domingo, 28 de abril de 2013

Cantigas de amigo


Uma das mais fortes manifestações de um sentimento de revolta contra qualquer regime de natureza ditatorial é aquele que se expressa através da música.

Dizendo de outra forma, são as letras contidas em cada canção e o significado por detrás de cada uma dessas letras que confere a aura de um movimento a que se convencionou chamar de música de “intervenção”.

Nesse sentido, o período pós 25 de Abril de 1974 foi, reconhecidamente, fértil neste capítulo, promovendo a ascensão de um conjunto de cantores até aí desconhecidos ou cujas carreiras não se encontravam necessariamente “alinhadas” com o espírito revolucionário.

Mas consagrou igualmente um núcleo de artistas que haviam construído todo o seu percurso precisamente utilizando como linha de rumo um pendor fortemente contestatário, ainda que nem sempre essa vertente fosse absolutamente evidente numa primeira leitura da letra das suas músicas, forma subtil de contornar um regime cujos censores raramente deixavam escapar ao seu “famoso” traço azul os “desvios” ao alinhamento compulsório a esse mesmo regime.

Que palavra era afinal esta que tanto parecia incomodar os líderes do anterior regime mas que, por mera analogia, sempre pareceu causar um sério “transtorno” junto de qualquer regime totalitário?

Essa palavra é, nem mais nem menos, o registo intemporal dos versos e da prosa de alguns dos principais vultos da literatura portuguesa, cuja escrita assumia dessa forma uma “visibilidade” e uma contextualização que em muitos casos se situaria longe da perspectiva inicial dos seus autores.

Desta forma cumpriam-se dois desígnios, ou seja, um de alcance imediato que passaria por transmitir o sentimento do despertar das consciências a meias com um espírito de revolta, e um segundo alcance, menos evidente, de renovar a nossa “leitura” sobre a obra de autores tão díspares e distantes temporalmente, vagueando entre Luís Vaz de Camões, Pessoa, Natália Correia ou Manuel Alegre, entre muitos outros.

Esta não é, aliás, uma característica portuguesa se assim se pode chamar, uma vez que a música sempre foi um pouco por todo o lado o “veículo” de transmissão de uma mensagem muito própria em momentos socialmente conturbados ou de forte repressão, facto que está intimamente ligado à natureza subliminar dos respectivos textos, impróprios para mentes de reduzida compreensão e inteligência.

Não será, portanto, de estranhar que na alvorada do dia 25 de Abril o mote para o que haveria de vir fosse dado ao som de duas músicas que, nesse mesmo dia, ganharam o estatuto da intemporalidade, ficando para sempre os próprios intérpretes ligados a este momento.

Dificilmente hoje em dia alguém questionará a razão pela qual foi essa a via escolhida e não qualquer outra forma de transmissão de uma mensagem que, aparentemente, seria suficientemente simples e entendível para “caber” numa letra de música.

É precisamente a mesma razão pela qual hoje em dia a música se encontra sempre presente em movimentos de contestação social, ou seja, é a expressão de um estado de alma que acompanha o ser humano desde os seus primórdios, transversal a qualquer civilização, e ao mesmo tempo uma arma tão forte que consegue derrubar regimes apenas ao som de uma simples nota. Assim vão as cousas.  

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