domingo, 10 de julho de 2011

O edifício devoluto


"Vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte."

Não deixa de ser interessante a reacção dos principais lideres europeus a mais uma investida das agências de notação financeira relativamente à cada vez mais tristemente famosa divida soberana de Portugal.

Como é sabido nesta altura temos a mesma credibilidade de um Bangladesh, isto é e sem quaisquer rodeios, não somos dignos de confiança, ou de acordo com os parâmetros destes nossos "amigos" valemos lixo.

O que é extraordinário nas reacções inflamadas que se fizeram sentir um pouco por todo o lado é a aparente ausência de percepção que a posição assumida pela Moodys segue uma linha de actuação que em pouco mais de um ano "atirou" a Grécia, a Irlanda e mais recentemente Portugal para a dependência financeira externa.

E fizeram-no de uma forma bastante simples, ou seja, adensando nos famigerados "mercados" a convicção da incapacidade destes Estados em cumprirem com as suas obrigações ou melhor dizendo de pagarem as suas dividas.

A cada novo downgrading da divida soberana os mercados reagem com um novo aumento das taxas de juro da divida pública, obrigando os Estados a terem de suportar quase tanto valor em juros quanto aquele que pedem.

Ao longo deste tempo todo a Europa - a União Europeia - tem assistido de forma impávida e serena ao desmoronar das economias de alguns dos seus estados-membros, incapaz ela própria de reverter a fúria especulativa das agência de rating - a Moodys e as outras duas - e dos tais mercados de que todos ouvimos falar, mas ninguém parece perceber muito bem o que sejam exactamente.

Ao invés de uma reacção firme e concertada daquela que é maior comunidade de países civilizados e o maior pólo de desenvolvimento mundial a União Europeia parece ter optado por  alinhar num esquema que nada mais faz do que descredibilizar a ela própria, aparecendo associada a instituições como o BCE e o FMI, injectando biliões de euros nos países mais afectados impondo-lhes como contrapartida duros planos de austeridade que invariavelmente atiram os países em causa para uma recessão cujo final não se vislumbra.

Para poder dispor de tais montantes a UE socorre-se do denominado Fundo de Estabilização Financeira para o qual contribuem proporcionalmente todos os Estados-membros.

Proporcionalmente e solidariamente.

Ora é por aqui que a edifício europeu começa a ameaçar ruir porque cresce a convicção por parte dos países mais ricos que não estarão obrigados a "sustentar" alguns dos seus parceiros com o argumento que se eles se encontram na situação actual será por exclusiva responsabilidade própria.

Admitindo que exista algum fundo de verdade neste raciocínio a realidade é, contudo, mais complexa do que esta visão "simplista" parece transparecer.

A realidade é que no mesmo momento em que a Comissão Europeia, a Sra. Merkel e outros que tais "elogiam" e "aplaudem" a coragem das medidas de austeridade impostas em alguns dos seus parceiros reafirmando a convicção que os mesmos "se encontram no bom caminho", surge quase sempre de forma temporalmente coincidente uma qualquer agência de rating a querer dizer precisamente o contrário.

Uma verdadeira solidariedade europeia jamais permitiria uma avaliação dos Estados-membros por entidades com motivações desconhecidas, com sede numa economia concorrente e que na pratica contrariam, com recurso a métodos meramente especulativos, todas as iniciativas tendentes a "ajudar" os países em crise.

Provavelmente tal só virá a acontecer quando a "dúvida" atingir aqueles que em boa verdade dirigem os destinos da Europa comunitária, ou seja a França, o Reino Unido, a Itália, a Polónia em certa medida e, acima de todos, a Alemanha, precisamente aquela que no passado mais beneficiou da solidariedade europeia e que agora olha de cima para baixo todos os outros e que dita as regras com que todos temos de jogar.

Talvez tal cenário não esteja tão longe de suceder como se possa pensar, porque depois de arruinados aqueles a quem já chamam os PIGS (Portugal, Ireland, Greece, Spain) o tsunami dos mercados e das agências de rating chegará aos restantes, determinando provavelmente o fim do sonho (que virou pesadelo para alguns) da moeda única e, quem sabe, da própria União Europeia tal como a conhecemos hoje.

A frase que encabeça esta dissertação pertence a um senhor chamado Konrad Adenauer, um dos fundadores da Comunidade Económica Europeia. Devo reconhecer que tem algo de profético. Assim vão as cousas.

  







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