domingo, 24 de julho de 2011

Arco da memória

O que é que têm em comum o Cambodja, o Chile, a Argentina e a ex-Jugoslávia apenas para citar alguns países?

Têm em comum o facto de se encontrarem ou terem terminado recentemente o julgamento daqueles que no passado foram responsáveis pelas mais negras páginas das respectivas Histórias.

São países que não se conformaram com a mera transição entre a guerra e a paz ou entre a ditadura e a democracia e trataram de chamar à justiça os seus ditadores e respectivos algozes.

Não estará em causa tanto a dimensão da pena a que serão sujeitos estes indivíduos mas sobretudo a necessidade de criar a consciência que os crimes contra toda uma Sociedade, cuja gravidade nalguns casos é elevada aos denominados crimes contra a Humanidade, não passarão impunes aos olhos dos cidadãos que sofreram directa ou indirectamente os efeitos da repressão movida contra eles no passado.

A simples submissão à lei e à ordem de um ditador ou responsável por crimes é em si mesmo uma condenação de alguém que durante parte da sua vida negou aos outros o direito a um julgamento livre e isento para além de muitas outras privações de direitos fundamentais, desde logo o direito à vida.

Portugal, fiel à sua aura de país de brandos costumes, fez a transição da ditadura para o regime democrático sem estabelecer um verdadeiro tribunal que viesse a julgar todos aqueles que foram responsáveis por meio-século de ditadura.

Ao contrário dos países que hoje julgam as suas ditaduras, Portugal terá entendido que poderia fazer as pazes com o seu passado dando uma espécie de amnistia aos executores da política de repressão do Estado, ou seja, pelas mortes e tortura que submeteram ao silêncio o país durante tão grande período.

Talvez porque o ditador-mor já tinha morrido anos antes ou porque aquele que o sucedeu havia sido "despachado" para o Brasil dispensou-se a necessidade de julgamento

Ficaram, contudo, por julgar aqueles que executavam fielmente a política do Estado-Novo e a que este chamou de "Polícia Internacional e de Defesa do Estado" vulgo PIDE.

Entre aqueles que fugiram do país e aqueles a quem bastou mudar a bússola e "aderir" ao advento da Democracia não houve ninguém que de forma objectiva tenha sido chamado a pagar pelos crimes que havia cometido.

Alguns dirão porventura que esta foi uma prova de maturidade democrática de um povo que soube conter eventuais impulsos de natureza perversa associados a julgamentos políticos ao estilo de ajuste de contas.

Outros, como eu, dirão que o problema reside na necessidade de manter viva a memória do passado para se acautelar o futuro e para isso seria necessário que a História registasse que os crimes de lesa-Estado não passam impunes e que um dia os responsáveis pelo período mais negro da História Contemporânea de Portugal foram chamados à justiça e devidamente julgados por isso.

Infelizmente não foi nada disso que sucedeu e por isso não é de estranhar que se verifique uma tendência preocupante para a desvalorização da importância da Revolução de Abril ao mesmo tempo que se atribuem pensões vitalícias a ex-inspectores da PIDE.

Não só não os julgámos como se fica com a sensação que o país aparentemente lhes deve estar grato por qualquer coisa, mesmo que não se saiba bem porquê. Assim vão as cousas.    

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