domingo, 19 de agosto de 2012

Época de saldos


Durante o primeiro mandato do anterior Governo foi criado um programa na área do ensino que foi, na ocasião, intitulado de Novas Oportunidades.

Tal como o nome indicava, o objectivo deste programa era o de proporcionar o alargamento do referencial mínimo de formação até ao 12º ano de escolaridade, a todos aqueles que por qualquer motivo não tiveram ocasião de aceder a tal nível de ensino no momento próprio, independentemente da idade actual.

O objectivo era o de fazer coincidir o nível de escolaridade às competências profissionais desenvolvidas ao longo da denominada “vida activa” por parte de um adulto ou, no caso dos jovens, retomar a via do ensino anteriormente interrompido, ou conforme é comum dizer-se, combater o abandono escolar precoce.

Desta forma e de acordo com o “espirito” desta iniciativa, aprofundar-se-iam as qualificações profissionais de onde resultaria, presume-se, uma melhor situação laboral para quem já se encontrava nessa situação, ou a abertura de novos horizontes a quem pretendesse aceder a uma determinada profissão.

Com a mudança de Governo, e tal como normalmente sucede nestas ocasiões, (quase) tudo aquilo que surge como rotulado de iniciativa do executivo anterior é, sem distinção do respectivo mérito, questionado e colocada em causa na sua própria continuidade ou, pelo menos, o modelo até aí seguido.

Esta realidade acentua-se de forma ainda mais evidente em momentos de crise profunda, em que importa - dizem-nos - reduzir a despesa do Estado.

Normalmente sucede que a melhor forma de justificar qualquer decisão radical relativamente a estas iniciativas é o de promover a sua descredibilização, o que se veio a verificar no caso vertente das ditas “Novas Oportunidades”.

Neste capítulo, as principais críticas produzidas no contexto atrás assinalado foi o do custo excessivo do programa face aos resultados práticos do mesmo mas, ao mesmo tempo, a transmissão de uma convicção que esta iniciativa teria poder detrás das propaladas boas intenções, uma descarada manifestação de “facilitismo” escolar.

A referida convicção partia da percepção que desta iniciativa não resultaria qualquer mais-valia curricular, configurando unicamente uma “bandeira” propagandística pela qual se pretendia afirmar ao país e aos nossos parceiros que, pelo menos no que se refere ao ensino, Portugal se situaria ao nível dos países com mais qualificações curriculares.

Em causa estaria a “facilidade” com que a equivalência ao nível de ensino pré-universitário seria obtida, na medida em que não seria exigido ao formando uma base de ensino minimamente comparável com aquele que normalmente é exigido a quem segue o percurso estudantil dito “normal”.

Associado a esta “desconfiança” tem igualmente vindo a ser questionada a actuação das instituições do denominado ensino recorrente, em função das notas médias obtidas nas diferentes disciplinas que são, com uma estranha frequência, normalmente consideravelmente superiores às obtidas nos estabelecimentos de ensino regular.

Sendo o propósito e objectivo do ensino recorrente semelhante ao que emanava das Novas Oportunidades, parece resultar desta indisfarçável diferença de tratamentos uma aparente perversão no que se refere ao princípio de igualdade de tratamento que, curiosamente, quer as Novas Oportunidades quer o ensino recorrente pretenderiam fomentar.

Mais recentemente e à luz do “caso” envolvendo o Ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares, o foco da atenção mediática, para além das circunstâncias especificas envolventes a este processo em particular, trouxe a público uma certa lei das Equivalências que, no essencial, permite abreviar o tempo e duração de um curso superior, em função das competências profissionais apresentadas pelos candidatos a licenciados nessas circunstâncias.

O resumo que entendo dever extrair-se destas três situações concretas é o desenvolvimento de uma certa noção de desvalorização do papel da escola e da universidade na formação dos indivíduos, na vertente da sua personalidade e, fundamentalmente, no domínio do Conhecimento.

E é precisamente este último aspecto que entendo podermos estar a “caminhar” a passos largos para uma profunda relativização do seu alcance e importância, como se para se chegar a um determinado fim se pudesse simplesmente ignorar os meios.

Não estão sequer em causa as eventuais competências profissionais de quem aspira a ter o 12º ano ou mesmo um curso superior. Está, isso sim, em causa a importância dos “caminhos” do Conhecimento como forma de complementar essas mesmas competências.

Numa época em que tanto se apregoa a importância da competitividade das empresas não é certamente possível nem aceitável a promoção de uma “política” de facilitismo que a própria lei parece institucionalizar, através dos mecanismos como os atrás referidos.

Bem pelo contrário, o atalhar de caminho no percurso de ensino, básico ou superior, será certamente o “veículo” para uma redução da capacidade de nos dotarmos das “ferramentas” necessárias a uma independência perante aqueles que optaram por investir na sua própria formação ao mesmo tempo que o faziam nas respectivas carreiras. Assim vão as cousas.

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