaves”, daqui resultando que as próprias relações de vizinhança se tornam cada vez mais ténues, alheios às circunstâncias que nos rodeiam e que por vezes ocorrem na “porta ao lado”.

Há falta de uma “guerra”, as notícias sobre o que se vai passando por cá tendem, desta forma, a salientar a ocorrência de crimes cuja natureza é quase sempre de cariz violento, assumindo, não raras vezes, uma caracterização comummente apelidada dos chamados crimes passionais ou de “ajuste de contas” ou ainda, as não menos violentas, mortes por solidão.

Precisamente estas mortes, que “beneficiam” diariamente da atenção dos meios de comunicação, resultam de uma contextualização de resultarem de problemas que passam “dentro de casa” os quais ninguém parece conhecer ou, pior ainda, conhecendo-os fingem ignorar precisamente por esse mesmo argumento, embora não falte nunca quem depois do facto consumado possa jurar ter “avisado” antes.

Se Estaline dizia que a morte de uma pessoa “é uma tragédia” e a de milhões “uma estatística”, a minha profunda convicção é que nos dias que correm esta equação faz-se com recurso a números substancialmente mais baixos, tão grande é a banalização da morte em virtude da desumanização da vida. Assim vão as cousas.