O “caso” Miguel Relvas é o paradigma de uma
situação que se insere num contexto substancialmente mais vasto e que, partindo
desta situação concreta, permite analisa-la à luz de um conjunto de vertentes
que ainda que distintas se encontram geralmente interligadas.
Não sendo meu propósito específico entrar em
pormenor nos contornos concretos deste “caso” pelo simples facto de não os
dominar e poder por essa via incorrer na análise gratuita dos factos – tal como
tantos o têm feito – analisarei em particular as referidas vertentes ou, dito
de outro modo, aquilo que parece constituir a “espuma” que transborda de um
copo demasiado cheio.
As referidas vertentes que considero até ao
apuramento real – presume-se – dos factos situam-se, desta forma e de acordo
com o meu entendimento, nos domínios do judicial, da transmissão da informação
e, como não poderia deixar de ser, na vertente política.
Na primeira das perspectivas que considero como
relevantes na análise que pretendo transmitir, relevo em especial o facto de
neste caso como em tantos outros se constatar a violação sucessiva do “famoso”
segredo de justiça, cada vez menos segredo e cada vez mais uma verdadeira fonte
inesgotável de notícia não oficial ou, como também se diz, de fonte segura ou
próxima do processo.
O problema, claro está, desta violação é que a
mesma tem origem precisamente naqueles que estavam incumbidos de guardar o
referido segredo o que imediatamente levanta a questão sobre as diversas formas
de corrupção que vão minando a nossa Sociedade incluindo – pelos vistos – entre
aqueles que supostamente a combatem.
Daqui resulta uma exposição pública dos visados
- directa ou indirectamente - nos processos o que nos remete para a segunda das
vertentes a qual, conforme atrás ficou dito, corresponde à transmissão da
informação, nomeadamente através dos órgãos com esse mesmo nome ou agências
noticiosas.
A “luta” que aqui se desenrola também estará
longe de se considerar novidade, isto é, a questão fulcral é saber-se se o
interesse jornalístico subjacente a qualquer notícia – independentemente da sua
relevância – deverá permitir que a violação de um direito legitimo de qualquer
cidadão possa ser sistematicamente violado por uma classe de jornalistas à luz
de critérios que longe de ser definidos por entidades autónomas ou
independentes são, em concreto, aferidos em causa própria.
Ora o problema que também daqui resulta é o de
gerar um efeito contrário ao que se pretenderia com a difusão da notícia
inicial, na medida em que a esta se segue quase sempre um conjunto –
normalmente vasto – de outras informações que, ainda que reportando-se à mesma
pessoa já apresentam uma ligação pouco “visível” ao processo principal.
Incapazes de discernir entre o principal e o
acessório da informação que lhe vai sendo passada de forma desgarrada, as
pessoas tendem para agir em conformidade com o mais simples dos processos de
julgamento sumário, em que uma mera referência jornalística implica
imediatamente a condenação pública dos visados e um “ataque” para além de
qualquer dúvida sobre o respectivo carácter o que nos transporta para o
terceiro e, creio, último plano de análise, ou seja, o plano politico.
A verdade é que pessoas como o Dr. Miguel
Relvas não são equiparáveis nas suas funções à generalidade das pessoas, uma
vez que por um lado são agentes políticos e por outro, desempenham cargos
públicos de relevância.
E é precisamente este que determina – ou
deveria determinar – o comportamento do próprio visado no momento subsequente à
divulgação de uma notícia que objectivamente questione simultaneamente a sua
honestidade e o seu carácter.
Esse comportamento não poderia deixar de ser o
de imediatamente se demitir ou, como se diz no dicionário do politicamente
correcto, colocar o seu lugar à disposição do Primeiro-Ministro.
Ao faze-lo estaria imediatamente a deixar a
mensagem que não se encontra “agarrado” ao cargo que ocupa, que em momento
algum dele depende e que não permitirá em circunstância alguma que o seu carácter seja
colocado em causa por quem quer que seja.
Quem tiver acabado de ler o parágrafo anterior
certamente reconhecerá que é isto precisamente que se passa em países como os
Estados Unidos ou no Reino-Unido, apenas para citar alguns exemplos.
Ao mesmo tempo que ao assumir esta posição
estaria a proporcionar a sua própria defesa – nem que seja pelo esquecimento
público – “libertaria” o Governo (e em particular o Primeiro-Ministro) do desgaste
e da perda de tempo com assuntos que, pese embora a sua importância, são
certamente menores face aos grandes problemas que o país atravessa.
Infelizmente nada disso se passa, havendo aliás
o processo inverso de “defesa” institucional e, presumo, solidária, de alguém
que perante os ataques sucessivos que lhe são dirigidos apenas vai contra-argumentando
com uma espécie de auto-defesa que não convence sequer algumas das principais
figuras do seu partido.
A ironia de tudo isto é que as “personagens” deste
enredo são precisamente as mesmas que há não muito tempo clamavam – em campos
opostos, é certo – pela necessidade da salvaguarda do segredo de justiça, que
levantavam a “bandeira” da defesa da liberdade de imprensa ou que, por fim,
exigiam de forma veemente a demissão de todos aqueles que se viam envolvidos em
processos de suspeição pública.
Diz-se, com propriedade, que quem tem “telhados
de vidro” não deve atirar pedras. O problema é que em política parece que, ao
contrário do risco de quebrar os próprios vidros, as pedras parecem apenas
resvalar para longe.
Para longe daquilo a que se convencionou chamar
de Responsabilidade Política. Assim vão as cousas
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