Que os tempos são de crise é frase infelizmente já “gasta” de tão reiteradamente ser “recordada” a todos aqueles que infelizmente com ela sofrem, ainda que, naturalmente, tal sacrifício não seja reconhecidamente proporcionalmente distribuída, ao ponto do seu significado poder representar para uns o agravamento da respectiva situação financeira e para outros uma oportunidade para dela beneficiar.
Não faltam, por isso mesmo, aqueles que aproveitam este delicado momento para facultar ensinamentos sobre gestão financeira pessoal, confirmando desta forma que também a crise poderá representar para alguns a alavanca necessária para a criação de novas oportunidades de negócio.
Assim sendo. é evidente que o centro das atenções tem necessariamente de recair sobre os primeiros, isto é, todos aqueles que vêem hoje as suas perspectivas de melhoria de condições de vida como um objectivo porventura inalcançável.
De acordo com o meu entendimento, a gestão das finanças pessoais deve (ou deveria) seguir os mesmos princípios de gestão das finanças públicas, isto é, não se deve por princípio gastar mais do que aquilo que se ganha.
Ora se na gestão dos dinheiros públicos o interesse geral – nomeadamente aquele a que se convencionou chamar de Estado-Social - poderá, em determinadas circunstâncias, implicar a necessidade de contrariar o referido principio, tal já não parece suceder quando este raciocínio se desloca para a esfera privada.
Desta forma, a base primordial de análise deverá partir de duas grandes “famílias”, ou seja, a “família” dos proveitos (ganhos) e o seu “parente” próximo das despesas, sendo que normalmente é relativamente simples perceber-se qual é o valor dos primeiros e bastante difícil conhecer-se a real extensão das segundas... e o problema começa precisamente aqui.
No entanto, sem o conhecimento prévio do impacto real de ambas, não é possível aferir da forma de resolver o possível imbróglio que daí resulta, pelo que a melhor maneira de se começar é analisar a totalidade do último ano completo conhecido (normalmente o anterior).
Da referida análise resultam normalmente a seguinte tipologia de receitas e despesas:
Receitas Fixas - Despesas Fixas
Gastos Intermédios
Receitas Extraordinárias - Despesas Extraordinárias
Resulta desta simples divisão que, desde logo, existe uma desproporcionalidade para o lado das despesas.
No lado das receitas fixas enquadram-se os vencimentos auferidos a título de salários, sendo que aquelas que podemos rotular de extraordinárias remetem para eventuais abonos, reembolsos de impostos ou outros, e mesmo possíveis remunerações extra por parte da respectiva entidade patronal, vulgo bónus.
Relativamente a estas últimas o preferível será sempre... não contar com elas, de forma a não criar qualquer expectativa de ganho que possa não se confirmar o que, normalmente, é potenciador de dificuldades acrescidas relativamente a eventuais despesas que se tenham assumido a contar precisamente com tais receitas.
Se as mesmas se confirmarem então deverão, preferencialmente e caso haja “margem” para tal ser canalizadas para a poupança, utilizando como referência alguns depósitos bancários – à ordem ou a prazo – que actualmente remuneram tais aplicações de forma interessante face ao que se verificou em anos anteriores mantendo, contudo, a possibilidade de movimentação dos fundos a qualquer momento, em caso de necessidade extrema.
O princípio é de que se o dinheiro é para estar “parado” mais vale estar a render.
Do lado das despesas temos, quase inevitavelmente, aqueles que apelido de fixas, porque dê por onde der, têm necessariamente de existir e correspondem normalmente às despesas com bens e serviços de primeira necessidade, escolas, etc. O “segredo” para a gestão adequada destas despesas é procurar optimizar o respectivo custo, seja pela redução de gastos com energia, água ou gás, ou renegociando favoravelmente os respectivos contratos junto dos operadores, como é o caso da televisão, telefone, entre outros.
Os gastos intermédios são todos aqueles que sabemos existirem e serem necessários mas não é possível quantificar ab initio o respectivo valor ao longo do ano, como sejam as compras de supermercados, que, de uma forma ou de outra, não são passíveis de serem eliminadas, o que não significa que não possam ser bem geridas, optimizando o seu impacto nas escolhas que são feitas no momento da compra, optando por produtos de menor custo mas de qualidade idêntica.
Restam, pois, as despesas ditas extraordinárias e é precisamente nestas mais do que em quaisquer outras que reside a capacidade de resistir aos tempos de aperto, ou por outras palavras, viver com a “corda na garganta” ou ter simplesmente a noção que essa “corda” é suficientemente larga para caber em qualquer pescoço.
As palavras-chave para estas despesas resumem-se a duas: saber escolher ou, com alguma imaginação, a apenas uma: abdicar, o que se traduz precisamente no mesmo, ou seja, eliminar todas as despesas que não constituam uma primeira necessidade, aquelas que porventura era possível suportar anteriormente mas que devem estar agora na linha da frente na definição do auto-conceito de acessório.
A grande dificuldade das pessoas – como do próprio Estado – tem sido saber fazer esta escolha, porque, no essencial, é sempre difícil abdicar de um certo estilo de vida que nos traz numa primeira fase um certo conforto e até mesmo qualidade de vida, mas que ao primeiro revés se vira precisamente contra nós próprios.
O que fica suficientemente claro como “moral” da situação actual – se é que existe alguma moral na mesma – é que mais tarde ou mais cedo alguém virá junto de nós dizer-nos que não é possível manter em termos futuros a “lógica” passada, e nessa ocasião existem – sabemo-lo agora – duas vias alternativas: por nossa própria iniciativa corrigir os desequilíbrios ou serem os outros a faze-lo por nós. Custe o que custar. Assim vão as cousas.
Sem comentários:
Enviar um comentário