Nunca como agora se falou tanto de uma crise “profunda” na justiça portuguesa.
Não creio, contudo, que exista uma percepção exacta dos motivos para tal crise e é precisamente por este facto que não se prevê o seu fim mas, bem ao contrário, tenderá a agravar-se.
Não disponho, como é evidente, de uma varinha de condão para esclarecer para além de qualquer dúvida a natureza do problema nem certamente a formula “mágica” para o resolver.
Mas, sem sombra de dúvida, que julgo interpretar adequadamente os males que justificam a supracitada profundidade desta crise.
Em primeiro lugar o ordenamento juridico português tornou-se num emaranhado legislativo.
A produção normativa emanda dos orgãos com competência legislativa subiu exponiencialmente na medida inversa da sua qualidade.
Deste facto resulta a denominada “incerteza” juridica, com os quais os cidadãos e os juizes têm de conviver como se de um jogo se tratasse, mas no decorrer do qual as regras vão mudando.
Por outro lado o “espirito” reformista de alguns governos originou uma sucessão de revisões aos principais códigos, sendo precisamente estes mais do que quaisquer outros aqueles que configuram a essência da estabilidade de qualquer sistema juridico.
Os cidadãos habituaram a “olhar” as alterações legislativas num contexto de um auto-beneficio de quem as promove, isto é, dos próprios políticos.
Não menos verdade será o facto da “qualidade” dos magistrados ter tido uma queda acentuada.
Um (bom) juiz leva muitos anos a “preparar” e começa também muitos anos antes nos bancos da faculdade, passando pelo CEJ e terminando com o tirocinio em tribunais de pequena instância.
A diminuição significativa do número de novos juízes em cada ano acrescido de um “anormal” volume de aposentações, atirou muitos dos recém-formados para a frente de processos cuja complexidade impunha outro tipo de experiência e capacidade de ponderação.
Igualmente relevante é um problema que se verifica a montante mas também a jusante do proprio processo, nomeadamente em processos de natureza criminal.
Falo, em concreto e a montante, da morosidade da fase inicial do processo, nomeadamente na fase imediatamente seguinte à constituição de arguido (figura sem paralelo em boa parte dos ordenamentos juridicos) e a dedução de uma acusação, em claro prejuizo do próprio arguido mas também, de forma natural, do ofendido.
Este facto parece resultar tanto de uma incapacidade dos orgãos tutelares do processo com da eventual falta de meios para a condução do mesmo.
A jusante surgem os advogados que, precisamente com base no emaranhado legislativo atrás referido podem, mediante uma correcta preparação, conduzir um processo no sentido pretendido, nomeadamente pelo uso (legalmente sustentado) de manobras dilatórias que a lei – conscientemente ou não – colocou ao seu dispor.
Por fim, e não menos relevante do que os anteriores, surge o argumento da politização do sector da justiça.
Aqui surjem inevitavelmente as referências ao papel dos sindicatos (nomedamente os dois principais) e a forma como vêm actuando em defesa da sua classe.
Sobre esta vertente já se pronunciaram – entre outros – o PGR e o Bastonário da Ordem dos Advogados pelo que eu, humildemente, apenas retenho a ideia que os Sindicatos dos juízes têm contribuido de forma decisiva para a descredibilização da classe que representam sobretudo aos olhos dos cidadãos, precisamente aqueles que sempre viram na figura do "Sr. Juiz" alguém em cuja sapiência podiam confiar.
Seria fundamental que se pudesse reflectir sobre a necessidade da representação sindical numa classe onde não há desemprego, que aufere salários muito acima da média nacional e que beneficia ainda de um conjunto de regalias exclusivas.
É neste turbilhão que “navega” actualmente a justiça em Portugal.
Não se estranhe, pois, que as pessoas acabem elas próprias por definir a “bondade” e “perverção” da justiça em função de um único critério: se a decisão lhe foi ou não desfavorável. Assim vão as cousas.
domingo, 6 de março de 2011
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
-
Os seres humanos procuram de todas as formas, maneiras para obter a felicidade plena. A frase com que este breve texto se inicia n...
-
Costuma dizer-se que grande parte do que nós somos começa na escola, desde cedo, logo na Creche. No meu caso tudo começou aqui, no Palá...
-
Hoje é um dia especial. É o dia dos meus anos. Hoje, se tudo estivesse normal, estaria a celebrar o dia com a família mais próxima, a erguer...
Sem comentários:
Enviar um comentário