domingo, 7 de novembro de 2010

A corporação

O Artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa versa sobre a "Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública". No número 1 deste mesmo Artigo consagra-se que "Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade."

Tenho o hábito de pensar, porventura ingénuamente, que estas palavras sobretudo porque consagradas no documento fundamental devem ter algum significado prático e não apenas um conteúdo de natureza programática.

E se naturalmente casos há em que alguém não pode usufruir deste direito por falta de oportunidades ou pelo denominado "interesse colectivo", existem alguns cidadãos que não o podem simplesmente porque aqueles que têm a mesma profissão não o permitem.

Hesitei, de forma premeditada, em abordar este tema por ser porventura daqueles que me é mais caro e de certa forma dificil de abordar por, em boa medida, ter sido no passado "vitima" da circunstância que atrás referi.

Não pretendendo que eventuais sentimentos de opostos de raiva ou melancolia me toldem a lucidez, procurarei apenas dar a minha opinião sobre uma corporação chamada "Ordem dos Advogados".

Durante muitos anos a oferta de novos Advogados resultava da escolha natural daqueles que tinham a possibilidade de entrar para a Universidade. Num país com um indice de analfabetismo e de abandono escolar precoce não é dificil perceber que o ratio do numero de advogados (como noutras classes) por cidadão era diminuto.

Após a Revolução de Abril o acesso ao ensino e à Universidade "democratizou-se" tendo aberto as portas a um conjunto significativamente mais vasto de causidicos.

Desde muito cedo que estes, tal como os seus antecessores, se encontravam agrupados numa Ordem Profissional, à qual acediam todos aqueles que concluissem os respectivos cursos.

Os últimos 20 anos viram proliferar o numero de candidatos a advogados bem como uma outra realidade até aí praticamente inexistente, ou seja, as Universidades Privadas.

Bem ao contrário de outros países, a nossa Sociedade sempre "olhou" com desconfiança para estas Universidades não obstante os respectivos programas de ensino mas sobretudo o seu corpo docente ser precisamente o mesmo que leccionava nas universidades públicas.

Decorreu, a meu ver, desta realidade que a Ordem dos Advogados ter começado a "fechar-se" aos novos licenciados, criando novas dificuldades no acesso ao exercicio da profissão, situação que tem vindo progressivamente a agravar-se fruto de algumas alterações introduzidas pelo actual Bastonário, o Dr. Marinho e Pinto.

No fundo o que se tem vindo a passar é que os Advogados passaram a ser eles próprios a seleccionar quem é que pode aceder à profissão, isto é, passaram a definir as regras da concorrência.

Tal não é, no meu entendimento, compaginável com o artigo introdutório desta dissertação. Não está sequer em causa o direito ao emprego, está em causa o livre acesso a uma profissão dita liberal.

Não tenho conhecimento que até hoje alguém tenha junto das "instâncias próprias" invocado este principio de forma a procurar reverter este espírito corporativo repetidamente renovado, nem antevejo que o futuro Bastonário esteja desperto para esta realidade.

A nossa Sociedade está hoje condicionada por interesses particulares, lobbys e corporativos. Da diminuição de cada uma destas condicionantes resultará, em boa parte, a solução para alguns dos principais problemas sistémicos do nosso País.

O problema é que a mediocridade e a ganância não se resolvem por decreto. Assim vão as cousas.




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