domingo, 18 de março de 2012

Dúvida razoável

As teorias da conspiração foram e presumo que assim se manterão como uma fonte pródiga de alimentação do imaginário geral que, há falta de uma explicação racional ou razoável relativamente a um determinado evento, cria a sua própria versão dos factos na tentativa de obter as respostas que faltam.

Ao longo da história ficaram célebres um conjunto de processos que levantaram questões para as quais a resposta quase nunca chegou sendo essa própria omissão a base de teorias igualmente dispersas.

Desde a morte da Cleópatra, ao assassinato do presidente Kennedy ou a queda do avião onde seguia, entre outros, o Dr. Francisco Sá Carneiro, o desaparecimento de Madeleine McCann ou a própria vida de Jesus Cristo nunca faltou “matéria” para a discussão sobre as correspondentes motivações e causas próximas para o mistério que sobrevoa estes e muitos outros casos e, sobretudo, a falta de resposta para os mesmos.

As denominadas Sociedades Secretas são, neste particular, uma fonte suficientemente rica para ser o denominador comum à discussão sobre os respectivos envolvimentos nas causas e consequências de diversos processos aparentemente insolúveis.

Na base desta presunção está a própria natureza “Secreta” de que os respectivos membros se rodeiam e da “publicidade” involuntária (ou não) resultante da tentativa de descodificação de tal secretismo.

A desconfiança perante aquilo que não se conhece e se ignora é um sentimento que tem passado de geração em geração, sendo a causa próxima da perseguição ao longo dos séculos de todos aqueles que delas faziam (ou se suponham fazer) parte.

Não se tratava apenas de uma mera perseguição de índole religioso, estas bem mais recorrentes, mas da convicção que por detrás do aludido secretismo estariam práticas e rituais contrários à moral (e ao pensamento) dominante.

Nos tempos mais recentes a própria literatura deu uma preciosa “ajuda” a este imbróglio histórico, à custa de elaborados romances presuntivamente “históricos” que alimentaram a dúvida nos mais susceptíveis e a curiosidade nos mais afoitos.

Creio, contudo, que a explicação para a supracitada desconfiança – recentemente reforçada na sociedade portuguesa – tem motivos e motivações bem concretas e “terrenas”.

Aquilo que fundamentalmente contribui para qualquer (boa) teoria da conspiração seja ela ou não associada às Sociedades Secretas é a ignorância, isto é, a incapacidade própria de conhecer os assuntos com suficiente pormenor a partir dos quais se efectuam juízos de valor ou conclusões sobre os mesmos, no mínimo apressadas.

Qualquer teoria da conspiração é, em bom rigor, o escape perfeito para a justificação da nossa própria incapacidade de avaliação, ao abrigo de uma interpretação própria de factos dispersos, quase sempre infundados, como se de um puzzle se tratasse em que as peças são forçadas (tal como a coerência) a caber umas nas outras até o referido puzzle ficar completo.

Uma segunda causa próxima é o que resulta do simples facto de por detrás de qualquer organização – secreta ou não – estarem necessariamente seres humanos, os quais são reconhecidamente falíveis por natureza.

Ou seja, um eventual comportamento desviante num determinado contexto histórico surge por via das pessoas que nesse mesmo momento as compunham e interpretavam o seu significado original.

Se a atitude de um só não vincula todos os outros é precisamente ao abrigo desta presunção que aquilo que podemos e devemos avaliar uma instituição no seu todo, sobretudo quando o seu papel histórico é, em si mesmo, inquestionável.

Pelo menos em teoria, em qualquer Sociedade civilizada este pressuposto deveria ser indissociável da forma de pensar e reflectir dos seus membros, à luz de dois conceitos basilares em que deve assentar essa mesma Sociedade: a presunção de inocência e o benefício da dúvida. Assim vão as cousas.

Sem comentários:

Enviar um comentário