domingo, 2 de setembro de 2012

Menos que zero


A “agressão” a que actualmente qualquer pessoa se encontra exposta pelo simples hábito de se manter minimamente actualizado relativamente aos assuntos do país em particular e do Mundo em geral é absolutamente devastadora.

Este sintoma, que presumo não possa caracterizar como um resultado de uma especial característica pessoal, resulta do facto de parte significativa do espaço noticioso corresponder ao discorrer de uma numerologia mórbida de vítimas mortais – não naturais, entenda-se - que diariamente ocorrem um pouco por todo o lado.

Seja em “teatros” de guerra ou em latitudes geográficas oficialmente em paz mas a viver as denominadas situações “conturbadas”, a verdade é que a fileira de números sucede-se e soma-se dia após dia, num ritmo frenético, que não tem em momento algum uma espécie da sua própria antítese, ou seja, a constatação de uma tendência de redução.

A questão é que por detrás destes números estão seres humanos, independentemente de se tratar de homens, mulheres ou crianças, cuja condição parece reduzir-se a uma mera aritmética indistinta de género ou classe.

Esta é uma espécie de sina que estamos infelizmente “condenados” a testemunhar de forma quase indiferente, perante uma realidade que acompanhamos quase sempre “à distância” e relativamente à qual a presunção de um sentimento de incapacidade para a ela reagir ou mesmo modificar é, creio, esmagadora.

Portugal, esse país “famoso” – entre outras coisas – pelos seus autodesignados “brandos costumes” parece querer contrariar essa espécie de carga positiva que funcionou ao longo dos anos como uma espécie de “convite” ao visitante estrangeiro ao gozo de uma estadia sem sobressaltos, mas igualmente como um “passaporte” para um comportamento marcadamente negligente pela via da ausência de um verdadeiro sentimento de ameaça, seja ela externa ou interna.

Como quase sempre acontece nestes casos, a percepção da inversão desta paradigma pela constatação de uma cada vez mais recorrente criminalidade violenta tem, a meu ver, levado a um crescimento de um sentimento de insegurança mas igualmente de desconfiança.

Ora, é precisamente este que não pode deixar de ser, porventura, aquele que constitui actualmente o maior perigo, isto é, o acender de uma convicção de que o “inimigo” espreita a qualquer porta, em especial se esse “inimigo” for de outra nacionalidade, cor ou religião menos “aceite” pela Sociedade.

Ou seja, passamos de uma visão de “porta aberta” para um estado psicológico em que essa mesma porta se fecha a “sete chaves”, daqui resultando que as próprias relações de vizinhança se tornam cada vez mais ténues, alheios às circunstâncias que nos rodeiam e que por vezes ocorrem na “porta ao lado”.

Há falta de uma “guerra”, as notícias sobre o que se vai passando por cá tendem, desta forma, a salientar a ocorrência de crimes cuja natureza é quase sempre de cariz violento, assumindo, não raras vezes, uma caracterização comummente apelidada dos chamados crimes passionais ou de “ajuste de contas” ou ainda, as não menos violentas, mortes por solidão.

Precisamente estas mortes, que “beneficiam” diariamente da atenção dos meios de comunicação, resultam de uma contextualização de resultarem de problemas que passam “dentro de casa” os quais ninguém parece conhecer ou, pior ainda, conhecendo-os fingem ignorar precisamente por esse mesmo argumento, embora não falte nunca quem depois do facto consumado possa jurar ter “avisado” antes.

Se Estaline dizia que a morte de uma pessoa “é uma tragédia” e a de milhões “uma estatística”, a minha profunda convicção é que nos dias que correm esta equação faz-se com recurso a números substancialmente mais baixos, tão grande é a banalização da morte em virtude da desumanização da vida. Assim vão as cousas.

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