domingo, 26 de junho de 2011

Uma questão de estilo (de vida)

Se há coisa que os americanos (os norte-americanos, note-se) gostam é de passar boas temporadas em campanha eleitoral.

Há falta de uma figura equivalente a um Primeiro-Ministro os americanos centram toda a sua atenção na eleição do Presidente da República e, em bom rigor, começam logo a faze-lo no dia imediatamente seguinte ao das eleições.

O próprio Presidente da República eleito entra também imediatamente em campanha se houver a possibilidade de reeleição, o que tem acontecido quase sempre ao longo das últimas décadas.

Ora se do lado dos Democratas a escolha parece estar feita há muito tempo o mesmo já não se diga da parte dos Republicanos que andam por estes dias numa espiral pelo país fora em auto-promoção, sem sequer serem na maior parte dos casos candidatos oficiais ao cargo.

Andam, no fundo, a recolher a sensibilidade dos cidadãos na perspectiva de se darem a conhecer e poderem vir a ser a escolha do partido Republicano para o próximo embate com Barack Obama.

Não menos importante é o facto de andarem também a recolher boas doses de apoios financeiros por parte daqueles a quem mais tarde terão de retribuir – provavelmente com “juros” – tão generosos apoios logo que a Casa Branca esteja devidamente ocupada.

Do ponto de vista europeu analisar este complexo período eleitoral não deixa de causar um misto de sentimento de comédia mas também de estupefacção, não se percebendo sequer onde começa um e acaba o outro.

Basta, para tanto, acompanhar os tais proto-candidatos a candidatos para se perceber a que é que me refiro.

O candidato Republicano típico é aquele que, de forma geral, parece incorporar os denominados valores tradicionais da América e fazem-no da forma mais exacerbada possível de forma a criar um evidente antagonismo entre eles próprios e os candidatos Democratas.

Para esse efeito recorrem a um conjunto de taglines muito “queridas” aos americanos de forma a associar os outros candidatos a conceitos que se encontram nos antípodas dos referidos valores.

Surgem então de forma despudorada as referências ao socialismo que em “bom americano” equivalerá, por absurdo que pareça, ao comunismo de Cuba e da ex-União Soviética, e à religião.

Nesta última cabe praticamente tudo, desde a questão do aborto, do casamento de pessoas do mesmo sexo, ou seja, tudo aquilo que no entender dos americanos corresponde a um desvio aos princípios da família indivisa e devota a Deus.

Para o fazerem os republicanos recorrem a figuras que dificilmente teriam qualquer destaque numa democracia europeia mas que ganham um relevo surpreendente à luz dos ideais americanos.

Não é de estranhar que de entre os principais candidatos a candidatos a Presidente da República surja um senhor chamado Mitt Romney, com ligações aos ultra-conservadores mórmones, a repetente Sarah Palin que se destaca muito mais por aquilo que diz do que por aquilo que verdadeiramente faz e mais recentemente uma senhora chamada Michelle Bachmann.

Figura de proa de um movimento conservador surgido no seio do partido Republicano, o Tea Party, tem na prática as mesmas “virtudes” de Sarah Palin, isto é, não apresenta qualquer currículo que lhe permita fazer disso a sua bandeira, salientando-se contudo pelo “calibre” das suas intervenções públicas não raras vezes revelando um impensável nível de recursos culturais.

Contudo, existe uma franja significativa de americanos que parece aderir a estes personagens, desde logo porque entre outras coisas o Estados Unidos tem actualmente e pela primeira vez na sua história um Presidente negro o que também colide com a “visão” idealista da família americana típica de classe média.

Tudo isto se joga num contexto de um escrutínio público e altamente voraz das vidas privadas das figuras públicas.

Tendo por base o pressuposto de que “à mulher de César não parecer ser séria”, tem mesmo de o ser, qualquer nota de desvio comportamental, mesmo que estes se tenham verificado em idade púbere, implica normalmente a queda politica de qualquer candidato e o fim da sua carreira politica, porventura mesmo antes de esta ter começado.

O “problema” americano reside neste paradigma, ou seja, é este mesmo Povo intransigente com os hábitos e bons costumes que assiste de forma impávida e serena a matanças de inocentes à luz de uma lei constitucional que protege a posse e o uso de armas de fogo ou que entende como perfeitamente natural que boa parte da população (a pobre) não tenha acesso a cuidados de saúde básicos por não dispor de um seguro de saúde.

É também este país que está actualmente envolvido em cenários de guerra mais longos do que quaisquer outros da sua história, com custos orçamentais para lá da nossa compreensão mas sobretudo com um elevadíssimo custo de vidas humanas.

Poder-se-ia dizer muito mais sobre a incoerência o Povo americano aos olhos de um europeu, mas a verdade é que o paradoxal é que esta forma de estar perante si próprio e perante o mundo que os rodeia é de uma absoluta coerência.

A verdade é que os americanos sempre agiram desta forma e presumivelmente continuarão a agir no futuro.

É este o “American way of life”.

Em princípio o Mundo poderá “dormir descansado” porque a reeleição de Barack Obama é mais ou menos certa e desta forma, pelo menos por agora, não ficaremos ao sabor dos “catecismos” de uma Sra. Palin ou Bachmann ou de um Sr. Romney.

Contudo, independentemente desta convicção não podemos ainda assim de deixar de pensar que foi este mesmo Povo que elegeu George Bush por duas vezes. Assim vão as cousas.

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