domingo, 16 de janeiro de 2011

Força de bloqueio

Numa outra dissertação a propósito das presidenciais que se avizinham, referi que por convicção (ou falta dela) não poderia contribuir com o meu voto para a reeleição do actual Presidente da República que é, como todos sabemos, o Prof. Cavaco Silva.

Julgo, contudo, ser importante apresentar o respectivo justificativo para tal convicção ou, lá está, a falta dela.

Desde logo poderia invocar que devemos sempre manter reservas sobre quem diz dele próprio que "raramente se engana e que quase nunca tem dúvidas". A humildade não é necessariamente uma coisa má, mas a presunção e a arrogância já o serão na maior parte dos casos.

Mas não são estes dislates verbais que contribuem para o meu entendimento sobre aquela que tem sido a acção do Prof. Cavaco Silva e que irão pesar na minha decisão. 

Fundamentalmente trata-se de fazer uso da minha memória relativamente ao essencial do que foram estes ultimos 5 anos.

O Prof. Cavaco Silva quando era primeiro-ministro, apelidou de forma genérica mas certamente bem direccionada de "forças do bloqueio" todos aqueles que de alguma forma decidiam - no âmbito dos seus legitimos poderes - de forma desfavorável à sua governação.

A dificuldade de coabitação com o Presidente da República de então, o Dr. Mário Soares, não permitiria desde logo que anos mais tarde e investido das funções inversas alguém levasse muito a sério a sua politica de "cooperação institucional", o que ficou bem patente na curta vida da mesma.

Portugal, nesses tempos, recebia aos milhões de escudos por dia, e no entanto o resultado visivel das politicas de então é um deserto de reformas (pelo menos daquelas que custam votos e sondagens negativas). Ao invés gastou-se a bom gastar em obras públicas, nomeadamente auto-estradas, e em obras de regime.

É curioso verificar como o investimento público nem sempre constituiu o "bicho-papão" que hoje representa para diversos sectores, nomeadamente para o próprio Prof. Cavaco Silva. Mas, lá diz o povo, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" ou, na minha visão das coisas, é tudo uma questão de oportunismo.

Hoje em dia também serão poucos os que ainda se lembrarão como é que se dispersavam nessa altura as manifestações excepto, claro está, quem teve ocasião de perceber na pele (literalmente) o significado da palavra "repressão policial".

Quando o Prof. Cavaco Silva percebeu que o seu tempo de primeiro-ministro tinha terminado deixou o caminho livre à sucessão, o que em politica quer apenas dizer que "quem depois de mim vier que feche a porta", o que de facto veio a acontecer com um dos seus ex-ministros, o Dr. Fernando Nogueira.

Feita a "travessia do deserto", o Prof. Cavaco Silva soube nesse tempo de duração indeterminada, aproveitar em seu beneficio uma certa aura de estadista completo e de reputação incólume de forma a posicionar-se como o mais-que-provável sucessor do Dr. Jorge Sampaio, o que de facto veio a acontecer, com uma valente ajuda de toda a esquerda em particular do Dr. Manuel Alegre.

O actual mandato do Prof. Cavaco Silva tem sido construido à luz da sua própria concepção dos poderes do Presidente da República.

Numa primeira fase surge a já citada "cooperação estratégica" a qual borregou à primeira divergência de fundo com o Governo.

Numa segunda fase surge aquilo que em politica de chama de "conflito institucional", normalmente com uma duração largamente superior à da primeira fase.

Nessa altura o país passou a viver num limbo institucional com episódios surreais como a suposta existência de escutas no Palácio de Belém, a linha directa do responsável pela Casa Civil da presidência com um jornal com uma linha editorial marcadamente anti-governamental ou a interrupção das férias para falar de um assunto que a muitos poucos importava e que (quase) ninguém entendia (falo, naturalmente, do estuto politico dos Açores).

Ficámos igualmente a saber que para além do direito de veto, do direito de envio para o Tribunal Constitucional das leis existe um terceiro poder menos evidente que é o de publicar as leis com mensagens de discordância. 

É neste último "poder" que temos vindo a assistir ao confronto entre aquilo que é o poder legislativo do Governo ou da Assembleia da República e aquelas que são as opiniões pessoais do Prof. Cavaco Silva em determinadas matérias, desde o casamento entre pessoas do mesmo sexo, passando pela lei do divórcio ou pela legislação sobre a responsabilidade civil do Estado.

A terceira e última fase é aquela em que nos encontramos, ou seja, em que se torna necessário assegurar a reeleição e de certa forma a presidência da República "sai de cena", para se assegurar que não fica demasiado colada quer ao governo quer às oposições ou, a meu ver, para que a memória colectiva se apague e reconheça apenas os últimos tempos, os da auto-imposta indepedência institucional.

Portugal tem em vigor um modelo de equilibrio de poderes, denominado semi-presidencialismo, que confere ao Presidente da República os poderes necessários de intervenção na vida politica sem que daí resulte a possibilidade de confusão desses mesmos poderes com a acção governativa, assente num orgão próprio e independente.

O Prof. Cavaco Silva, ao arrepio de tudo o que sempre defendeu no passado, nomeadamente enquanto Primeiro-Ministro, tem objectivamente procurado interpretar os seus poderes constitucionais numa perspectiva de condicionamento das decisões legitimas da Assembleia da República e do próprio Governo.

O problema é que a Portugal já sobram problemas para resolver, alguns dos quais podem e devem beneficiar da intervenção do Presidente da República, como por exemplo na politica externa, nas relações com a estrutura militar (não é aceitável que se oiça um militar graduado ameaçar-nos com revoluções) ou no próprio relacionamento entre o partido do governo e as oposições (Portugal é dos poucos países ditos civilizados onde não é aparentemente possível governar em coligação estável).

O que Portugal certamente dispensa são conflitos institucionais, e o Prof. Cavaco Silva não tem sabido fugir à tentação de os fomentar de forma mais ou menos evidente. 
  
No fundo a sensação que se tem do Prof. Cavaco Silva é que a se tem do actual Papa, ele nem é mau de todo, mas a gente gostava mais do anterior. Assim vão as cousas.

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