domingo, 5 de fevereiro de 2012

Explicação óbvia

La Rochefoucauld dizia que a melhor maneira de sermos enganados é julgarmo-nos mais espertos do que os outros.

Esta máxima assenta que nem uma luva ao recente “episódio” envolvendo o Presidente da República, Prof. Cavaco Silva.

Não querendo debater os contornos do referido “episódio” parece-me, contudo, que o mesmo se insere numa lógica muito profunda daquela que tem sido a denominada magistratura do actual Presidente quer no primeiro mandato quer no 1º ano deste segundo.

Creio mesmo que poderá, porventura, ser até extensível a toda a década da sua governação.

Por mais que o próprio creia (ou queira fazer crer) que ninguém dispõe, no essencial, de uma memória superior a 15 dias, a verdade é que existe um elemento transversal a todos nós que resulta da análise histórica.

E aquilo que é verdadeiramente interessante nesta análise é que precisamente ela não se detém nos acontecimentos de cada momento, na medida em que quase sempre são as gerações seguintes que estudam as suas precedentes.

Este desfasamento temporal faz com que exista um período médio de um quarto de século entre qualquer facto relevante e a sua análise num contexto racionalmente estável.

Quero com isto dizer que o Prof. Cavaco Silva será “julgado” pelos suas mandatos não pela actual geração – que poderá até ter contribuído para a sua eleição e posterior reeleição – mas pelas seguintes.

E nessa ocasião a próxima geração irá avaliar é percurso político de um homem que em 40 anos de democracia exerceu cargos de governação e presidenciais durante pelo menos metade desse período.

Ainda mais interessante é que essa avaliação irá tomar em consideração que governos por si liderados, incluindo duas maiorias absolutas, tiveram lugar num contexto histórico que os egípcios descreveriam de “vacas gordas” e que a sua presidência ocorre numa fase precisamente inversa, ou seguindo a mesma perspectiva ancestral das “vacas magras”.

Se no primeiro de tais períodos o dinheiro “fresco” da Europa jorrava quase à mesma velocidade com que o país o esbanjava em betão e num emergente espírito de subsidio-dependência, já no segundo irá avaliar as consequências de uma postura de quem quer estar aquém e além dos problemas que emergiram do impacto da crise internacional e da crise da dívida soberana.

Olharemos para a linha aparentemente ténue que separa a convicção de se ser “vítima” de um estranho conceito de “força de bloqueio” posteriormente transformado numa espécie de prerrogativa presidencial sempre que uma qualquer decisão de um governo (de maioria absoluta) fosse contrária às suas próprias convicções.

Perceber-se-á então a dimensão do seu envolvimento em processos equívocos de bancos privados que funcionavam como uma espécie de fundo de maneio para um certo número de políticos saídos dos seus governos.

Seberemos em que medida é que a sua permanente referência aos seus avisos, alertas, recomendações, preocupações e outros estados de espírito poderiam ou não ter tido outro tipo de consequências se tivesse efectivamente exercido, à luz dos seus próprios poderes, a chamada magistratura de influência tantas vezes referida.

Tornar-se-á, porventura, visível que se aquele que “raramente se engana e quase nunca comete erros” não terá sido precisamente aquele que mais vezes se enganou e que mais erros cometeu, por mais que olhando para si mesmo não consiga vislumbrar alguma coisa para além do seu próprio ego.

Creio, antecipando o futuro, que não ficará famoso pelas suas gafes, mas pela necessidade repetida de justificar e esclarecer as suas próprias afirmações, desta vez já não por palavras suas mas por comunicados mais ou menos oficiais ou por parte daqueles que parecem especialmente vocacionados para o “papel” de couro encomendado para nos “ensinar” a compreender aquilo que o Prof. Cavaco Silva pretendia dizer mesmo que a todos tenha soado de forma completamente diferente.

A História é a súmula de tudo isto, o “julgamento” a que todos estaremos um dia sujeitos pelos nossos actos e omissões, expostos a uma avaliação mais ou menos injusta, mas com uma grande vantagem: não será nunca reescrita pelo próprio. Assim vão as cousas.

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