Dando cumprimento à promessa de, volta e meia, deixar fugir o roteiro para
fora da cidade de Lisboa sem, contudo, tanto dela nos afastarmos ao ponto de
"obrigar" a pernoitar em tal local, seguimos agora até Setúbal, terra
banhada pelo rio Sado do qual se separa em pleno oceano, tendo a península de Troia
de um lado e a serra da Arrábida do outro.
Ora é precisamente em plena serra da Arrábida que se situa um dos locais
mais enigmáticos para muita gente tal como o era para mim próprio, por se
tratar de um local que quase todos conhecem ao longe a partir do miradouro do
qual se vislumbra todo o espaço que a que me refiro, mas que poucos conhecerão
por dentro.
Refiro-me ao convento da Arrábida e a razão pela qual este local místico parece inacessível a quem por ali passa reside no facto de se encontrar sempre fechado.
Por isso mesmo o "processo" de visita requere uma preparação prévia que pode revelar-se um pouco surreal.
Oficialmente o convento da Arrábida pertence à fundação Oriente e, à
partida, será através do respectivo site que se procede à marcação das visitas
guiadas ao local. Contudo, rapidamente se percebe que "não
oficialmente" parece haver um outro "dono" do espaço, uma figura
de carne e osso, por sinal a única pessoa que há vários anos habita em total
isolamento o espaço do convento, como tantos outros, ainda que usando a
vestimenta de monges, o fizeram.
Com tal enquadramento o melhor mesmo é arranjar um grupo considerável de
amigos ou familiares
que nos acompanhem aproveitando dessa forma a
"benesse" de, durante uma hora e pouco, termos a possibilidade de
aceder ao espaço do convento.
A verdade é que vale bem a pena fazê-lo e sempre fica qualquer coisa para contar mais tarde.
É aí, na cidade, que vamos encontrar outros dois locais cuja visita será
obrigatória ou, pelo menos, recomendável.
O primeiro desses locais corresponde ao Museu do Trabalho Michel Giacometti,
um daqueles estrangeiros a quem Portugal muito deve, ainda que essa consciência
seja hoje bem mais real do que durante a vida desta personagem que se apaixonou
por este país ao ponto de ter dedicado boa parte da sua vida à pesquisa
etnográfica de gentes, tradições, profissões e, com especial relevo, uma
recolha sonora dos sons desta terra, património imaterial de Portugal, cuja
reprodução nos dias de hoje é praticamente impossível por ter deixado de ser herdada
entre as sucessivas gerações, razão pela qual ouvir entoar certos cantares
equivale quase a ver imagens passadas de um qualquer animal extinto.
Este é um local especialmente focado no ensino de diversas artes e
ofícios desaparecidos (ou a caminho de tal....) e, por isso mesmo, é
não raras vezes visitado por escolas da região.
E se este roteiro começou por um convento assim há-de terminar noutro, de características
e traços bem distintos e sem necessidade de marcação prévia ou de nos submeter
ao Ius Imperium do seu improvável "guardador".

Sempre me habituei a passar por este local e tristemente constatar que quase
sempre se encontrava encerrado, situação a que não seria indiferente o estado
de conservação exterior que se presume fosse replicado para o interior.
E era de facto uma pena porque a traça arquitetónica vincadamente Manuelina
traz-nos à imagem qualquer coisa que é possível vislumbrar noutros locais de
relevância histórica incontornável, desde logo a Torre de Belém ou o Mosteiro
dos Jerónimos, ou ainda o convento de Cristo em Tomar e o Mosteiro da Batalha,
ainda que com uma dimensão consideravelmente mais modesta.
Aberta a porta anteriormente franqueada e recuperado o seu esplendor a
Igreja e Convento de Jesus em Setúbal são dois espaços imperdíveis, sendo que a
parte do convento encerra um núcleo museológico bastante interessante,
incluindo peças que existiam na Igreja e convento original, embora se note que
ainda exista no seu interior uma vasta área para "explorar", isto é,
sem qualquer uso ou finalidade percetível.
Roteiro sem gastronomia não é roteiro, algo que não se apresenta como tarefa
fácil em Setúbal tão grande é a variedade e a qualidade da oferta.
Mas como a vida é feita quase sempre de escolhas então que assim se conserve e, por isso mesmo, se a escolha for pelo peixe fresco então o pequeno restaurante O Batareo, situado na entrada sul da cidade é a escolha ideal, se a opção recair pelo prato "tradicional" de Setúbal, o famoso choco frito, então no extremo oposto, mesmo à entrada da serra da Arrábida, podemos encontrar e escolher sem receios o restaurante Leo do Petisco, se bem que a probabilidade de existirem longas filas de espera seja altamente provável se a hora do repasto coincidir com aquela que habitualmente o comum dos mortais entendeu designar de "hora de almoço" ou "hora de jantar".
A qualidade da opção justifica, ainda assim, a espera.
Os roteiros hão-de continuar em 2017.
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