domingo, 8 de junho de 2014

O fim do sonho

Muito sem tem dito e escrito a propósito do resultado das últimas eleições europeias, seja ao nível interno seja ao nível dos países-membros da União Europeia e, de um modo geral, parece ser notório o sentimento de preocupação relativamente à grande conclusão que é possível tirar desses mesmos resultados, ou seja, a ascensão "meteórica" dos denominados partidos "euro cépticos" e dos partidos extremistas, sejam eles de direita ou esquerda.

Sobre este tema a minha conclusão é simples: as eleições do passado dia 25 de Maio ditaram o inicio do fim da União Europeia tal como a conhecemos, restando apenas saber que Europa "existirá" quando novamente os europeus forem chamados a um novo escrutínio daqui a 5 anos.

Aquilo que parece, contudo, continuar ausente das preocupações assumidas pelos principais lideres europeus é perceber a "natureza" do sentido de voto - e foram tão poucos os que o fizeram - em quase todos os territórios e tal só se compreenderá porque parte da insatisfação reside precisamente na actuação desses mesmos líderes.

Por isso mesmo a conclusão de natureza eminentemente pessimista sobre o futuro da Europa reside numa dupla perspectiva que, como tantas vezes sucede, remete para uma causa e uma consequência, ou seja, a segunda é a razão directa da primeira.

A causa maior que é possível retirar resulta do comportamento das instituições europeias e dos governos de cada um dos estados na gestão da crise financeira de 2008 e os efeitos devastadores globais da mesma mas que, de um modo geral, parece ter sido ultrapassada de forma mais célere um pouco por todo o lado do que na União Europeia, precisamente o espaço onde supostamente estariam criadas as condições para que sucedesse precisamente o oposto.

Não foi, contudo, esse o resultado, e num ápice a crise financeira tornou-se numa crise de dívida pública, originando a quase impossibilidade de pagamento ou refinanciamento dessa mesma dívida sem a ajuda de terceiros, levando à necessidade de intervenção externa por parte de um triunvirato de credores que haverá de ficar conhecido para sempre como "troika".

A incapacidade de resposta imediata da União Europeia só teve uma forma de reacção a partir de 2010 quando se tornou evidente que o denominado "efeito de contágio" haveria, mais tarde ou mais cedo, de atingir as mais importantes economias europeias, tornando inviável a manutenção do Euro.

Sucede, porém, que a "cura" encontrada foi a aplicação de medidas de austeridade generalizada - com especial incidência nos países intervencionados - levando a um crescimento da sensação de insatisfação das populações, uma vez que tais medidas incidiam especialmente sobre o denominado "estado social".

Essa insatisfação foi o resultado "natural" do aumento exponencial do desemprego, ausência de investimento fruto de uma redução brutal do consumo, elevadas restrições ao crédito por via das elevadas perdas do sector bancário, entre muitas outras consequências altamente lesivas do bem-estar dos cidadãos, algo que pareceria impensável num espaço que, afinal de contas, deveria ser de União e, sobretudo, um espaço solidário.

Este efeito associado à fragilidade da Comissão Europeia (e do seu presidente), da aparente inacção do Parlamento Europeu e a inquestionável ausência de uma politica comum para as principais questões e conflitos fora do espaço europeu, criaram um "caldeirão" que tem historicamente o mesmo resultado e que, na prática, se traduz na consequência inicialmente referida.

A instabilidade política e as situações de insatisfação social devido ao aumento do desemprego e dos níveis de pobreza foi sempre o "campo fértil" para o ressurgimento de movimentos populistas que se apresentam normalmente no lado oposto ao poder "tradicional", não por via de um programa político consistente mas precisamente por colocarem a incidência do seu discurso contra esse mesmo poder, mas não só.

Centram igualmente a sua acção politica no ataque a questões como a emigração, retomando a "lógica" do inimigo comum que se sabia existir mas a quem não se conhecia (ou se quis ignorar) a força que poderia passar a ter numa circunstância como a actual.

As mais recentes medidas políticas tomadas pelas líderes da UE e, em especial, do BCE, contribuíram uma uma retoma económica que tarda em reflectir-se na realidade do cidadão europeu e, por isso mesmo, os seus eventuais efeitos positivos não se reflectiram de forma alguma na altura de votar.

Porque é que então o futuro da União Europeia está comprometido? Simplesmente porque por um lado deixou de haver uma maioria clara que eleja um líder forte e carismático para a Comissão Europeia nos próximos 5 anos e, por outro, não é sustentável uma lógica de união quando uma parte substancial dos deputados eleitos se auto-denomina anti-União Europeia.

O que seguirá será a necessidade de intervenção imediata da Comissão Europeia, que agora surge a falar abundantemente de combate ao desemprego, na resolução dos problemas sociais criados pelas políticas de austeridade face ao "peso" crescente da ala extremista no Parlamento Europeu que centrará precisamente o seu discurso na denuncia desses mesmos problemas.

O "resultado" desta equação ditará não apenas a viabilidade futura da União Europeia mas, mais relevante ainda, a manutenção da paz na própria Europa, porque a última coisa que podemos esquecer é que o último grande conflito mundial surgiu precisamente após uma crise económica da qual resultou a ascensão dos extremismos. Nada de novo, portanto. Assim vão as cousas. 

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