Era uma vez um vírus. Creio que é assim que começam quase todas as histórias de encantar, com heróis e heroínas, vilões e os bobos de serviço, que servem para dar um toque cómico ao tom geral de tragédia que, invariavelmente terá um final feliz.
Nesta história, contudo, é ainda cedo para dizer quando será o final e, prevendo-se (e esperando-se) que seja feliz, quanto sangue, lágrimas e sacrifícios em geral será necessário derramar quando se puder afirmar, com segurança, "acabou".
Confesso, com algum remorso, que eu próprio desvalorizei inicialmente os sinais que "vinham da China", convicto que o dito vírus que agora começava a ganhar nome próprio fosse ele Coronavírus ou COVID-19 nunca colocaria em causa o modo de vida europeu e mundial mesmo que inevitavelmente cá um dia chegasse. E chegou. Chegou com toda a pujança.
Os primeiros tempos são, já se sabe, de um misto de desconfiança e desnorte, com uma crescente insegurança, alimentada diariamente pelas televisões e pelos números esmagadores que chegam de fora mas que, em meados de Março ainda não haviam chegado a Portugal, porventura por via da nossa localização geográfica no extremo da Europa, como se de uma nuvem epidémica estivesse a varrer todos os locais mas que de alguma forma estivesse a desviar-se destas paragens, como se fossem aquelas tempestades que parecem afectar uns países mais do que outros.
Apesar da crescente ansiedade e o avolumar de informações por parte de outros corretores e parceiros seguradores que entretanto desmarcavam eventos previamente agendados e entravam agora sucessivamente em regime de tele-trabalho, nós continuávamos firmes nos nossos postos de trabalho, embora fosse notória o progressivo alheamento e consequente redução da produtividade individual em função das notícias "que iam chegando".
Mas a realidade continua a ser o que é, e a ela não é possível fugir eternamente, ainda que falar de uma "fuga" talvez se afigure como exagerado, uma vez que de uma forma ou de outra ela há-de se impor, resta saber se de forma tranquila ou pela força.
Talvez por isso mesmo num tempo quase recorde a empresa iniciou o processo de transformação das nossas rotinas de trabalho "on site" para tele-trabalho, por fases, e começando por todos aqueles que tinham uma situação familiar porventura mais exposta às possíveis consequências nefastas do vírus, isto é, aqueles colaboradores com filhos menores.
Não foi por isso mesmo estranha a notícia que eu e a X., colegas na mesma empresa durante o dia e marido e mulher no restante tempo, fomos informados da decisão de iniciar o regime de tele-trabalho a partir do dia 16 Março, passando a acumular no mesmo espaço as "funções" que durante cerca de 15 anos foi possível manter separado.
E é aqui que começam estes diários, ou falsos diários posto que serão escritos numa base semanal.
A escola por esta altura já tinha encerrado e pela frente tínhamos o desafio de articular o trabalho, os deveres escolares e tudo o mais o resto, até mesmo incerteza do afastamento dos familiares mais próximos, os pais e irmãos, por tempo indeterminado.
Sem ter entrado em loucuras de açambarcamento que se iam ouvido de quem, de forma descontrolada e antevendo o Apocalipse, desatou a fazer compras desenfreadamente, tivemos o cuidado de nos abastecer o suficiente para não ser necessário fazer compras de forma contínua, uma vez que os conselhos para "ficar em casa" eram já por esta altura uma constante, mesmo que admitindo excepções.
Por coincidência do destino também eu próprio me encontrava de "férias" do MBA ou, dito de outra forma, entre cursos, aguardando o inicio daquele que será o ultimo trimestre, tendo tomado a iniciativa de iniciar a leitura antecipada do livro aconselhado para esse mesmo trimestre, algo que admito venha a "facilitar" todo o restante trabalho que me espera.
O "quartel-general" improvisado foi montado na sala de jantar, laptops frente a frente e impressora a meio, com os telemóveis ali mesmo ao lado e um rádio que passou a debitar musica quase sempre clássica ou outros estilos sempre que a C. ocupava o meu lugar.

A primeira semana de trabalho foi, sem surpresa, verdadeiramente atípica, uma vez que tal como nós próprios muitas outras pessoas estariam a mudar as suas rotinas, adaptando-se a uma nova realidade - a dita realidade - pelo que não foram nem muitos os telefonemas nem muitos os e-mails para responder, o que permitiu intercalar as minhas próprias tarefas com os deveres escolares da C. que iam sendo enviados por e-mail e aos quais cabia responder enquanto o J. se mantinha quase sempre pelo quarto alternando o estudo e os deveres com os jogos no computador, sem nunca nós próprios intervirmos, como se fosse este o ambiente normal de uma sala de aula onde, por definição, essa intervenção jamais se verifica.
E depois havia o resto do tempo, o qual passava em boa parte a ser ocupado a ver o evoluir da situação no mundo, com o primeiro caso confirmado em Portugal "apenas" no dia 2 de Março e à data do inicio do tele-trabalho ainda sem registo de mortes por cá.
Mas a dita da realidade é inexorável e a notícia dessa morte acabaria por chegar no dia 16 de Março.

Esporadicamente faziam-se caminhas curtas e ao final da tarde, tal como curtas eram as tentativas de retomar os hábitos de corrida, sempre nas redondezas e isoladamente como diziam as regras de confinamento mas também por curtas distâncias e evitando os passeios para não nos cruzarmos com outras (poucas) pessoas que por ali também circulavam.
A verdade é que sempre achei que ao fazer as ditas corridas, mesmo que com todos os cuidados e até autorizado pelo Estado de Emergência que entretanto havia sido decretado, estava de certa maneira a fugir ao "espírito" da coisa, o qual remetia claramente para um dever de consciência de evitar o mais possível o contacto com outras pessoas para dessa forma evitar a possível propagação do vírus.
É importante referir que nesta altura não podíamos nós próprios afirmar que não estivesse algum de nós infectado uma vez que como era já mais do que sabido o tempo de incubação do dito é de sensivelmente 14 dias e até à bem poucos dias estivéramos todos em plena actividade laboral e escolar o que significa que, potencialmente, poderíamos ter estado em contacto com alguém infectado sem que esse alguém o soubesse. Aliás, pessoalmente estivera poucos dias antes em contacto com alguém que me ia relatando por mensagens o seu estado, o qual apresentava todos os sintomas "clássicos" do vírus, ainda que não comprovado por teste adequado.
Ainda assim, e porque tinha prevista uma deslocação mais a X. à empresa precisamente no dia 15 de Março entendi alertar a Administração do possível contágio dessa colega, aconselhando a que não estivesse presente na referida reunião de forma profilática, algo que embora com alguma desconfiança foi aceite, pelo que a reunião acabou por ter lugar através do recurso ao Zoom, ferramenta bastante familiar por ser usada diversas vezes ao longo do MBA.
Entretanto os meus sogros haviam regressado da República Dominicana e, correctamente, submeteram-se à quarentena recomendada a quem vinha de fora, algo que interromperam momentaneamente sob o pretexto de nos fazerem chegar umas frutas e recordações de viagem, mas que no fundo não foi mais do que um motivo para matar saudades da família, particularmente dos netos.
Assim foi estranho vê-los chegar ao portão de máscara na cara, sem qualquer forma de cumprimento direto a nós que, por seu turno, nos mantínhamos do lado de cá do portão. O distanciamento social não nos afasta apenas dos vizinhos mas também dos familiares e nesse aspecto nem este pretexto serviria aos meus pais se deslocarem de Alcobaça (ou o inverso) para matar saudades, pois a idade e sobretudo a saúde teima e colocá-los nos denominados "grupos de risco".
A par do trabalho e a crescente preocupação sobre o destino de muitas empresas nossas Clientes tentava-se perceber o verdadeiro impacto nas nossas vidas, ao mesmo tempo que se recuperavam os hábitos de leitura, colocar o visionamento de filmes em dia.
No final dessa semana, dia 22, já haviam 1600 casos confirmados e 14 óbitos.
É importante referir que nesta altura não podíamos nós próprios afirmar que não estivesse algum de nós infectado uma vez que como era já mais do que sabido o tempo de incubação do dito é de sensivelmente 14 dias e até à bem poucos dias estivéramos todos em plena actividade laboral e escolar o que significa que, potencialmente, poderíamos ter estado em contacto com alguém infectado sem que esse alguém o soubesse. Aliás, pessoalmente estivera poucos dias antes em contacto com alguém que me ia relatando por mensagens o seu estado, o qual apresentava todos os sintomas "clássicos" do vírus, ainda que não comprovado por teste adequado.
Entretanto os meus sogros haviam regressado da República Dominicana e, correctamente, submeteram-se à quarentena recomendada a quem vinha de fora, algo que interromperam momentaneamente sob o pretexto de nos fazerem chegar umas frutas e recordações de viagem, mas que no fundo não foi mais do que um motivo para matar saudades da família, particularmente dos netos.

A par do trabalho e a crescente preocupação sobre o destino de muitas empresas nossas Clientes tentava-se perceber o verdadeiro impacto nas nossas vidas, ao mesmo tempo que se recuperavam os hábitos de leitura, colocar o visionamento de filmes em dia.
No final dessa semana, dia 22, já haviam 1600 casos confirmados e 14 óbitos.
Sem comentários:
Enviar um comentário