domingo, 22 de abril de 2012

G.I. Joe

Se o objectivo das recentes intervenções públicas de dois dos chamados “Capitães de Abril” Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço é o de descredibilizar a nobreza dos princípios fundadores do 25 de Abril de 1974, então estarão a conseguir plenamente os seus intentos.

O que não se percebe exactamente é porque é que o estarão a fazer.

Em tempos como os actuais torna-se premente o reforço de uma consciência colectiva que remeta novamente para a necessidade de se evocarem os momentos-chave da nossa História contemporânea numa perspectiva de reforço dos ideais de soberania, solidariedade e defesa dos direitos sociais, todos eles elementos comuns ao espírito que levou à queda do antigo regime é de estranhar, portanto, que alguns daqueles que estiveram na frente dessa luta apareçam a questionar os fundamentos de tais momentos.

Creio, contudo, que o “ambiente” em que algumas declarações têm sido proferidas se insere num contexto mais vasto da situação actual das forças militares e de segurança em Portugal.

E nesse aspecto penso que é necessário analisar este tema em duas fases distintas em cada uma das forças em causa.

No primeiro caso, o das forças militares, há claramente dois momentos devidamente sinalizáveis, ou seja, o antes e o após o fim do serviço militar obrigatório.

Se durante muitos anos o cumprimento do “dever” de “fazer” a tropa obrigava a quase totalidade dos jovens mancebos ao dito serviço de forma graciosa, o fim da referida obrigatoriedade impôs a sua profissionalização face ao carácter voluntário como que o mesmo passou a funcionar.

Ao mesmo tempo que tal sucedia acentuou-se a inexistência de fundamentos reais para a existência de um exército com uma dimensão sobredimensionada não apenas face à reduzida probabilidade da sua intervenção em larga escala num cenário de ameaça à soberania portuguesa mas igualmente tendo em conta o reduzido número de activos normalmente disponibilizados em missões de paz externas.

Não obstante esta ausência de “actividade” foram-se sucedendo as promoções internas, elevando à categoria de oficiais um elevado número de elementos sem que tenham tido justificação para tal.

O problema a partir desse momento é que se corre o risco de haver mais gente a “mandar” do que a ser “mandado” e deste nada irrelevante pormenor implica normalmente a perda de autoridade das chefias, situação que a meu ver se verifica actualmente.

Não existe, em bom rigor, a ausência de uma verdadeira situação de comando e, neste mesmo conceito, incluo igualmente a omissão de qualquer intervenção relativamente a um crescente sentimento de insubordinação militar por parte daquele que a Constituição da República designa de Comandante Supremo das Forças Armadas, isto é, o Presidente da República.

Ao nível das forças de segurança (não militares) existem igualmente, de acordo com a minha perspectiva, dois momentos cuja relevância explica em boa parte a reiterada manifestação pública de insatisfação por parte dos respectivos agentes.

Os referidos momentos são aqueles que separam a fase pré e pós sindical (ou associativa) das forças policiais.

A discussão sobre a liberdade sindical ou de associação das forças policiais sempre foi discutida e discutível, inclusive face à Constituição da República Portuguesa que prevê restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião ou manifestação por militares e agentes militarizados incluindo a não admissão do direito à greve.

No fundo percebe-se esta limitação motivada por um interesse superior de assegurar que aqueles que devem manter a ordem pública sejam eles próprios a fonte de desordem.

Tudo isto foi suficientemente claro até ao momento em que se “abriu a porta” a um sindicalismo disfarçado de associativismo que degenerou numa multiplicação de representantes da classe, com um discurso muito típico da argumentação normalmente “visto” no contexto da contestação laboral.

Também aqui é perfeitamente visível a falta de comando por parte da hierarquias superiores, provavelmente mais entretidas a contar as respectivas medalhas do que a impor a disciplina interna.

O que há então de comum entre a aparente “deriva” dos “militares de Abril” e a situação actual que se vive nas forças armadas e de segurança?

Esse ponto unívoco é o que resulta da aparente convicção que o Estado de Direito deve soçobrar perante as ameaças cada vez menos envergonhadas daqueles que detêm o poder das armas.

O mesmo poder que em Abril de 1974 contribuiu decisivamente para a restauração do referido Estado de Direito ou seja – é bom lembrar a que disto se “esqueceu” – aquele em que poder público é definido e controlado por uma Constituição e regido pela Lei. Assim vão as cousas.

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