Diz a tradição que encontrar um trevo-de-quatro-folhas é sinal de boa sorte, porventura associado ao facto se tratar daquelas "anomalias" da natureza na medida em etimologicamente um trevo, isto é, "três folhas" não pode (ou não deve) ter "quatro folhas" e manter ainda assim o mesmo nome, como de facto acontece.
Mas de onde surge, afinal, este aparentemente inusitado interesse sobre o mundo das plantas?
Resulta do facto da tradição a que me refiro ser uma tradição Celta, ou seja, aqueles mesmos que actualmente reconhecemos por República da Irlanda e que se preparam para completar em 15 de Dezembro próximo o respectivo programa de ajustamento, dispensando qualquer nova forma de ajuda externa, seja ela em forma de resgate ou de "programa cautelar", mesmo não se percebendo bem qual a diferença entre as duas.
Ora, de acordo com a minha perspectiva e contrariamente ao que algumas "vozes" do Governo e dos partidos que o suportam, a decisão da Irlanda é, infelizmente, uma má notícia para Portugal, curiosamente também na semana onde o país saiu da denominada "recessão técnica" ainda que em termos homólogos, isto é, naquilo que é verdadeiramente comparável, se perceba que o PIB contraiu de facto 1%, ou dito de outra forma menos "simpática", a economia portuguesa continua a destruir riqueza.
Perguntar-me-ão - e com toda a justiça - porque é que a boa notícia da Irlanda é uma má noticia para Portugal?
Fundamentalmente porque Portugal desde cedo entendeu ser de toda a conveniência para si próprio "colar-se" à Irlanda por oposição à "colagem" que tendencialmente se ia fazendo de que haveria mais factores de coincidência entre a realidade portuguesa e o desastre grego do que com os mais do que evidentes sinais de que, passo a passo, a Irlanda lá ia recuperando a sua economia.
Acontece que essa colagem não é sequer intelectualmente honesta, porque em momento alguma o "processo" irlandês foi comparável com o "processo" português, na mesma medida em que existem muito mais factores que distanciam os dois países do que aqueles que os aproximam.
Desde logo a crise Irlandesa tem a sua origem numa crise bancária, fruto de uma excessiva exposição a produtos financeiros baseados no "sub-prime" dos EUA facto que, tal como sucedeu noutras "paragens", haveria mais tarde de expor as fragilidades do sistema financeiro irlandês o que a partir do inicio da crise financeira internacional em 2008.
Por esse mesmo facto a intervenção da "troika" centrou-se na reestruturação do sistema financeiro, através da recapitalização dos bancos, ainda que, tal como em Portugal, os contribuintes tenham sido "chamados" a suportar uma parte dos custos.
Importa, contudo, ter presente que o PIB irlandês cresceu em média 5,5% ao ano, entre 1987 e 2007 e que, por exemplo o investimento directo estrangeiro em sectores tecnológicos era 10 vezes superior ao da União Europeia em 2003, resultando de uma estratégia de "troca" entre entre uma politica de contenção salarial por baixos impostos.
Não era este o "cenário" em Portugal que, diga-se, não estava sequer exposto ao sub-prime, mas onde os sinais da crise são de certa forma coincidentes com o momento da adesão à moeda única, assente num modelo económico que privilegiava os denominados bens não transacionáveis e uma forte dependência do crédito externo e, por fim, uma politica de investimentos públicos de reduzida eficiência.
A "reboque" da crise financeira internacional de 2008 e da subsequente flexibilização das metas do déficit público assistiu-se durante o ano seguinte a um forte investimento público que teve como consequência uma "desconfiança" dos (quase) sempre atentos mercados relativamente à sustentabilidade da divida soberana portuguesa, situação que haveria de agravar-se por via do que já então se passava na Grécia.
Também aqui o programa de assistência financeira a Portugal foi totalmente distinto do que haveria de ser "desenhado" para a Irlanda, tendo como objectivo a consolidação orçamental que haveria de ser feita, quase em exclusivo, à custa do aumento de impostos (solução mais rápida) em detrimento da contenção da despesa pública (solução mais demorada), do qual resultou o efeito conhecido de aprofundamento da recessão, com o inevitável aumento do desemprego e da emigração.
Tudo o resto é conhecido e demasiado complexo para "caber" em tão breves linhas, mas o que é hoje demasiado evidente é que o modelo da "troika" para Portugal é contraditório em si mesmo, pois ao gerar maior recessão determina a diminuição da receita só passível de ser compensada por novos aumentos de impostos e de outras forma de contribuição o que, provavelmente, aprofundará essa mesma recessão.
Talvez por isso mesmo e certamente por outros motivos a Irlanda que, diga-se, tem cerca de metade da população portuguesa e um salário mínimo três vezes superior ao português, estará hoje em dia a financiar-se nos "mercados secundários" a dez anos com um taxa de juro de 3,5% ao passo que Portugal, para esta mesma maturidade, se está a financiar pagando um juro acima de 6%.
Em suma, percebe-se que Portugal "veja" na Irlanda um modelo a seguir, mas a realidade diz-nos que, muito provavelmente, vamos ter de continuar a procurar o nosso "trevo-de-quatro-folhas" por mais algum tempo, sem se saber bem até quando. Assim vão as cousas.
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