domingo, 10 de novembro de 2013

Publicidade enganosa


Num curto espaço de tempo os portugueses foram confrontados com duas notícias que nada tendo, em abstracto, uma a ver com a outra são, de acordo com a minha interpretação, causa e consequência de uma mesma temática, ou seja, o desemprego em Portugal.

Num primeiro momento conheceu-se a decisão do Tribunal Constitucional (TC) que, com uma considerável distância em relação ao pedido de fiscalização, chumbou algumas normas do Código de Trabalho relacionadas com a extinção do posto de trabalho, com o despedimento por inadaptação e com a sobreposição da lei em relação aos contratos colectivos no que respeita ao descanso compensatório e à majoração das férias.

O TC considerou que as normas analisadas violavam a proibição de despedimentos sem justa causa, o direito dos sindicatos à contratação e ainda a norma que determina que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias “nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Mais recentemente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tornou público um relatório – arrasador, diga-se – para a situação laboral em Portugal em que, desde o início da crise em 2008, se perdeu um em cada sete empregos, com especial enfoque entre os trabalhadores jovens e as famílias com crianças pequenas.

Ora, a parte em que ambos os temas coincidem é que o relatório da OIT centra uma parte substancial da sua análise às mudanças introduzidas no Código de Trabalho que, entre outras questões, procurava promover acordos ao nível da empresa, entre os empregadores e os trabalhadores, sendo que – paradoxalmente – o que tem verificado é precisamente uma redução geral da cobertura das convenções colectivas.

A consequência directa desta redução é, por conseguinte, o aumento da pressão para a redução dos salários que tem, conforme é público e notório, um efeito directo na contracção da procura interna.

Acontece que a solução para esta questão é, necessariamente, de natureza política, nomeadamente na definição das denominadas “políticas de promoção do emprego, que deverão criar e facilitar as necessárias condições para que os desempregados voltem a trabalhar, incluindo (conforme refere a OIT) por via da melhoria dos salários (incluindo o salário mínimo nacional) e das condições de trabalho que estimulam o crescimento da produtividade e, a médio prazo, a recuperação do emprego.

Neste aspecto a OIT não se limita a enunciar os princípios gerais necessários à inversão do actual panorama, sugerindo medidas para alcançar esse desiderato, destacando, em particular, o aumento das despesas com medidas activas do mercado de trabalho.

O efeito directo desse investimento seria, no imediato, o aumento da despesa pública e do deficit fiscal. Contudo, a redução do desemprego terá um efeito positivo num segundo momento com a redução das despesas com o subsídio de desemprego e, por arrastamento, o aumento da colecta de impostos directos sobre o rendimento sem que tal resulte, como até aqui se tem verificado, pelo aumento dessa mesma carga fiscal.

Não tem sido, contudo, esse o entendimento e orientação do Governo que, à luz do princípio da rápida redução do deficit público enveredou por uma política de cortes nos salários e nas prestações sociais, combinados com certos aumentos fiscais, do qual não poderia resultar outra coisa que não fosse a diminuição dos rendimentos das famílias e da procura interna e, por arrastamento, dos lucros das empresas.

Talvez por isso mesmo não pareça haver um grande “entusiasmo” na actual tendência para a redução da taxa de desemprego, seja pelo facto das perspectivas continuarem assustadoramente negativas – o orçamento de Estado para 2014 prevê uma taxa de desemprego de 17,7% - mas também pela convicção que essa redução não se deve ao aumento do emprego.

Deve-se, acima de qualquer outro factor, à forte redução da população activa em Portugal fruto da conjugação do efeito da emigração e do abandono – puro e simples – do objectivo de “arranjar emprego”, ou seja e em termos concretos, a redução do número de desempregados nos centros de emprego é consideravelmente inferior ao número de pessoas que nesse mesmo período perdem o respectivo emprego (*).

Para que se perceba exactamente o alcance práctico deste “cenário”, poder-se-á admitir que teoricamente e num futuro não muito distante, a taxa de desemprego seja nula pelo efeito da ausência de população activa, simplesmente porque seremos demasiado novos ou demasiado velhos para trabalhar. Assim vão as cousas.

(*) No terceiro trimestre deste ano foram registados menos 34,3 mil portugueses desempregados, mas o número de postos de trabalho destruídos nestes três meses foi de 102,7 mil (fonte: INE). 

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