Quando, em Setembro
último, faleceu a maior referência portuguesa contemporânea da denominada
música erudita, o compositor Emanuel Nunes, entendi que a sua abordagem a esta
forma de arte era, em si mesmo, merecedora de uma reflexão sobre o contexto
mais vasto do que é a arte si mesmo.
À memória surge-me uma
frase do actor Gerard Depardieu no filme “Green Card” que, depois de tocar ao
piano uma obra totalmente atonal olhando para o ar de espanto do seu “público”
de ocasião, diz simplesmente “C’est pas du Mozart”, literalmente traduzível por
“Não é Mozart”.
A arte, nas suas
diferentes formas, é uma realidade que se encontra nos antípodas de uma
possível caracterização estática, acompanhando o Homem desde o início dos
tempos, evoluindo em função da sua própria evolução, criando invariavelmente
roturas com o passado.
Esse movimento de rotura
foi sempre “visto” por uns como um evento “natural” e imediatamente assimilável
e por outros como uma verdadeira afronta aos modelos até então em vigor,
resultado prático de uma tendência natural para uma certa aversão à mudança por
boa parte do Ser Humano.
Com maior ou menor
resistência, a “força” dos tempos sempre prevaleceu sobre as vontades
individuais, levando à assimilação por parte das gerações seguintes das novas
tendências, criando uma dinâmica que, qual pedra lançada ao espaço, podendo
desacelerar, não mais deixará de seguir o seu caminho.
No entanto, nos períodos
de alguma estabilidade artística e antes de qualquer nova mudança, sempre houve
aqueles que, antecipando-se aos tempos que haveriam de vir, “forçaram” as
referidas roturas, numa espécie de movimento “avant la lettre”, sendo estes
aqueles que normalmente haveriam de ser vistos com maior desconfiança.
Esta rotura temporal
quase sempre criou para os respectivos autores uma espécie de “olhar
desconfiado” não apenas por parte daqueles que são os destinatários finais de
qualquer forma de arte, isto é, o público, mas igualmente entre os seus
próprios pares.
Na génese de todos estes
movimentos está e estará sempre uma visão pessoal sobre a arte e tudo aquilo
que nos rodeia, que poderá ou não “beneficiar” de uma maior ou menor adesão por
parte de quem com ela se “confronta” sem, contudo, jamais perder essa
individualidade.
Por isso se justifica
que, no mesmo mundo onde um dia houve Mozart, também possa haver um Emanuel
Nunes, ou onde houve Michelangelo possa existir Picasso ou ainda que no mesmo
país se possa simultaneamente desfrutar da escrita de Eça de Queiroz
e de António Lobo Antunes.
A livre expressão
artística é, em si mesmo, uma forma de manifestação de democracia, sendo
precisamente em períodos de ditadura que normalmente se procura impor uma
espécie de arte de regime, aquela que deverá ser aceite por todos e,
consequência disso mesmo, à perseguição - essa forma suprema de incompreensão –
de quem a tal se opuser.
O “problema”, mesmo no
pior dos tempos, é que a arte não foi nem nunca será consensual. E ainda bem.
Assim vão as cousas.
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