domingo, 15 de maio de 2011

Touro lindo


Parece que a nova temporada de touradas terá começado recentemente.

Não me refiro às lides que todos os dias nos consomem a paciência e os rendimentos, cujos protagonistas são os políticos, as troikas, e afins.

Falo naturalmente das touradas a sério, aquelas que metem touros e toureiros.

Devo confessar, sem quaisquer reservas que sou um profundo opositor deste triste espectáculo.

Fundamentalmente não vejo qualquer forma de justificar a manutenção de uma forma de barbárie pública bem ao jeito dos velhos circos romanos, onde se sacrificavam seres humanos e animais para gáudio dos espectadores.

Verdade seja dita todos sabemos que hoje já não se sacrificam vidas humanas (pelo menos desta forma), mas parece-me que a evolução não terá sido suficientemente completa ao ponto de também se ter conseguido eliminar formas de “espectáculo” cujo objectivo único é o “divertimento” geral à custa de animais.

Esta questão não é certamente nova e tem produzido porventura tantos apologistas do fim das touradas como defensores das mesmas.

Os argumentos pro-tourada são, diga-se, fascinantes.

Um dos referidos argumentos remete para a tradição portuguesa das touradas.

Ora há quem diga – e com razão – que as tradições já não são o que eram o que não quer dizer outra coisa que nada existe de tão imutável que não possa ser objecto de uma revisão geracional, fruto da mudança dos tempos e dos costumes.

Se nos tempos dos Maias haveria a tradição de efectuar sacrifícios humanos em nomes dos deuses presumo que, mesmo que esta civilização não se tivesse extinguido, esta tradição já teria cessado.

Por outro lado verificamos que os nossos vizinhos espanhóis começam paulatinamente a restringir ou mesmo impedir as touradas e não se diga que esta não era também uma sua tradição.

Não é, pois, certamente, esta a argumentação correcta.

Refere-se igualmente a importância económica das touradas.

Não nego que este “espectáculo” tenha uma dimensão económica, nas (poucas) regiões onde ainda subsiste, que seja desprezável.

Entendo, contudo, que não é um argumento suficiente. E porquê?

Porque o desenvolvimento local não pode ser sustentado em rituais que são no essencial um retrocesso civilizacional, pelo que os mesmos meios que são canalizados para estas exibições gratuitas de violência, nomeadamente para pagar somas chorudas a toureiros podem perfeitamente ser canalizados para outras actividades igualmente geradoras de riqueza e oportunidades de negócio.

Por fim, aquela que me parece a melhor das justificações será aquela que remete para uma espécie de auto-satisfação do próprio animal.

Com base nesta teoria que tem tanto de absurda como de ridícula, o touro teria uma espécie de auto comprazimento pelo simples facto de lhe espetarem uma série de farpas no lombo porque desse facto resulta uma descompressão do seu estado de congestão ou algo do género.

A libertação pela dor ou o fundamentalismo explicado aos animais.

Em Barrancos anualmente vivia-se uma “festa” porque num determinado fim-de-semana se realizava uma tourada improvisada onde se fazia (e faz) uma lide daquilo que se convencionou chamar de “touros de morte”.

Nessa ocasião gerou-se ao longo de vários anos uma romaria mediática a esta localidade não tanto pelas festas locais mas sim porque nesses fins-de-semana se violava objectivamente uma lei que impedia a prática dos “touros de morte” em Portugal.

Bem ao jeito da nossa forma de estar os poderes políticos depressa criaram um regime de excepção para as festas de Barrancos, afastando deles próprios o incómodo de terem de lidar com a “rebeldia” popular, com direito a televisão e tudo.

Não tardou até que outras populações passassem também eles a invocar um qualquer direito ancestral convertido em direito divino para justificar o regime de excepção relativamente aos “touros de morte”.

É o espelho de um país cuja celeridade em exigir os seus presuntivos direitos só tem paralelo na incapacidade em reconhecer as suas obrigações.

Não duvido que a “festa brava” continue a ser justificada por cá mais uns bons anos assente nestes e noutros pressupostos de natureza insondável.

O que dificilmente será alguma vez justificável será a manutenção no nosso país de uma “arte” indigna de uma sociedade civilizada. Assim vão as cousas.

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