domingo, 3 de março de 2013

Rapaziada



No já longínquo ano de 2005, o Eng. António Guterres, numa reunião de direcção do seu partido logo após a vitória nas eleições legislativas de Outubro desse mesmo ano, “avisou” os seus correlegionários que, com o seu governo, não haveria lugar para “jobs for the boys”.

Nesse mesmo dia e ao proferir tal frase, introduziu no léxico comum dos portugueses um anglicanismo que haveria de perdurar pelos anos seguintes relativamente a uma realidade que, ainda assim, já era bastante anterior a essa mesma frase mas que, à falta de melhor enquadramento, os portugueses haviam desde sempre “baptizado”, de forma manifestamente menos subtil, de “tacho”.

Que “boys” eram afinal esses a que o então Primeiro-Ministro se referia?

Embora não haja uma definição que não seja meramente literal e que remete para a palavra “rapaz”, a verdade é que ela se direccionava para um conjunto de pessoas afectas ao partido que, em resultado da vitória nas eleições, pretenderiam ver incluído o respectivo nome num qualquer cargo no aparelho do Estado, seja numa empresa ou instituto público ou na própria Administração Pública, sem excluir, ainda assim, a possibilidade de uma possível “cunha” (outra palavra distintamente portuguesa) numa empresa pertencente ao sector privado.

Estes cargos pelos quais os ditos “boys” suspiravam são precisamente aqueles cujo acesso se encontra de certa forma facilitado, isto é, não estão dependentes de qualquer forma de concurso ou sequer se encontrem associados ao progresso na carreira, vulgo antiguidade.

Assim sendo, a nomeação para a mesmo é feita independentemente do mérito ou do currículo – ou experiência para o cargo, conforme se queira – apresentados pelo candidato, mas apenas em função de um outro critério bem mais equivoco, ou seja, o da afinidade partidária com a cor do governo em efectividade de funções nesse momento ou, conforme também é corrente dizer-se, de acordo com o respectivo cartão partidário.

Perguntar-se-ão então as pessoas qual o papel relevante de um qualquer “boy” para merecer tal confiança por parte dos lideres (sejam eles locais ou da estrutura nacional) do seu próprio partido.

A resposta a esta questão é manifestamente complexa e, confesso, não estar em condições de a prestar adequadamente, porventura por me encontrar aquém e além do conceito de “boy”, cujo paramento jamais vesti e, espero bem, o discernimento me impeça de vestir no futuro.

Atrevo-me, porém, a admitir que o “mérito” que possa ser reconhecido a um “boy” é o do respectivo labor em prol do partido, ou seja, uma espécie de recompensa pela quota-parte de responsabilidade numa qualquer vitória eleitoral.

Ora esta é também em si mesmo uma questão de difícil definição, na medida em que normalmente a intervenção de um “boy” – sem bem julgo perceber – se “resume” a uma forte participação no período da campanha eleitoral ou no período que a antecipa, seja nos comícios eleitorais ou “arruadas” (conforme agora se diz) ou, mais recentemente, por uma inusitada “visibilidade” em espaços globais de comunicação, as denominadas redes sociais.

Nestas últimas a sua participação é conduzida por uma sistemática defesa das intervenções das principais figuras do respectivo partido e, do mesmo modo, um ataque cerrado às posições dos seus principais adversários.

E fazem-no, diga-se, independentemente do conteúdo da mensagem de uns ou de outros, porque, no fundo, não é em si mesmo isso que mais interessa, mas apenas a parangona de que essa mesma mensagem vem rotulada.

E este será, na maioria dos casos, o melhor currículo que qualquer “boy” poderá apresentar quando, após a vitória eleitoral, começa a “alimentar” a respectiva ânsia por um lugar para o qual, por meros critérios de competência, jamais poderia aspirar.

Por isso mesmo o “anúncio” que o Eng. António Guterres fez em 2005 apenas poderá ser entendido como “novidade” pela expressão então utilizada, na medida em que a realidade veio demonstrar que, nos tempos que se seguiram, houve mesmo muitos “jobs” para igual número de “boys”, algo que se manteve inalterado em todos os governos subsequentes, sem excepção.

É que o “boy” não é rosa, laranja ou de qualquer outra cor. É uma figura sem nome ou mesmo rosto e de personalidade equivoca, que não hesita em obter benefícios pessoais sem mérito próprio, algo que contribuiu sucessivamente para o crescimento do aparelho do Estado.

Este facto é particularmente visível na incapacidade de qualquer Governo em reduzir a despesa primária do Estado, por via de um “emagrecimento” que não se baseie, quase exclusivamente, na redução dos benefícios sociais, porque daí decorreria previsivelmente a necessidade de questionar a sua própria posição e, mais importante ainda, a eventual manutenção no poder. Assim vão as cousas.

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