Tal resulta do facto de que cada cidade apresenta características que são inerentes àquilo que as definem e que não se confundem necessariamente com a maior ou menor riqueza cultural, podendo circunscrever-se quase exclusivamente ao modo de vida das pessoas que nela residem.

Em primeiro lugar destacaria o facto de ser cruzada de lés a lés por extensos canais, todos eles navegáveis - e, inclusivamente, habitados junto às margens por extensas embarcações transformadas em casas de habitação - cruzados constantemente por pontes de pedra que criam claramente uma harmonia na cidade em que os canais funcionam como verdadeiras estradas, embora de forma distinta aquela que se verifica, por exemplo, na cidade de Veneza.
Em segundo lugar, a discreta antiguidade dos edifícios, quase todos eles datados do século XVI, XVII e XVIII, algo que não é imediatamente perceptível tão bom é o seu estado de conservação, embora alguns pareçam estar inclinados - e provavelmente até estarão - o que lhes confere um aspecto curioso, associado ao facto se serem geralmente tão estreitos que o acesso aos andares de qualquer objecto normal numa casa seja feita pelo exterior através das amplas janelas, puxadas por um cabo existente no eixo central (no topo) de cada prédio.
E não, não existe miscelânea arquitectónicas tão características de outras paragens, conferindo uma harmonia entre a quase totalidade dos edifícios.

Para tudo isto contribui o facto de se tratar de uma cidade totalmente plana mas, acrescento, uma questão cultural.
Não se julgue, contudo, que as bicicletas correspondem ao último modelo no mercado. Pelo contrário, parecem-se mais com os modelos a que facilmente associamos os modelos que existiam nos anos 70 e 80. A justificação que creio ser possível para esse facto reside na circunstância de que o objectivo para o seu uso é exclusivamente para locomoção utilitária, isto é, para os afazeres do dia-a-dia e nada mais.
E diga-se, são aos milhares.
A quarta e última característica que torna esta cidade única é a sua mais do que evidente liberalidade, não no sentido político do termo, mas na forma como questões que noutros contextos são entendidas como "fracturantes" são aqui totalmente convencionais.
Desde as "coffeeshops" espalhadas um pouco por toda a cidade onde livremente se consome marijuana (com o seu cheiro tão característico) a qual é vendida na loja em frente ou ao lado, passando pela aceitação plena da homossexualidade (sinalizado sem preconceitos um pouco por todo o lado com as suas típicas bandeiras do arco-íris ou por celebrações matrimoniais públicas entre pessoas do mesmo sexo) e da prostituição (no famoso Red Light District) ou ainda na liberdade religiosa.
Poder-se-ia pensar que se trata de uma característica dos "tempos modernos", mas não.
A Holanda sempre soube lidar com a diferença de opinião ou de crença. Desde muito cedo aceitou, por exemplo, a liberdade religiosa, o que fez com que por exemplo se tenha estabelecido em Amesterdão uma rica e próspera comunidade judaica (entre eles muitos portugueses) e que estão na base da expansão ultramarina holandesa (por via do seu financiamento) e da sua reconhecida capacidade de gerar riqueza (algo que nem a segunda guerra mundial que dizimou a quase totalidade da população judia de Amesterdão conseguiu parar).
Os exemplos dessa convivência ainda permanecem na cidade, seja no museu judaico, na sinagoga portuguesa ou na imensa multiculturalidade da cidade.

Poderá pensa-se que com tudo isto Amesterdão será uma cidade suja e perigosa. Nada mais errado.
Dificilmente terei estado num local onde seja menos evidente a presença de policiamento e onde as ruas sejam tão limpas, ainda que recorrentemente (e sem razão aparente) por elas passem carros de limpeza e lavagem do chão.
Feliz a cidade onde as pessoas podem viver as suas vidas de acordo com a lei mas igualmente de acordo com as suas opções de vida serem constantemente "julgados" por tal pela sociedade.
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