domingo, 19 de maio de 2013

Lobo mau: Uma fábula canídea



No tempo em que os animais falavam havia, algures por esta terra, uma família de lobos que organizados de forma não temporalmente datável, faziam a sua vida em plena harmonia e comunidade

Não se pense, contudo, que tal família identificava necessariamente um nexo sanguíneo comum, que define em qualquer circunstância aquilo a que se designou chamar de relações de parentesco.

É certo que, de entre os elementos desta alcateia – assim se convencionou chamar aos grupos de lobos – alguns descendiam de uma linhagem comum, situação que não era, contudo, extensível aos restantes membros, cada um deles proveniente outras linhagens de canídeos.

Neste grupo eram facilmente reconhecíveis os respectivos lideres, tal era a sua habilidade e competência para a gestão dos destinos dos restantes lobos, mas igualmente pela inteligência com que, no dia-a-dia, dirigiam a sua comunidade e planeavam a respectiva subsistência.

Como é usual em qualquer alcateia, também nesta haviam aqueles que eram manifestamente mais fracos ou cujas características os tornavam indistintos do restante grupo, não sendo dessa forma aqueles que poderiam, bem vistas as circunstâncias, poder um dia qualquer futuro, aspirar à liderança dos demais ou sequer constituir uma ameaça aos actuais detentores desse cargo.

No entanto, não é menos certo que esta característica individual não lhes retirava o mérito relativamente às suas tarefas no seio desta comunidade nem tão pouco reduzia a sua importância relativa face aos demais e, por isso mesmo, eram por eles respeitados.

Não sendo, conforme já se viu, previsível a substituição dos lideres da alcateia, tal não implica, contudo que, não obstante a sua posição inquestionável pelos demais, não houvesse quem, entre a alcateia, tivesse aspirações a pertencer a esse núcleo restrito, partilhando dessa forma a liderança do Grupo.

Estes elementos, de reduzido número, “alimentavam” essa expectativa adoptando um comportamento de proximidade relativamente aos líderes, mas assumindo igualmente uma postura de “arrogância” e “sobranceria” (predicados humanos perfeitamente aceitáveis numa fabulação) perante os seus pares, à força da convicção que a proximidade com os chefes da alcateia de alguma forma tal actuação estaria legitimada ou a mesma corresponderia ao comportamento que o obrigaria os demais a aceitá-los como tal.

De entre esse núcleo de lobos havia um que claramente se destacava dos demais pela forma como impunha a sua firme vontade de marcar posição de liderança, algo que de forma mais ou menos evidente era “validada”, por omissão, pelos verdadeiros chefes da alcateia, mas que ainda assim não o transformava num verdadeiro líder.

Certo dia o grupo recebeu um novo lobo vindo de uma outra alcateia e que rapidamente se integrou com os demais assumindo as funções que normalmente estão destinadas a cada um dos respectivos membros, isto é, contribuir conjuntamente com os restantes para garantir melhores e mais eficazes caçadas.

O rápido entrosamento deste novo lobo e a capacidade para caçar que foi revelando com o tempo, aumentaram a sua credibilidade quer junto dos restantes lobos quer perante os chefes da alcateia, que nele reconheciam a sua competência, confiando-lhe cada vez mais responsabilidades no grupo, ao que o próprio procurava corresponder com o melhor das suas capacidades.

Contudo, tal situação não era extensível a todos os elementos da alcateia, pois entre eles havia um, o tal que se comportava como um líder sem o ser, que conspirava sucessivamente contra o novo membro, procurando junto de outros lobos menosprezar a sua importância.

Não era certo o motivo pelo qual o fazia, pois não haveria sequer a percepção de se encontrarem ambos a lutar pela liderança da alcateia, nem tão pouco qual o objectivo de tal comportamento, mas ciclicamente o novo lobo ficava conhecedor de novas investidas contra si, mais dignas de uma raposa, reconhecidamente mais matreira do que o lobo.

A tudo isto o novo lobo procurava responder com a indiferença que apenas a sensação de um trabalho bem feito pode conferir, não deixando de participar nas caçadas e nos objectivos de subsistência geral da alcateia que, afinal de contas, era agora a sua.

Mas essa indiferença não era tanta que impedisse a percepção clara de que a sua presença na alcateia não era desejada de igual modo por todos os outros lobos, podendo mesmo concluir-se que seria até indesejada por aparentemente constituir uma “ameaça” de contornos pouco nítidos.

Sabendo o novo lobo que a eficácia da alcateia está dependente de todos os seus membros caçarem de forma organizada e com um mesmo objectivo parece-lhe difícil reconhecer que exista no seu grupo quem deseje para si uma má caçada.

A verdade é que ambos se encontram numa encruzilhada, que só confluirá quando todos os membros da alcateia interiorizarem que, da maior ou menor união do grupo, dependerá a sua própria sobrevivência. Assim vão as cousas.

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