Uma das formas mais ancestrais de
manifestação cultural é, sem sombra de dúvida, o teatro.
É fácil perceber o motivo para que assim
sempre tenha sido pois a sua materialização pressupunha unicamente a existência
de um texto e dos correspondentes actores.
No essencial, o teatro sempre se dividiu
em duas grandes “famílias”, nomeadamente a tragédia e a sua oposta cara-metade,
a comédia.
Em termos práticos e com mais ou menos
derivações a 5ª arte manteve a quase exclusividade das formas de representação
pública até ao século XX altura em que o exponencial crescimento tecnológico
“apresentou” ao Mundo novas formas de fácil assimilação cultural, com o cinema
e, acima de tudo, a televisão a encabeçar esse movimento.
A partir desse momento, de acordo com o
meu entendimento, o teatro passou a ser o “palco” das classes mais baixas em
oposição aos seus “competidores” que confluíam em si as famílias com mais
posses, nomeadamente ao ponto de permitir a aquisição de uma das ditas “caixas”
que mudaram o mundo.
Em Portugal, como não podia deixar de
ser, esta “separação de classes” durou até muito mais tarde do que na
generalidade dos seus parceiros europeus, fruto da elevada desigualdade social
existente.
Assim, tirando o fenómeno da televisão,
co-existiam sobretudo na Capital os grandes palcos de cinema e casas de teatro,
quase exclusivamente dedicadas à apresentação dos grandes clássicos da
literatura portuguesa e de uma outra forma de expressão teatral a que se
convencionou chamar de Teatro de Revista e que se encontrava essencialmente
confinada a um espaço bem no centro de Lisboa.
Este espaço, uma espécie de Broadway à
portuguesa, adoptou a designação oficial de Parque Mayer por se situar
precisamente no espaço adjacente ao palácio com o mesmo nome, e sempre se
evidenciou por ser um local de animada tertúlia em tudo aquilo que um tal local
pode proporcionar a uma sociedade genericamente pouco dada a manifestações
culturais.
Este Teatro de Revista encontrava-se
configurado como a forma privilegiada para a difusão de “mensagens” com forte
pendor alegórico, com recurso a uma simbologia de cariz popular, que permitia a
sua fácil assimilação por parte dos espectadores, de certa forma facilitado
pelo regime de então que “fechava os olhos” a um formato de textos que
“escapava” de forma subliminar aos censores.
A democratização da sociedade trouxe, contudo,
também a democracia de acesso a bens que até então se encontravam vedados a uma
parte substancial da população, e a televisão entrou em força nos lares dos
portugueses, que deixavam dessa forma de necessitar de sair de casa para tomar
contacto com as diversas formas de manifestação culturais, desde logo com o
cinema e o teatro como principais “lesados” de tal comodismo.
Associado a este facto verificou-se
igualmente o alargamento do espectro da “oferta” teatral que passou a explorar
novos contextos quer literários quer cénicos, do qual decorreu a invariável
deriva intelectual.
Desta constatação resultou, como não
podia deixar de ser, o declínio e a degradação dos espaços, sendo que as
grandes salas de cinema cederam o seu lugar a espaços menores, tendo sido
progressivamente ocupados por actividades nada orientadas para a cultura ou,
inclusive, substituídos por novos edifícios e, consequentemente, novas
funcionalidades, mantendo, por vezes, a mesma nomenclatura como que lembrando a
todos que em tempos ali houvera um espaço de referência.
Mas se nas salas de cinema o “filme”
mudara, o mesmo já não se verificava no Parque Mayer, o qual se mantinha fiel
às características da forma teatral que o celebrizara, fidelidade essa que não
era acompanhada pelo factor tempo que acentuava em igual medida o “charme” do
local mas ao mesmo tempo a sua acentuada degradação.
Nesse aspecto a própria alteração
demográfica da Capital contribuiu em grande medida para este progressivo
afastamento, face à mais do que evidente redução do número de cidadãos aí
residentes, deslocalizados para as cidades “dormitório” circundantes da
Capital.
Contudo, a “machadada” final nas
possíveis perspectivas futuras deste espaço foi a politização do mesmo, isto é,
a partir do momento em que passou a ser a “bandeira” dos candidatos à
presidência do mais importante município português, que invariavelmente
“esbarrava” com uma penosa realidade de falta de planeamento, fundos e até
mesmo em negócios de duvidosa legalidade.
Não deixa, portanto, de ser curioso que o
Parque Mayer é, em si mesmo, a “imagem” de duas realidades demasiado evidentes
para serem ignoradas, sendo a primeira delas a necessidade do poder político em
criar ilusões – que reiteradamente não parece em condições de tornar reais - a
troco de um punhado de votos e a segunda aquela que ninguém parece querer
assumir, isto é, que o Parque Mayer é em si mesmo uma ilusão.
Uma espécie de síntese de uma
tragicomédia representativa de um esplendor passado sem qualquer
viabilidade futura, à imagem de alguém que sofrendo de uma doença terminal se
recusa a assumir tal facto ao mesmo tempo que ninguém tem a coragem de lha
revelar. Assim vão as cousas.
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