No dia 1 de Abril “festeja-se” o denominado dia das mentiras.
Esta é uma expressão que não se aplica em política, onde nunca se mete por definição mas sim, educadamente, falta-se à verdade.
Esta é apenas uma das formas de manifestação de uma certa característica do ser humano a que se convencionou chamar de hipocrisia, em que aquilo que se diz não corresponde àquilo que se pensa.
O problema é que a retórica parlamentar não é propensa a ser transposta para a realidade do cidadão comum, que muito apropriadamente não deixará de pensar que uma mentira é uma mentira, qualquer que seja a forma e a perspectiva com a que mesma seja analisada.
O exemplo flagrante deste “status quo” é o que resulta da análise aos sucessivos programas de governo que são apresentados aos cidadãos eleitores na fase da campanha eleitoral, com base nos quais pelo menos uma parte (segundo parece os ditos eleitores do “centro”) assenta os respectivos pressupostos no momento de decidir em quem pretendem confiar os respectivos destinos após as eleições.
Este documento é, na sua essência, a consagração escrita da ausência de verdade na forma como os políticos lidam com os seus eleitores e com os cidadãos em geral.
Existe e sempre existirá uma franja de fiéis e irredutíveis militantes que olharão para tais documentos como um qualquer adepto de futebol analisa a sua equipa de eleição, isto é, jogue o que jogar, jamais deixarão de a apoiar.
Ou seja, na perspectiva de algumas pessoas é mais do que certo que diga o que disser o programa de governo do partido que o próprio apoia que ele jamais deixará de o fazer, ainda que dele possam resultar consequências para o próprio.
O “jogo” subjacente a este comportamento é a noção generalizada e enraizada pelo menos junto dos principais partidos que o programa de Governo não é mais do que um enunciado genérico de intenções que, no essencial, ninguém lê ou se o lêem depressa o esquecem.
No entanto, é penoso pensar que assim o seja, porque o que está em causa não é mais nem menos do que a diferença entre percepção prévia da realidade concreta que orientará a acção governativa e as respectivas consequências ou a tomada de consciência “à posteriori” de que, mesmo à luz da melhor das justificações, nada do que aquilo se prometeu está em condições de ser cumprido.
A “justificação” para esta reiterada procrastinação é a convicção que a realidade ainda que dura é isso mesmo a realidade e que não adianta fugir da mesma mas procurar mostrar os caminhos para o futuro, em tudo o que este terá de sacrifício mas igualmente tudo aquilo pelo qual merece a pena efectuar esse mesmo sacrifício.
Acontece que da aplicação prática desta teoria resultaria invariavelmente uma e única consequência para o partido que assim procedesse, isto é, uma derrota eleitoral futura.
Não parece ser razoável perspectivar uma adesão em massa a um programa de governo que antecipasse o aumento do desemprego para níveis insustentáveis, o aumento da inflação e dos impostos directos e indirectos, o aumento da recessão e o fim ou a supressão de direitos sociais ou laborais, ainda que na base de tais “cenários” estivesse uma perspectiva de “futuro melhor”, seja ele qual for.
Assim sendo, tem prevalecido o distanciamento da realidade à custa da omissão da mesma, subjugada por enunciados genéricos de intenções, normalmente “condenados” a cair no esquecimento no dia seguinte às eleições.
Gaston Bachelard dizia com toda a propriedade que “o real não é nunca aquilo em que se poderia acreditar, mas é aquilo em que deveríamos ter pensado” e este exercício parece cada vez mais distante dos cidadãos na hora de tomar decisões.
É, pois, minha convicção que no dia 1 de Abril de cada ano “celebra-se” uma espécie de “direito” à institucionalização da mentira (ainda que piedosa) em oposição à outra mentira, aquela que aparece mascarada de ausência de verdade, que se vive nos demais.
Talvez por isso mesmo o “nosso” dia das mentiras é designado nos países anglo-saxónicos de “April Fool’s Day”, que é como quem diz, o dia dos tolos. Eles lá saberão porquê. Assim vão as cousas.
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