domingo, 23 de setembro de 2012

Um certo Sábado

Ao contrário do que uma parte significativa dos analistas políticos têm vindo a afirmar, entendo que as manifestações do passado dia 15 não trouxe qualquer acentuar de uma certa nebulosidade do "clima" político em Portugal mas, bem pelo contrário, veio trazer uma porventura inesperada clareza ao actual contexto da vida política portuguesa.

Tal convicção deve-se, antes de mais, pela verificação que afinal de contas existe uma clara consciência colectiva - porventura adormecida - que, enfim, "despertou" de forma massiva, tendo sabido exprimir-se de forma espontânea, organizada e, na maioria dos casos, ordeiramente. 

A primeira clarificação que daqui resulta é a certeza que este movimento não tem na sua base a habitual organização de natureza sindical, facto que não pode deixar de ser considerado como especialmente relevante face à necessária comparação entre a adesão a este evento e aquela que se tem vindo a verificar nos últimos tempos, no contexto das anteriores manifestações convocadas pelas duas centrais sindicais.

Associado a este facto é igualmente interessante verificar a ausência bastante notada das figuras políticas que habitualmente surgem na primeira fila (certamente a mais "visível") deste tipo de eventos, tornando o protesto  num movimento apartidário, o que representará tanto um afastamento das pessoas em relação às bases partidárias mas também um certo esgotamento dos modelos de contestação social, pouco dados à renovação das respectivas bases.

A segunda nota de clarificação é aquela que resulta da reacção do "parceiro" de coligação que, demonstrou de forma inequívoca que, no primeiro momento em que a coesão dessa mesma coligação for colocada à prova, os instintos de necessidade de protagonismo do Dr. Paulo Portas prevalecerão sobre a solidariedade que, presume-se, estará subjacente à relação entre dois partidos que entenderam unir-se após as eleições formando uma maioria parlamentar que deveria, em bom rigor, assegurar a estabilidade governativa.

No entanto, aquilo que o Dr. Paulo Portas veio anunciar foi em si mesmo uma profunda contradição, na medida em que ao mesmo tempo que anunciava o seu desacordo sobre a mais recente medida de austeridade, referia que não contribuiria para uma crise política o que, a meu ver e contrariamente ao que alguns defenderam na ocasião, torna o CDS-PP refém do PSD e não o seu contrário, uma vez que a possibilidade de não concordar com uma qualquer medida e ao mesmo tempo querer evitar a queda do Governo poderá colocar-se em qualquer momento futuro.

Um terceiro momento que resultou claro no passado dia 15 e ganhou ainda mais clareza nos dias imediatamente seguintes é a incapacidade do "inquilino" do Palácio de Belém em servir como árbitro, mediador ou modelo consequente das suas próprias intervenções, em situações de acentuada contestação social, arrastando a sua própria pessoa para o centro dessa mesma contestação, como parte integrante do actual momento.

É bom lembrar que foi este mesmo Presidente que em tempos entendeu dirigir-se ao país, numa mensagem pouco inteligível quando, a propósito do Estatuto Politico dos Açores, considerou que o mesmo representava (entre outras coisas) uma diminuição dos seus próprios poderes.

De igual modo, importa fazer um apelo à nossa memória recente, quando o Prof. Cavaco Silva apelidou, no prefácio de um livro, o comportamento do anterior Primeiro-Ministro de desleal por este não o ter previamente informado das medidas constantes do "famoso" PEC IV.

No entanto, perante a notícia da subida da TSU, referia no próprio dia ser necessário aguardar pela comunicação do Dr. Pedro Passos Coelho para poder formular uma opinião, assumindo dessa forma - creio ser legitimo concluir - que o não teria conhecimento do que estaria para ser transmitido ao País, seguindo-se um comprometedor silêncio, provavelmente resguardado pela convocação do Conselho de Estado que, por seu turno, uma vez mais redundou numa tremenda ausência de conclusões, mas tão-somente num breve comunicado, omisso de qualquer espécie de relevância prática.

A última clarificação que entendo resultar da actual situação política é que o actual Governo não governa com base no programa politico que apresentou aos portugueses e que foi por estes sufragado em Junho de 2011, sendo fácil de concluir que se fossem previamente conhecidas as medidas que têm vindo a ser sucessivamente anunciadas a predisposição para a sua eleição seria suficientemente menor para sequer poder governar em coligação.

Ora, se a politica seguida por qualquer Governo não corresponde à opção que os cidadãos eleitores escolheram, então é possível concluir que esses mesmos cidadãos foram enganados por parte de quem haviam depositado a sua confiança (e o seu voto), o que apenas poderá ter como consequência a necessidade da sua substituição ou, no mínimo, a validação, pelo voto, do "verdadeiro" programa de Governo.

É que esta permanente "facilidade" em ludibriar a expectativa das pessoas após a chegada ao poder, é precisamente o elemento que determina a existência de um conceito de crise política e não aquele que o Dr. Paulo Portas julga evitar ao manter-se na coligação, ou seja, o progressivo e irremediável afastamento das pessoas em relação à política e aos políticos, cujo resultado é o crescimento de uma contestação pública que, creio (mas não desejo), tenderá a agravar-se nos próximos tempos. Assim vão as cousas.


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