domingo, 27 de outubro de 2013

O jogo do faz de conta



Na (quase) interminável saga do improvável herói da escritora J.K. Rowling - o feiticeiro Harry Potter - quando os jovens estudantes das artes de feitiçaria se referiam ao principal vilão do enredo nunca o faziam pelo seu próprio nome, com receio dos males que daí adviriam para os próprios ao evoca-lo.

Ora, esta forma de abordar um assunto quase tabu é, no essencial, uma forma de diplomacia, uma vez que revela um uso formal de um determinado tom com o objectivo claro de não causar danos colaterais ou uma situação de evidente incómodo para as partes directamente envolvidas.

Por isso mesmo, não me resta outra possibilidade que não seja de utilizar este mesmo expediente para, através das linhas seguintes, abordar um tema “na ordem do dia”, socorrendo-me precisamente das mesmas “ferramentas” que os jovens feiticeiros utilizavam para não causaram prejuízos a eles próprios.

Falo, em concreto, de um determinado país africano que não deve ser nomeado que decidiu unilateralmente e sem uma justificação compreensível pela generalidade das pessoas suspender a “parceria estratégica” com Portugal.

Ao fazê lo dessa forma criou uma evidente situação de mau estar nos seus parceiros – pelo menos até essa data – e, como não podia deixar de ser, “alimentou” uma série de suspeitas sobre a verdadeira natureza de uma tal decisão, a qual não pode deixar de se considerar como gravosa para os interesses de Portugal numa altura em que o investimento estrangeiro é um dos motores da estratégia de recuperação da nossa economia.

Tais rumores surgem essencialmente em resultado de uma determinada posição assumida pelo ministro dos negócios estrangeiros português durante uma visita ao país que nós sabemos que gerou uma “onda” de reacções por parte dos partidos da oposição mas igualmente por parte da própria magistratura, fruto da convicção que tal posição não apenas configurava uma evidente submissão da soberania portuguesa mas, sobretudo, uma intromissão grave do poder politico na esfera do seu poder “gémeo”, isto é, o poder judicial, em clara violação do principio da separação de poderes.

Na base do referido pedido de desculpas estará então – ao que parece – umas investigações em curso em Portugal sobre personalidades ligadas ao governo do país cujo nome não deve ser pronunciado e que, pela proximidade às cúpulas de poder e em função do interesse “estratégico” de ambos os países deveriam, aparentemente, beneficiar de uma presuntiva imunidade.

Sucede, porém, que as sociedades democráticas não funcionam bem assim e, por isso mesmo, percebe-se que estes valores são facilmente confundíveis em países como aquele que nós sabemos, onde vigora para todos os efeitos um sistema que apenas na aparência é democrático, dominado por uma espécie de nepotismo de vocês sabem quem.

Este domínio tem vindo aliás e de forma progressiva a estender-se – qual polvo - para dentro de outros países (incluindo, naturalmente, Portugal), sob a força incontornável do respectivo poderio financeiro e das suas riquezas naturais, ainda que dessa força não resulte a nível interno uma qualquer melhoria do seu próprio bem-estar social mas, pelo contrário, o agravamento da distância entre essa mesma riqueza e o desenvolvimento humano, efeito aliás comum em regimes de natureza ditatorial.

No fundo as relações diplomáticas entre os Estados de matriz democrática e quaisquer outros sem essa mesma “configuração” parecem assentar numa espécie de lógica dos “três macacos”, isto é, aqueles – para quem não sabe – que não vêm, não ouvem e não falam.

A questão é que a ausência de sentidos não altera a realidade.

O que essa realidade nos demonstra é que, pelos vistos, uma das partes da suposta parceria “estratégica” teria muito mais a perder do que a outra e, por isso mesmo, estará disposta a tudo fazer para evitar o seu fim, nem que para isso tenha de abdicar dos seus mais elementares princípios de soberania. Assim vão as cousas.

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