A actual Lei do Aborto em Portugal “comemorou” recentemente 5 anos.
Como em qualquer aniversário é normalmente o tempo de fazer o balanço do tempo que passou e do tempo que há-de vir.
Contudo, e esta é a abordagem que me é relevante, é também o momento de efectuar comparações, em concreto, o “exercício” matemático comparativo que nestas ocasiões se pretende levar a cabo.
O problema é que nestas (como noutras) matérias Portugal não “existia” anteriormente.
Ou seja, hoje em dia é mais ou menos frequente sermos confrontados com o aumento de determinadas situações concretas face ao passado.
O aborto é, neste domínio, apenas um exemplo de tal constatação, como poderiam também ser igualmente referidos os casos de violência doméstica, entre outros.
A verdade é que em qualquer dos casos tais temas não contavam para as estatísticas simplesmente porque o Estado sempre ignorou (e eventualmente de forma consciente) aquilo que se passava no interior das suas fronteiras.
Talvez fruto do entendimento que a generalidade de tais assuntos remetiam directamente para a esfera privada de cada família ou porque as próprias pessoas não actuavam conscientes dos seus próprios direitos, sempre houve algo de “clandestino” na forma de perspectivar estes e outros problemas.
A necessidade de existência de uma queixa formal exactamente por parte de quem menos condições teriam para a fazer ou mesmo a criminalização do próprio acto, eliminava em termos práticos o conhecimento oficial de estatísticas credíveis sobre tais eventos.
Por outro lado não é menos verdade que boa parte destas questões conflituam com a Doutrina Social da Igreja que “olha” para tais questões na perspectiva do pecado ou da indivisibilidade da família, independentemente das consequências que daí possam resultar.
Neste aspecto o Estado, cuja laicidade se encontra constitucionalmente prevista, quase sempre optou por uma certa deriva de pendor religioso certamente consciente que se é de estatísticas que se fala então é justo presumir que 90% dos eleitores têm uma matriz cristã que não convém nada afrontar.
O momento de “viragem” surge então quando é impossível deixar de ignorar aquilo que começa a ser demasiado evidente.
Quando nesses momentos o Estado passa a assumir o seu papel “tutelar” começam a surgir os primeiros elementos de análise, normalmente para choque alguns e surpresa de muitos.
Ao percebermos que muitas vezes o pior inimigo é precisamente aquele que vive dentro das nossas próprias casas ou que criminalizar determinados actos de quem se encontra precisamente num momento de maior fragilidade ganhamos consciência da necessidade de recolocar os assuntos numa perspectiva diferente da anterior.
Mais do que uma questão legal passa a ser uma questão de humanidade.
Por isso, quando hoje em dia somos confrontados com os números oficiais sobre os abortos efectuados no SNS ou os casos de violência doméstica julgamos estar perante um aumento generalizado destas ocorrências simplesmente porque apenas agora temos conhecimento delas.
No entanto, o meu entendimento é perfeitamente distinto deste, o nosso espanto e a nossa consciência deveria estar precisamente voltada para a questão contrária, isto é, porque é que nada se fez para se evitarem tais situações anteriormente. Assim vão as cousas.
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