No tempo em que os animais falavam havia,
algures por esta terra, uma família de lobos que organizados de forma não
temporalmente datável, faziam a sua vida em plena harmonia e comunidade
Não se pense, contudo, que tal família
identificava necessariamente um nexo sanguíneo comum, que define em qualquer
circunstância aquilo a que se designou chamar de relações de parentesco.
É certo que, de entre os elementos desta
alcateia – assim se convencionou chamar aos grupos de lobos – alguns descendiam
de uma linhagem comum, situação que não era, contudo, extensível aos restantes
membros, cada um deles proveniente outras linhagens de canídeos.
Neste grupo eram facilmente reconhecíveis
os respectivos lideres, tal era a sua habilidade e competência para a gestão
dos destinos dos restantes lobos, mas igualmente pela inteligência com que, no
dia-a-dia, dirigiam a sua comunidade e planeavam a respectiva subsistência.
Como é usual em qualquer alcateia, também
nesta haviam aqueles que eram manifestamente mais fracos ou cujas
características os tornavam indistintos do restante grupo, não sendo dessa
forma aqueles que poderiam, bem vistas as circunstâncias, poder um dia qualquer
futuro, aspirar à liderança dos demais ou sequer constituir uma ameaça aos
actuais detentores desse cargo.
No entanto, não é menos certo que esta
característica individual não lhes retirava o mérito relativamente às suas
tarefas no seio desta comunidade nem tão pouco reduzia a sua importância
relativa face aos demais e, por isso mesmo, eram por eles respeitados.
Não sendo, conforme já se viu, previsível
a substituição dos lideres da alcateia, tal não implica, contudo que, não
obstante a sua posição inquestionável pelos demais, não houvesse
quem, entre a alcateia, tivesse aspirações a pertencer a esse núcleo restrito,
partilhando dessa forma a liderança do Grupo.
Estes elementos, de reduzido número,
“alimentavam” essa expectativa adoptando um comportamento de proximidade
relativamente aos líderes, mas assumindo igualmente uma postura de “arrogância”
e “sobranceria” (predicados humanos perfeitamente aceitáveis numa fabulação)
perante os seus pares, à força da convicção que a proximidade com os chefes da
alcateia de alguma forma tal actuação estaria legitimada ou a mesma
corresponderia ao comportamento que o obrigaria os demais a aceitá-los como tal.
De entre esse núcleo de lobos havia um
que claramente se destacava dos demais pela forma como impunha a sua firme
vontade de marcar posição de liderança, algo que de forma mais ou menos
evidente era “validada”, por omissão, pelos verdadeiros chefes da alcateia, mas
que ainda assim não o transformava num verdadeiro líder.
Certo dia o grupo recebeu um novo lobo
vindo de uma outra alcateia e que rapidamente se integrou com os demais
assumindo as funções que normalmente estão destinadas a cada um dos respectivos
membros, isto é, contribuir conjuntamente com os restantes para garantir
melhores e mais eficazes caçadas.
O rápido entrosamento deste novo lobo e a
capacidade para caçar que foi revelando com o tempo, aumentaram a sua
credibilidade quer junto dos restantes lobos quer perante os chefes da
alcateia, que nele reconheciam a sua competência, confiando-lhe cada vez mais
responsabilidades no grupo, ao que o próprio procurava corresponder com o
melhor das suas capacidades.
Contudo, tal situação não era extensível
a todos os elementos da alcateia, pois entre eles havia um, o tal que se
comportava como um líder sem o ser, que conspirava sucessivamente contra o novo
membro, procurando junto de outros lobos menosprezar a sua importância.
Não era certo o motivo pelo qual o fazia,
pois não haveria sequer a percepção de se encontrarem ambos a lutar pela
liderança da alcateia, nem tão pouco qual o objectivo de tal comportamento, mas
ciclicamente o novo lobo ficava conhecedor de novas investidas contra si, mais
dignas de uma raposa, reconhecidamente mais matreira do que o lobo.
A tudo isto o novo lobo procurava
responder com a indiferença que apenas a sensação de um trabalho bem feito pode
conferir, não deixando de participar nas caçadas e nos objectivos de
subsistência geral da alcateia que, afinal de contas, era agora a sua.
Mas essa indiferença não era tanta que
impedisse a percepção clara de que a sua presença na alcateia não era desejada
de igual modo por todos os outros lobos, podendo mesmo concluir-se que seria
até indesejada por aparentemente constituir uma “ameaça” de contornos pouco
nítidos.
Sabendo o novo lobo que a eficácia da
alcateia está dependente de todos os seus membros caçarem de forma organizada e
com um mesmo objectivo parece-lhe difícil reconhecer que exista no seu grupo
quem deseje para si uma má caçada.
A verdade é que ambos se encontram numa
encruzilhada, que só confluirá quando todos os membros da alcateia
interiorizarem que, da maior ou menor união do grupo, dependerá a sua própria
sobrevivência. Assim vão as cousas.
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