domingo, 26 de agosto de 2012

Boa vizinhança


As relações em Sociedade estão, como é sabido, repletas de factores que propiciam de forma bem mais acentuada as suas divisões do que a perspectiva oposta, isto é, de confluência de vontades ou, dito de outra forma, de união.

Nesse pressuposto não é de estranhar que ao longo de um período suficientemente longo para se perceber exactamente quando terá tido o seu início, a relação entre rendeiro e arrendatário se tenha quase sempre pautado por caminhos paralelos mas de sentido contrário.

A razão - bem ao contrário da solução para o problema – é bastante fácil de explicar pois reside unicamente no facto de não obstante a relação contratual entre ambos assentar num interesse inicial comum, ou seja, alguém que pretende obter um bem que outro detém e se dispõem a dar de usufruto, rapidamente se transforma num interesse conflituante.

E é precisamente essa mesma razão que adiante se desenvolverá que implica que toda e qualquer nova legislação sobre a matéria do arrendamento urbano seja insusceptivel de ser aceite por reservas por ambas as partes ou mesmo rejeitada integralmente, num raro momento de consenso.

O motivo principal para tal desencontro poderia resumir-se na permanente manifestação por uma das partes em receber mais pelo bem que disponibiliza e pela outra de pagar o menos possível por esse mesmo bem.

A questão é que a relação em ambas não é paritária, ou seja, não existem na mesma medida direitos e deveres para rendeiro e arrendatário, pois se ao segundo o direito que lhe assiste de usufruir de um bem que não é seu resulta do cumprimento do dever de pagar a renda acordada e zelar pela integridade do bem que lhe está confiado, sobre o primeiro recai, entre outros, o ónus de prover as condições de habitabilidade geral do imóvel.

Ora este ónus não sai, conforme é usual dizer-se, barato, sendo que raramente o valor recebido a titulo de renda é suficiente para fazer face a tal encargo.

Percebe-se desta forma o imbróglio que daqui resulta, isto é, o dilema de quem não recebe o suficiente para cumprir integralmente com as suas obrigações legais e a posição de quem não pode ser obrigado a pagar mais precisamente pelo facto de se encontrarem cumpridas essas mesmas obrigações.

O resultado é, e nem poderia deixar de ser, uma contínua e progressiva degradação do património imobiliário das cidades, fruto exclusivamente da estagnação que emerge da linha que separa aquilo que um quer mas não pode fazer e que o outro deseja mas sem que daí resulte qualquer oneração do seu “esforço” mensal.

A “solução” para este “novelo” repleto de nós tem sido o de vencer pelo cansaço, não o cansaço físico, mas o cansado das estruturas dos prédios que embora mais resistentes ao passar dos anos do que o ser humano, não lhe são ainda assim indiferentes ou sequer imunes.

Daqui resulta que mais tarde ou mais cedo essas mesmas estruturas hão-de ceder e desabar sobre si mesmos quando não mesmo sobre os próprios inquilinos, resolvendo-se de uma só assentada um “problema” aparentemente irresolúvel.

Ora, certamente para angustia de alguns proprietários, a matéria de que são feitas algumas estruturas assemelha-se a alguns humanos que apesar da idade parecem quer “recusar-se” a morrer, contrariando a lei natural das coisas ou mesmo o principio de matriz religiosa de que se do pó viemos ao pó retornaremos mais tarde.

Nessa altura, só uma espécie de justiça divina ditada pelos homens parece poder “acelerar” este processo, dela resultando mais ou menos frequentes exemplos de cataclismos de natureza idêntica àquela que traçou o destino das cidades de Sodoma e Gomorra, ainda que os “pecados” neste caso sejam substancialmente distintos.

Tudo isto se passa ao longo de gerações de legisladores que seja por incapacidade de gerir equitativamente esta matéria no plano legal quer seja pela tendência recorrente de querer agradar a “gregos e a troianos”, arrastou sempre para data incerta a resolução do problema, mesmo que inicialmente – como quase sempre acontece – se façam “juras” nesse sentido, porventura mais eivadas de um misto de boa vontade e demagogia do que de uma plena convicção.

Desconheço em qual das duas categorias a nova lei das rendas se integra, sendo certo que (aparentemente) uns - os rendeiros - terão ficado mais agradados com o seu conteúdo do que outros - os arrendatários - facto que me permite concluir que, sem prejuízo da avaliação dos resultados práticos da referida nova lei, não será certamente esta a última vez que ouviremos falar deste assunto. Assim vão as cousas.


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