domingo, 16 de setembro de 2012

A vida é assim

Um estudo recente veio dissociar a ideia de felicidade nas crianças à riqueza material do dinheiro.

Independentemente de concordar ou não com os resultados de tal estudo, cujos fundamentos teóricos e práticos não domino, e por isso mesmo não ouso contestar, parece-me sobretudo interessante fazer a “ponte” com a situação vivida precisamente no seu extremo oposto, isto é, a velhice.

A motivação para o referido salto temporal não se prende, portanto, com qualquer conceito de “segunda infância” mas, tão-somente, o de concluir que provavelmente este mesmo estudo, efectuado nesta fase da vida, apresentaria certamente conclusões bastante diferenciadas no que se refere à associação do dinheiro à noção de felicidade.

Não se trata de negligenciar a importância da saúde e do suporte familiar, mas sim o de dar relevância à necessidade de poder fazer face a essas necessidades através do rendimento extraído da forma de remuneração por excelência destes presumíveis antigos trabalhadores, a que se convencionou chamar de reforma.

Ora, neste capítulo específico, Portugal tem claramente duas categorias de reformados, sendo a primeira delas aquela que corresponde a uma franja da população que tendo trabalhado arduamente grande parte das suas vidas não faziam quaisquer descontos para a Segurança Social simplesmente porque ela não existia tal como a conhecemos hoje.

Este grupo de cidadãos cuja expectativa de vida normalmente se confinava ao trabalho agrícola ou nas grandes indústrias ficou “condenado” por essa via a receber um valor correspondente à reforma que se situa, em muitos casos, no limite do valor mínimo de sobrevivência e muito claramente dentro de parâmetros normalmente associados a situações de pobreza.

A incapacidade do Estado, enquanto “entidade patronal” desta camada da população, em promover uma justa compensação por décadas inteiras de sacrifício – normalmente associado ao abandono escolar precoce – esbarrou sempre na equivalente incapacidade financeira em disponibilizar recursos para que tal pudesse suceder, normalmente canalizados para projectos socialmente menos relevantes mas certamente mais “visíveis”.

A segunda categoria de reformados remete para aqueles indivíduos que, tendo uma carreira contributiva completa, isto é, em que em cada mês e ano de trabalho uma parcela do respectivo rendimento revertia para os cofres do Estado, na expectativa que tal contribuição pudesse no futuro assegurar para os próprios uma subsistência tranquila após o final da carreira.

De acordo com este princípio, um qualquer cidadão terá direito a uma reforma que corresponderá a um valor próximo daquele que auferia no dia imediatamente anterior ao da sua passagem à condição de reformado.

Tal pareceu ser sempre mais ou menos consensual na nossa Sociedade, não obstante os sucessivos alertar para o desequilíbrio das contas da Segurança Social, sobretudo devidos à eventual incapacidade de adaptação do modelo existente à constante mutação da realidade social, tendo “à cabeça” o aumento da esperança de vida com o consequente alargamento do número de anos aos quais o Estado tem de dar resposta.

Acontece que, mais do que promover essa mesma adaptação, os sucessivos Governos foram, ao invés, criando mecanismos de limitação progressiva dos mecanismos de cálculo do valor das reformas incluindo a limitação dos respectivos limites máximos.

Tal situação não pode deixar de configurar aos olhos de quem descontou uma parcela – por vezes significativa – das suas remunerações para a data da reforma como uma alteração das regras “do jogo” a meio do próprio “jogo”.

Acresce a este facto que, ao contrário de qualquer cidadão em actividade de funções, um reformado não tem aquilo a que se poderia designar de um “plano B”, como seja o de iniciar um plano de poupança paralelo ou simplesmente adaptar a sua actividade de forma a tentar aumentar os respectivos rendimentos.

No limite, poderá ocorrer-lhe o pior dos cenários admissíveis que é o de regressar à vida activa com a certeza, porém, que a capacidade de reabsorção no mercado laboral é-lhe praticamente vedada.

É fácil, portanto, concluir que qualquer medida que afecte esta expectativa, incluindo a recente cativação dos subsídios de férias e de Natal é profundamente imoral e inaceitável num Estado de Direito.

Trata-se de uma manifestação prática do Estado, enquanto entidade tutelar, em cumprir com a sua quota-parte de responsabilidade em assegurar na infância como na velhice o cumprimento de uma das suas tarefas fundamentais constitucionalmente previstas.

Estaremos, porventura, a afastar-nos cada vez mais de dois princípios emergentes da Revolução Francesa – a Igualdade e a Fraternidade – nos quais assenta a Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão e da nossa própria Constituição, e ao persistir por essa via estaremos também muito próximos de limitar (ou mesmo eliminar) o seu terceiro sustentáculo, a Liberdade. Assim vão as cousas.

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