Um estudo recente veio dissociar a
ideia de felicidade nas crianças à riqueza material do dinheiro.
Independentemente de concordar ou
não com os resultados de tal estudo, cujos fundamentos teóricos e práticos não
domino, e por isso mesmo não ouso contestar, parece-me sobretudo interessante
fazer a “ponte” com a situação vivida precisamente no seu extremo oposto, isto
é, a velhice.
A motivação para o referido salto
temporal não se prende, portanto, com qualquer conceito de “segunda infância” mas, tão-somente, o de concluir que provavelmente este mesmo estudo, efectuado nesta
fase da vida, apresentaria certamente conclusões bastante diferenciadas no que
se refere à associação do dinheiro à noção de felicidade.
Não se trata de negligenciar a
importância da saúde e do suporte familiar, mas sim o de dar relevância à
necessidade de poder fazer face a essas necessidades através do rendimento
extraído da forma de remuneração por excelência destes presumíveis antigos
trabalhadores, a que se convencionou chamar de reforma.
Ora, neste capítulo específico, Portugal tem claramente duas categorias de reformados, sendo a primeira delas
aquela que corresponde a uma franja da população que tendo trabalhado
arduamente grande parte das suas vidas não faziam quaisquer descontos para a
Segurança Social simplesmente porque ela não existia tal como a conhecemos
hoje.
Este grupo de cidadãos cuja
expectativa de vida normalmente se confinava ao trabalho agrícola ou nas
grandes indústrias ficou “condenado” por essa via a receber um valor
correspondente à reforma que se situa, em muitos casos, no limite do valor
mínimo de sobrevivência e muito claramente dentro de parâmetros normalmente
associados a situações de pobreza.
A incapacidade do Estado, enquanto
“entidade patronal” desta camada da população, em promover uma justa
compensação por décadas inteiras de sacrifício – normalmente associado ao
abandono escolar precoce – esbarrou sempre na equivalente incapacidade
financeira em disponibilizar recursos para que tal pudesse suceder, normalmente
canalizados para projectos socialmente menos relevantes mas certamente mais
“visíveis”.
A segunda categoria de reformados
remete para aqueles indivíduos que, tendo uma carreira contributiva completa,
isto é, em que em cada mês e ano de trabalho uma parcela do respectivo
rendimento revertia para os cofres do Estado, na expectativa que tal
contribuição pudesse no futuro assegurar para os próprios uma subsistência
tranquila após o final da carreira.
De acordo com este princípio, um
qualquer cidadão terá direito a uma reforma que corresponderá a um valor
próximo daquele que auferia no dia imediatamente anterior ao da sua passagem à
condição de reformado.
Tal pareceu ser sempre mais ou menos
consensual na nossa Sociedade, não obstante os sucessivos alertar para o
desequilíbrio das contas da Segurança Social, sobretudo devidos à eventual
incapacidade de adaptação do modelo existente à constante mutação da realidade
social, tendo “à cabeça” o aumento da esperança de vida com o consequente
alargamento do número de anos aos quais o Estado tem de dar resposta.
Acontece que, mais do que promover
essa mesma adaptação, os sucessivos Governos foram, ao invés, criando mecanismos
de limitação progressiva dos mecanismos de cálculo do valor das reformas
incluindo a limitação dos respectivos limites máximos.
Tal situação não pode deixar de
configurar aos olhos de quem descontou uma parcela – por vezes significativa –
das suas remunerações para a data da reforma como uma alteração das regras “do
jogo” a meio do próprio “jogo”.
Acresce a este facto que, ao
contrário de qualquer cidadão em actividade de funções, um reformado não tem
aquilo a que se poderia designar de um “plano B”, como seja o de iniciar um
plano de poupança paralelo ou simplesmente adaptar a sua actividade de forma a
tentar aumentar os respectivos rendimentos.
No limite, poderá ocorrer-lhe o pior
dos cenários admissíveis que é o de regressar à vida activa com a certeza,
porém, que a capacidade de reabsorção no mercado laboral é-lhe praticamente
vedada.
É fácil, portanto, concluir que
qualquer medida que afecte esta expectativa, incluindo a recente cativação dos
subsídios de férias e de Natal é profundamente imoral e inaceitável num Estado
de Direito.
Trata-se de uma manifestação prática
do Estado, enquanto entidade tutelar, em cumprir com a sua quota-parte de
responsabilidade em assegurar na infância como na velhice o cumprimento de uma das
suas tarefas fundamentais constitucionalmente previstas.
Estaremos, porventura, a afastar-nos
cada vez mais de dois princípios emergentes da Revolução Francesa – a Igualdade
e a Fraternidade – nos quais assenta a Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão
e da nossa própria Constituição, e ao persistir por essa via estaremos também muito
próximos de limitar (ou mesmo eliminar) o seu terceiro sustentáculo, a
Liberdade. Assim vão as cousas.
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