A “agressão” a que
actualmente qualquer pessoa se encontra exposta pelo simples hábito de se manter minimamente actualizado relativamente aos assuntos do país em particular e do
Mundo em geral é absolutamente devastadora.
Este sintoma, que
presumo não possa caracterizar como um resultado de uma especial característica
pessoal, resulta do facto de parte significativa do espaço noticioso corresponder
ao discorrer de uma numerologia mórbida de vítimas mortais – não naturais,
entenda-se - que diariamente ocorrem um pouco por todo o lado.
Seja em “teatros” de
guerra ou em latitudes geográficas oficialmente em paz mas a viver as
denominadas situações “conturbadas”, a verdade é que a fileira de números
sucede-se e soma-se dia após dia, num ritmo frenético, que não tem em momento
algum uma espécie da sua própria antítese, ou seja, a constatação de uma
tendência de redução.
A questão é que por
detrás destes números estão seres humanos, independentemente de se tratar de
homens, mulheres ou crianças, cuja condição parece reduzir-se a uma mera
aritmética indistinta de género ou classe.
Esta é uma espécie de
sina que estamos infelizmente “condenados” a testemunhar de forma quase
indiferente, perante uma realidade que acompanhamos quase sempre “à distância”
e relativamente à qual a presunção de um sentimento de incapacidade para a ela
reagir ou mesmo modificar é, creio, esmagadora.
Portugal, esse país
“famoso” – entre outras coisas – pelos seus autodesignados “brandos costumes”
parece querer contrariar essa espécie de carga positiva que funcionou ao longo
dos anos como uma espécie de “convite” ao visitante estrangeiro ao gozo de uma
estadia sem sobressaltos, mas igualmente como um “passaporte” para um
comportamento marcadamente negligente pela via da ausência de um verdadeiro
sentimento de ameaça, seja ela externa ou interna.
Como quase sempre
acontece nestes casos, a percepção da inversão desta paradigma pela constatação
de uma cada vez mais recorrente criminalidade violenta tem, a meu ver, levado a
um crescimento de um sentimento de insegurança mas igualmente de desconfiança.
Ora, é precisamente
este que não pode deixar de ser, porventura, aquele que constitui actualmente o
maior perigo, isto é, o acender de uma convicção de que o “inimigo” espreita a
qualquer porta, em especial se esse “inimigo” for de outra nacionalidade, cor
ou religião menos “aceite” pela Sociedade.
Ou seja, passamos de
uma visão de “porta aberta” para um estado psicológico em que essa mesma porta
se fecha a “sete chaves”, daqui resultando que as próprias relações de vizinhança
se tornam cada vez mais ténues, alheios às circunstâncias que nos rodeiam e que
por vezes ocorrem na “porta ao lado”.
Há falta de uma
“guerra”, as notícias sobre o que se vai passando por cá tendem, desta forma, a
salientar a ocorrência de crimes cuja natureza é quase sempre de cariz
violento, assumindo, não raras vezes, uma caracterização comummente apelidada
dos chamados crimes passionais ou de “ajuste de contas” ou ainda, as não menos
violentas, mortes por solidão.
Precisamente estas
mortes, que “beneficiam” diariamente da atenção dos meios de comunicação,
resultam de uma contextualização de resultarem de problemas que passam “dentro
de casa” os quais ninguém parece conhecer ou, pior ainda, conhecendo-os fingem
ignorar precisamente por esse mesmo argumento, embora não falte nunca quem
depois do facto consumado possa jurar ter “avisado” antes.
Se Estaline dizia que a
morte de uma pessoa “é uma tragédia” e a de milhões “uma estatística”, a minha profunda
convicção é que nos dias que correm esta equação faz-se com recurso a números
substancialmente mais baixos, tão grande é a banalização da morte em virtude da
desumanização da vida. Assim vão as cousas.
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