domingo, 1 de julho de 2012

Telhados de vidro

O “caso” Miguel Relvas é o paradigma de uma situação que se insere num contexto substancialmente mais vasto e que, partindo desta situação concreta, permite analisa-la à luz de um conjunto de vertentes que ainda que distintas se encontram geralmente interligadas.
Não sendo meu propósito específico entrar em pormenor nos contornos concretos deste “caso” pelo simples facto de não os dominar e poder por essa via incorrer na análise gratuita dos factos – tal como tantos o têm feito – analisarei em particular as referidas vertentes ou, dito de outro modo, aquilo que parece constituir a “espuma” que transborda de um copo demasiado cheio.
As referidas vertentes que considero até ao apuramento real – presume-se – dos factos situam-se, desta forma e de acordo com o meu entendimento, nos domínios do judicial, da transmissão da informação e, como não poderia deixar de ser, na vertente política.
Na primeira das perspectivas que considero como relevantes na análise que pretendo transmitir, relevo em especial o facto de neste caso como em tantos outros se constatar a violação sucessiva do “famoso” segredo de justiça, cada vez menos segredo e cada vez mais uma verdadeira fonte inesgotável de notícia não oficial ou, como também se diz, de fonte segura ou próxima do processo.
O problema, claro está, desta violação é que a mesma tem origem precisamente naqueles que estavam incumbidos de guardar o referido segredo o que imediatamente levanta a questão sobre as diversas formas de corrupção que vão minando a nossa Sociedade incluindo – pelos vistos – entre aqueles que supostamente a combatem.
Daqui resulta uma exposição pública dos visados - directa ou indirectamente - nos processos o que nos remete para a segunda das vertentes a qual, conforme atrás ficou dito, corresponde à transmissão da informação, nomeadamente através dos órgãos com esse mesmo nome ou agências noticiosas.
A “luta” que aqui se desenrola também estará longe de se considerar novidade, isto é, a questão fulcral é saber-se se o interesse jornalístico subjacente a qualquer notícia – independentemente da sua relevância – deverá permitir que a violação de um direito legitimo de qualquer cidadão possa ser sistematicamente violado por uma classe de jornalistas à luz de critérios que longe de ser definidos por entidades autónomas ou independentes são, em concreto, aferidos em causa própria.
Ora o problema que também daqui resulta é o de gerar um efeito contrário ao que se pretenderia com a difusão da notícia inicial, na medida em que a esta se segue quase sempre um conjunto – normalmente vasto – de outras informações que, ainda que reportando-se à mesma pessoa já apresentam uma ligação pouco “visível” ao processo principal.
Incapazes de discernir entre o principal e o acessório da informação que lhe vai sendo passada de forma desgarrada, as pessoas tendem para agir em conformidade com o mais simples dos processos de julgamento sumário, em que uma mera referência jornalística implica imediatamente a condenação pública dos visados e um “ataque” para além de qualquer dúvida sobre o respectivo carácter o que nos transporta para o terceiro e, creio, último plano de análise, ou seja, o plano politico.
A verdade é que pessoas como o Dr. Miguel Relvas não são equiparáveis nas suas funções à generalidade das pessoas, uma vez que por um lado são agentes políticos e por outro, desempenham cargos públicos de relevância.
E é precisamente este que determina – ou deveria determinar – o comportamento do próprio visado no momento subsequente à divulgação de uma notícia que objectivamente questione simultaneamente a sua honestidade e o seu carácter.
Esse comportamento não poderia deixar de ser o de imediatamente se demitir ou, como se diz no dicionário do politicamente correcto, colocar o seu lugar à disposição do Primeiro-Ministro.
Ao faze-lo estaria imediatamente a deixar a mensagem que não se encontra “agarrado” ao cargo que ocupa, que em momento algum dele depende e que não permitirá em circunstância alguma que o seu carácter seja colocado em causa por quem quer que seja.
Quem tiver acabado de ler o parágrafo anterior certamente reconhecerá que é isto precisamente que se passa em países como os Estados Unidos ou no Reino-Unido, apenas para citar alguns exemplos.
Ao mesmo tempo que ao assumir esta posição estaria a proporcionar a sua própria defesa – nem que seja pelo esquecimento público – “libertaria” o Governo (e em particular o Primeiro-Ministro) do desgaste e da perda de tempo com assuntos que, pese embora a sua importância, são certamente menores face aos grandes problemas que o país atravessa.
Infelizmente nada disso se passa, havendo aliás o processo inverso de “defesa” institucional e, presumo, solidária, de alguém que perante os ataques sucessivos que lhe são dirigidos apenas vai contra-argumentando com uma espécie de auto-defesa que não convence sequer algumas das principais figuras do seu partido.
A ironia de tudo isto é que as “personagens” deste enredo são precisamente as mesmas que há não muito tempo clamavam – em campos opostos, é certo – pela necessidade da salvaguarda do segredo de justiça, que levantavam a “bandeira” da defesa da liberdade de imprensa ou que, por fim, exigiam de forma veemente a demissão de todos aqueles que se viam envolvidos em processos de suspeição pública.
Diz-se, com propriedade, que quem tem “telhados de vidro” não deve atirar pedras. O problema é que em política parece que, ao contrário do risco de quebrar os próprios vidros, as pedras parecem apenas resvalar para longe.
Para longe daquilo a que se convencionou chamar de Responsabilidade Política. Assim vão as cousas

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