Um dos grandes "erros" das democracias ocidentais ao longo do século XX e nesta primeira década do século XXI foi o de olhar para União Soviética, para a China ou, mais recentemente, para boa parte dos países islâmicos à luz da sua própria noção de democracia, procurando estender a sua influência a um tal ponto que, no limite, essas mesmas noções seriam a base da refundação da base desses mesmos estados que passariam, dessa forma, a reger-se não apenas pelas "regras" da democracia económica mas igualmente, como corolário das primeiras, pelos ditames da democracia social e politica.
O "problema" de uma tal visão baseia-se, contudo, numa premissa absolutamente falível que a Europa mas sobretudo os EUA parecem não compreender, facto que se justificará plenamente pela ausência de uma verdadeira tradição histórica americana que, tendo surgido apenas "recentemente", tiveram precisamente na base da sua independência aquelas que seriam as linhas orientadoras da revolução francesa, entre outras.
Tais linhas consagravam o direito à independência e à livre escolha de cada pessoa, os direitos individuais dos cidadãos e o equilíbrio entre os diversos poderes, ou seja, o povo americano sempre se "habituou" a viver sob a "manta" de uma Constituição de matriz democrática.
Ora, nada disto foi alguma vez uma realidade no Império Russo, no "Gigante Asiático" ou no "mundo islâmico", tomando-se como exemplo para o caso vertente o fim do Império Russo que terminou em 1917 com a revolução desse mesmo ano que destronou o Czar Nicolau II na fase final da 1ª Grande Guerra, da qual resultaria a formação da URSS.
Em termos concretos, a Rússia transita de um estado de poder absoluto de um imperador autocrático (o Czar) para as mãos dos bolcheviques rapidamente "substituídos" e em grande parte eliminados após a revolução russa de 1918 que trouxe para a primeira linha da politica mundial as figuras de Lenine e mais tarde de uma dos mais "relevantes" ditadores da história da Humanidade, de seu nome Josef Estaline, responsável pela morte de um número não consensual de mortes de tão elevada que é, mas que se estima em 9 milhões de forma directa e entre 6 a 8 milhões por causa da fome.
Também após 1917 diversos Estados até então independentes foram anexados à União Soviética.
O final da segunda Guerra Mundial coincidiu com a surgimento da União Soviética como uma das super potências mundiais, nomeadamente no domínio militar, passando a dispor de um arsenal nuclear que rivalizava com o seu principal "inimigo", os EUA, mas que em termos prácticos permitia uma anulação mútua da possibilidade de uma guerra a esse nível, época que haveria de ser apelidada por isso mesmo de "guerra fria".
Do lado americano as relações com a Rússia foram sempre vistas na perspectiva não apenas da ameaça nuclear mas do ponto de vista dos perigos do prolongamento territorial da sua influência de um regime de cariz comunista, bem "visível" nalguns territórios da América central e do sul, em colónias africanas mas, sobretudo, na Europa de Leste, onde as lideranças eram exclusivamente alinhadas com a União Soviética à luz do chamado "Pacto de Varsóvia", cuja separação com o Ocidente era simbolizada por um muro que separava as duas Alemanhas ou por uma "cortina" que era visualizada como de ferro, isto é, algo que simbolicamente parecia inquebrável.
Nessa altura, o então Conselheiro de Segurança Nacional americano nas Administrações Kennedy e Johnson - Zibgniew Brezinski - haveria de chamar a Rússia de "buraco negro", não necessariamente na perspectiva cientifica que actualmente designa este fenómeno cósmico.
Os anos 80 "trouxeram" a abertura do regime pelas mãos de Mikhail Gorbachev e um desanuviamento da tensão militar com a redução do armamento mutuo de russos e americanos mas igualmente a desintegração (pacífica) da União Soviética através de um processo de independência de diversos Estados, em função da natureza cultural de cada região mas, não menos importante, tendo em conta as riquezas naturais de cada região.
Não demorou muito tempo até que um novo líder - de seu nome Vladimir Putin, curiosamente ou não um ex-agente da polícia política do antigo regime, o KGB - surgisse no meio de uma Federação que "ameaçava" desintegrar-se ainda mais.
A "receita" de Putin é relativamente "simples", isto é, aumento exponencial do progresso económico e da estabilidade política os quais, em bom rigor, residem sobre si mesmo, seja no papel de Presidente ou de Primeiro-Ministro, num processo que muitos consideram assentar uma progressiva regressão democrática, autoritarismo e uma visão de independência em relação aos EUA e da própria Europa, onde parte do território russo se integra.
Este quase regresso ao passado permitiu a Putin absorver uma enorme popularidade junto da população russa, igualmente fruto da "eliminação" (por vezes literal) da oposição interna, que parece rever-se cada vez mais na figura tutelar de um líder forte e determinado, disposto a retomar habilmente o controlo sobre a extensão da sua influência politica e militar, nomeadamente em territórios que anteriormente lhe pertenciam.
O "erro" do Ocidente foi, portanto, este, isto é, o de "pensar" que seria possível mudar a mentalidade de quem, no essencial nunca viveu em democracia nem tão pouco a base das suas fundações assentou alguma vez em princípios de tal ordem.
Por isso mesmo, constata-se com espanto e receios fundados a politica expansionista da Rússia na Crimeia ou na Geórgia e ameaça de extensão a outros territórios com a oposição internacional mas com o aparente beneplácito dos cidadãos locais, muitos deles precisamente de maioria russa.
Talvez seja então correcto admitir que Brezinski terá tido razão (antes de tempo) ao proclamar a Rússia como um "buraco negro", ou seja, aquela região do qual nada nem ninguém pode escapar. Não se diga, pois, que não fomos avisados. Assim vão as cousas.
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