Recentemente revi umas
velhas películas de 8mm agora devidamente transpostas para um suporte bem mais
contemporâneo.
Essas imagens, todas
elas sem som e com uma tonalidade que claramente denunciam a sua antiguidade,
mostram bucólicas imagens familiares, espelhando – é assim que eu as vejo – um
misto de felicidade e de inocência, adequadas a qualquer infância digna do
epíteto de feliz.
Também nelas surgem os
pais dessa criança que eu era então, quais “actores” desse mesmo cenário,
isento de falhas ou de cortes próprios de uma qualquer filme que apenas junta
as partes que o realizador considera formarem um todo coerente.
Agora, na qualidade de
espectador desses momentos que haviam fugido da minha memória há (demasiado)
tempo, coloco-me na pele de quem os resgatava para a posteridade ou neles
intervêm como se de um “actor/actriz” secundário, à margem da atenção do foco principal
da câmara.
Esse deslocamento do
centro das atenções, por parte de alguém que está longe de ser o de um mero
figurante, é aquele que contém em si mesmo todas as angústias subjacentes à
dúvida sobre quais os “papéis” que virão, um dia mais tarde, a desempenhar ao
longo da vida aqueles que agora são os centros inquestionáveis da sua atenção.
É nesse momento,
perante aqueles para os quais agora não existe qualquer preocupação que pareça
afectar as suas vidas, que se colocam todas as questões sobre as decisões que
se tomam e que se tomarão e em que medida aquelas são mesmo as mais adequadas
ou se não poderiam (e deveriam) ter sido outras
A palavra-chave é,
naquele momento como no actual, o da dúvida que parte da nossa própria
incapacidade de antecipar todos os “cenários” que a vida nos reserva e, por
essa via, escolher em cada momento aquela que será considerada para sempre a
mais adequada.
É extremamente penoso
pensar-se que a partir de certo momento tal já não será mais possível, como se
uma cápsula do tempo em que se vivia até então se rasgasse definitivamente
expondo-nos a tudo aquilo que nos é exterior e que até então parecíamos
ignorar.
No fundo é como se o
que restava do cordão umbilical que nos agarrava aqueles que nos geraram e
cuidaram o mais profundamente possível se quebrasse pela segunda vez, iniciando
um afastamento progressivo que não parece nunca querer abrandar.
Resta-nos procurar
reter na nossa memória os “filmes” que em cada momento se vão “exibindo” à nossa
frente e fazer um uso de um exercício de ponderação por parte da nossa
consciência que tudo se fez ao longo do período em tal era possível para
suavizar os efeitos daquilo que, de bom e de mal, a todos nos espera.
Ao rever o conteúdo
daquelas películas, tal como eu amadurecidas pelo tempo, não posso deixar de
confidenciar o impacto profundamente comovente que as mesmas exercem sobre mim,
interpretando esse mesmo impacto como o reconhecimento que as decisões de
então, ainda que tomadas com as mesmas incertezas que hoje me “assaltam”, foram
as melhores.
Atrevo-me a pensar
(desejar?), mesmo rodeado de um sentimento de dúvida constante, que, no futuro,
aqueles que são os “actores” principais das nossas vidas, possam chegar a esta
mesma conclusão. Assim vão as cousas.
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