É comum na política portuguesa fazer o resumo dos primeiros 100 dias de governação.
Sempre me pareceu que se trata de muito pouco tempo para se uma análise correcta aos primeiros instantes de qualquer novo governo.
Contudo, a expectativa criada à volta do Governo liderado pelo Dr. Pedro Passos Coelho e os compromissos assumidos com a “troika” permitirá que, no mínimo, se perceba (ou tente perceber) o que é que fundamentalmente mudou entre o famigerado Governo do Eng. Sócrates e o actual.
A realidade é que pelo menos para já podemos concluir que tendo mudado o estilo não é liquido que tenha mudado a forma.
Os “famosos” PEC’s que estiveram (pelo menos o último) na base da queda do Governo anterior foram substituídos por medidas que tendo precisamente o mesmo objectivo assumiram uma denominação diversa.
Assim, e nesta perspectiva foi retirado num primeiro momento 50% do subsidio de Natal aos portugueses e o aumento dos transportes, para numa segunda comunicação comunicarem o aumento brutal do IVA sobre o consumo da electricidade e gás entre outras medidas, quase todas elas associadas à perspectiva da receita do Estado.
No fundo tudo hoje em dia é explicado à luz dos princípios do “Memorando de Entendimento” com a troika e, creio piamente, que assim será ao longo dos vários anos que se seguirão.
É, no entanto, interessante verificar que grande parte destas medidas eram omissas ou mesmo negadas (veja-se o corte no subsidio de Natal) no programa do actual governo, facto que uma vez mais deixa à evidência a ausência de uma verdadeira política de verdade por parte dos políticos, precisamente aqueles que mais usam tal palavra como bandeira quase ideológica.
Ao mesmo tempo que tal sucede os mercados – sempre os mercados – continuaram a sua “batalha” de aumento dos juros da divida em sentido inversamente proporcional à redução do rating da república por parte das agências de rating – sempre as agências de rating – que depois de “atirarem” a nossa dívida (e o nosso ego) para o lixo parecem esperar agora pacientemente pelo pedido de reestruturação da dívida, seguindo os passos já dados pelos gregos.
É como a máscara que cai a quem afirmava que grande parte dos problemas que Portugal enfrenta tinham uma natureza endógena, parecendo negar a mais clara das evidências que são precisamente motivos externos que têm contribuído decisivamente para a situação actual do país, mas também das principais economias europeias e mesmo a maior economia de todas, os Estados Unidos.
O próximo passo será, muito provavelmente a necessidade de um segundo pedido de ajuda financeira, facto para o qual o próprio Primeiro-Ministro já começou a "preparar o terreno" numa entrevista recente.
Paralelamente são anunciados a um ritmo frenético, mas totalmente desgarradas, um sem número de fusões e extinções de organismos de natureza pública, sem que se perceba muito bem qual o impacto real de tais medidas na despesa pública nem o que é que o Governo pretende fazer com os funcionários dos referidos organismos.
No fundo torna-se necessário perceber se existe um verdadeiro “emagrecimento” do Estado ou uma mera incorporação da despesa noutro qualquer organismo público, isto é, se estamos perante uma “operação de cosmética” para impressionar a opinião pública ou uma verdadeira intervenção cirúrgica.
Tal como referi inicialmente, entendo que esse resultado não é passível de ser avaliado com isenção num tão curto espaço de tempo de governação.
Ao mesmo tempo em que se agravam as condições de vida da generalidade dos cidadãos e se procura – aparentemente – efectuar um esforço de contenção da despesa pública surge novamente em todo o seu esplendor o “dono” da ilha da Madeira a mostrar (literalmente) o dedo do meio a todo este esforço.
À parte de tudo isto aparecem os partidos políticos da oposição.
O PS parece ter entrado de férias alargadas depois da eleição do um novo líder – ele próprio a antítese de um líder carismático - não conseguindo distinguir-se quem seja actualmente a verdadeira voz da oposição, tal é a dispersão que se constata na reacção às principais medidas anunciadas pelo Governo.
Se o PCP continua a ser aquilo que sempre foi e provavelmente sempre será, já o BE passou à quase clandestinidade tal foi o “cartão vermelho” que o eleitorado lhe mostrou nas últimas eleições e perante os sinais de contestação interna que parecem cada vez mais evidentes.
A verdadeira surpresa surge com o “desaparecimento” do CDS, nomeadamente do respectivo líder, remetido para um ministério cujo peso político surge manifestamente reduzido face à preponderância actual das pastas das finanças e da economia e por isso mesmo não é de estranhar que todas as “bandeiras” que o CDS arvorou durante a campanha pareçam reduzidas a meras declarações de intenções, sem alcance e significado prático.
A síntese de tudo isto é a constatação de um país em pré-depressão, um sector empresarial aparentemente incapaz de reagir à diminuição do papel do Estado na economia e uma Sociedade Civil que assiste impávida e serena à redução sistemática do conceito de “Estado Social”.
Enquanto noutros países europeus os sinais de contestação social são por demais evidentes e não raras vezes assumem contornos violentos perante as sucessivas medidas de austeridade a que as populações são sujeitas, em Portugal tudo parece correr de forma serena e resignada.
E se de modo algum gostaria de ver reproduzidas as imagens de violência urbana de outras paragens, não me consigo ainda assim conformar com este torpor generalizado como se todos nós fossemos parte da letra de uma canção que nos embala dizendo que “tudo isto é triste, tudo isto é fado”. Assim vão as cousas.
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